Elnara Negri

Livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP e pneumologista do Núcleo Avançado de Tórax do Hospital Sírio-Libanês

Opinião

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Sobre médicos e professores

A IA pode tornar a saúde e a educação de qualidade mais acessíveis. Mas, para isso, a máquina não deve substituir o homem, e sim ajudá-lo

Sobre médicos e professores
Sobre médicos e professores
Será a Inteligência Artificial capaz de transformar o acesso ao crédito para PMEs? Crédito: SvetaZi
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Em entrevista recente à televisão americana, o ex-diretor-executivo da Microsoft, Bill ­Gates, afirmou que a Inteligência Artificial (IA) será capaz de oferecer tratamento médico e fazer o trabalho dos professores nas diversas áreas de atuação até 2035.

Segundo Gates, professores e médicos poderão até ser substituídos por robôs bem programados, sem prejuízo no atendimento da população. Gates considerou o impacto da IA, inclusive, na redução de problemas administrativos e trabalhistas e de risco ocupacional.

Disse ele: “Isso (IA) resolve muitos problemas específicos, como a falta de médicos ou de profissionais de saúde mental, mas também traz muitas mudanças. Como serão os empregos? Devemos trabalhar apenas dois ou três dias por semana?” Gates acrescentou que os robôs substituiriam o ser humano em muitas das tarefas do dia a dia, como limpar, cozinhar etc. e que, dessa forma, passaríamos a ter mais tempo livre.

Em um mundo tão desigual, onde tantos seres humanos ainda passam fome e não têm acesso básico a ensino e saúde, essas são questões a serem consideradas com muita cautela. A IA pode, se bem utilizada, ser uma ferramenta de melhora global da qualidade de vida das pessoas.

A China inaugurou, no fim de 2024, o primeiro hospital do mundo alimentado inteiramente por IA, chamado Agent Hospital.

Localizado em Pequim, o hospital dispõe de 14 médicos robôs e quatro enfermeiros virtuais. O hospital é projetado para você ser atendido por interfaces de IA desde sua chegada ao Pronto Socorro até sua alta, sem a necessidade de contato com nenhum ser humano. Você consegue imaginar como se sentiria?

Para quem tem direito de escolha, plano de saúde e não precisa viajar horas de barco ou outros meios de transporte para chegar a um serviço médico, isso pode parecer grotesco. Mas, para quem não tem acesso a atendimento e está em sofrimento, uma estrutura como essa pode ajudar muito. Isso, é claro, desde que por trás das interfaces existam profissionais atentos e prontos a corrigir quaisquer distorções do sistema, que poderiam ser fatais.

Quantos de nós já não se irritaram com interfaces inúteis de IA em bancos e serviços de telemarketing – nada resolvido, tempo perdido e porta aberta para fraudes e danos morais e materiais?

Imaginem essa situação no atendimento médico por IA.

Atualmente, estão tentando incluir empatia na IA. No cinema, isso não deu muito certo. Vamos aguardar.

Mas, falando sério, a integração da IA ​​no atendimento médico só é válida se utilizada para melhorar a acessibilidade, a velocidade e a capacidade de resposta às necessidades do paciente. Em vez de pensarmos em como a IA pode substituir professores e médicos e tantas outras profissões, devemos nos concentrar em políticas públicas e estudos que invistam em como ela pode ajudar a melhorar a vida das pessoas.

Esse avanço poderia tornar o atendimento médico de alta qualidade mais amplamente acessível e, além disso, facilitar o aprendizado, ajudar no intercâmbio de conhecimento e multiplicação de recursos que ficariam disponíveis para mais pessoas, com redução de custos e aumento da eficácia de tratamentos.

Imagine um médico, em um grande centro, poder ajudar um colega numa zona mais remota. Um cirurgião experiente em cirurgia robótica pode operar um paciente remotamente. Isso já acontece nos dias de hoje em pequena escala.

Quanto aos professores, aulas facilitadas por IA com recursos infinitos de simulação e documentação, em tempo real para um número enorme de alunos, com fóruns de perguntas e professores facilitadores para populações mais distantes.

Tornar saúde e educação de qualidade mais acessíveis; e criar oportunidades de aprendizado e difusão do conhecimento são sonhos que poderiam ser bem possíveis com as ferramentas de IA.

Podemos, em resumo, buscar um ser humano que se torne melhor com o auxílio da máquina, mas não que seja substituído por ela. Perder a humanidade no ensino e no cuidado médico pode tornar -se um dos maiores reveses da civilização. •

Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sobre médicos e professores’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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