

Opinião
O powerpoint de Alexandre de Moraes
Às vezes, a simples defesa do óbvio não basta. É preciso ilustrá-lo. Não para convencer quem já se recusa a ver, mas para deixar claro, à história, o que foi o 8 de Janeiro


Em 2016, Deltan Dallagnol era o chefe da força-tarefa da Lava Jato. Para acusar Lula, então alvo da operação, o ex-procurador apresentou um infame powerpoint que, embora tenha entrado para o anedotário político, deu visibilidade às ações dele e do então juiz Sergio Moro.
Hoje, ambos estão fora de suas funções originais. Dallagnol deixou o Ministério Público Federal, elegeu-se deputado, tornou-se um dos principais nomes do bolsonarismo e perdeu o mandato por fugir de sindicâncias sobre os abusos cometidos à frente da Lava Jato. Moro seguiu caminho semelhante, com a diferença de que conseguiu manter-se senador.
Quase dez anos depois, na sessão do STF que aceitou a denúncia contra Bolsonaro e outros sete acusados por tentativa de golpe de Estado, Alexandre de Moraes recorreu a recursos audiovisuais mais sofisticados para desmontar a narrativa bolsonarista de que o 8 de janeiro teria sido um passeio pacífico.
Além de apresentar uma tabela com dados dos processos — número de condenações, penas, idades dos réus —, exibiu uma compilação de vídeos com narração em tempo real, destacando a violência na depredação das sedes dos Três Poderes. Um dos registros mostrava o depoimento da cabo da PM Marcela Pinno, agredida por golpistas, que teve o capacete amassado após ser atingida por uma barra de ferro.
Às vezes, a simples defesa do óbvio não basta. É preciso ilustrá-lo. Não para convencer quem já se recusa a ver, mas para deixar claro, à história, o que foi o 8 de janeiro de 2023 e como vinha sendo gestado há muito tempo.
Enquanto esteve na presidência, Bolsonaro atacou repetidamente o Supremo, especialmente Moraes. Compartilhou um vídeo no qual, representado por um leão, enfrentava as “hienas” da imprensa e do STF. Sem pudor, citou Mussolini para reagir a decisões judiciais durante a pandemia. No livro O Tribunal: como o Supremo se uniu ante a ameaça autoritária (Companhia das Letras), Felipe Recondo e Luiz Weber escrevem que “o recurso às metáforas do mundo animal era uma constante, como se a violência da vida selvagem expressasse melhor a relação de Bolsonaro com o Supremo”. Até os últimos dias de mandato, tentou mobilizar a opinião pública contra a Corte.
Apesar de as faculdades de direito darem pouca atenção à influência da opinião pública sobre decisões judiciais, a prática mostra o contrário. Dallagnol e Moro sabiam que a Lava Jato resistiria enquanto mantivesse apoio popular. O powerpoint contra Lula, por mais tosco que fosse, cumpria essa função. Assim como Moraes, ao trocar a leitura enfadonha do voto por um “react” ao vivo, em julgamento acompanhado por todo o país — conteúdo feito sob medida para cortes e memes.
Quando o STF julgou o rito do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o ministro Fachin classificou a situação como jurídico-política — com o Judiciário tendo a última palavra. Já Barroso adotou outra leitura: o impeachment seria político-jurídico, um processo em que o Parlamento, sensível à pressão social e legítimo representante popular, deveria estar livre de controle judicial.
No lavajatismo vulgar, a tese de Barroso serviu bem. Ciente da fragilidade jurídica da força-tarefa de Moro, ele sabia que o respaldo estava na política — e ainda está. Mesmo com provas robustas contra Bolsonaro e seus aliados, em contraste com os processos contra Lula e o impeachment de Dilma.
A aceitação da denúncia contra a cúpula golpista é uma vitória incontestável para os defensores da democracia. Mas a simpatia pela anistia, dentro e fora do Congresso, mostra que nem tudo é lamento para o bolsonarismo. Pior: mostra que nem tudo se resolve no Judiciário.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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