Economia
Um pouco de oxigênio?
A queda do valor do dólar e o comportamento da inflação sugerem o começo do fim do sufoco


O torniquete dos juros altos ainda irá apertar um pouco as artérias da economia antes de aliviar, mas a descompressão está à vista, conforme a última ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central. O aumento da taxa Selic em 1 ponto porcentual, para 14,25% ao ano, programado na gestão de Roberto Campos Neto, antecessor de Gabriel Galípolo, chegou ao fim. Na próxima reunião, em 6 e 7 de maio, a diretoria do BC tende a um reajuste menos intenso, desde que o dólar não ultrapasse a cotação de 5,80 reais e outros preços mantenham uma certa trajetória. “Podemos nos surpreender positivamente com a inflação deste ano, em função da safra, do câmbio e da geopolítica”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento com empresários.
Na última reunião, o Copom sublinhou os desafios da economia global, uma moderação incipiente do crescimento que pressionava a inflação, a redução do consumo das famílias e um mercado de trabalho com sinais de moderação face ao recente dinamismo. O documento ressalta que, em relação à Selic, antes de melhorar, a situação vai piorar, mas em ritmo menos intenso. O texto também aponta a possibilidade no horizonte de uma reversão da atual tendência. Em razão do “cenário adverso para a dinâmica da inflação”, o comitê esclareceu que “o ciclo de alta dos juros não está encerrado”. Diante da elevada incerteza, a diretoria do BC optou por indicar apenas a direção do próximo movimento e deixar os subsequentes em aberto.
Um ponto importante a sublinhar: os movimentos do Banco Central no mercado cambial indicam que a autoridade monetária não é mais espectadora nem cúmplice de movimentos especulativos. Uma demonstração dessa nova postura foi a realização do maior leilão da história, de 8,2 bilhões de reais, em NTN-Fs, títulos prefixados de longo prazo com maior procura por parte de investidores estrangeiros. A oferta correspondeu a um grande fluxo de dólares para o mercado local, o que contribuiu para manter a moeda norte-americana em níveis mais baixos em comparação com a cotação do fim do ano passado. A melhora cambial, no mercado à vista e nas projeções do BC, correspondeu à entrega de enormes quantias também no mercado de derivativos. A montanha de apostas de investidores, estrangeiros e locais, contra o real, medida pela alteração das posições em derivados, diminui em 35 bilhões em três meses e “sustenta a queda do dólar no ano”, segundo os jornais. A bolada correspondeu a perdas equivalentes para investidores céticos quanto à evolução da política econômica e gerou discussões intermináveis, em sites especializados, entre os apostadores pessimistas e irredutíveis e os investidores mais sensatos e mais apegados ao dinheiro.
O BC de Galípolo sinaliza uma alta menor da taxa de juros
Trata-se de uma conjuntura complexa, concordam gregos e troianos, com aumento da incerteza externa, segundo sublinhou o Copom, em um alerta reforçado pela interrupção, na quinta-feira 20, de sete sessões seguidas de queda do dólar, após comentários do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, de que a economia dos EUA estava derrapando. A moeda norte-americana operou em alta em todos os mercados emergentes e no Brasil atingiu 5,72 reais. Uma cotação muito próxima dos 5,70 reais definidos por Haddad, em janeiro, como teto para a aquisição do numerário.
Apesar de todas as incertezas, os movimentos do dólar e dos juros parecem sugerir que, num horizonte menos distante, o Copom deve iniciar a preparação de uma aterrissagem menos turbulenta da economia, após uma sucessão de trancos no governo anterior provocada por austeridade em dose dupla, jejum de investimentos e radicalização da política. “A tendência é de a taxa Selic chegar a 15%, o que já estava ‘contratado’, desde o período de Campos Neto”, aponta o economista Saulo Abouchedid, professor da Facamp. “Quando digo contratado é que, de alguma maneira, ocorreu uma definição em linha com as expectativas de inflação, boa parte delas construídas, ou coordenadas, ainda sob a diretoria anterior do Banco Central. Houve ali uma tentativa do BC de se alinhar às expectativas de inflação do mercado e de andar junto dele.”
Ao mesmo tempo, prossegue Abouchedid, vários elementos determinantes do processo inflacionário dificultam a continuidade dos atuais contratos financeiros. O primeiro é a inflação de alimentos. O dado acumulado em 12 meses sinaliza uma redução do indicador. Um movimento que, cabe acrescentar, é incipiente e não uniforme, mostram, entre vários casos, a oscilação do preço da carne de porco, que caiu 3,87% neste ano em São Paulo, e a alta do preço dos ovos, de 17,78% no mesmo período. O País sentirá ainda nos próximos meses os primeiros efeitos das medidas regulatórias e tributárias para o combate à inflação de alimentos anunciada pelo governo. Órgãos técnicos registraram queda nos preços de industrializados importados desde o dia 14, quando entrou em vigor a isenção de impostos para determinados itens.
Alimentos. Nem os ovos de ouro da galinha das fábulas custariam tanto. A safra recorde de grãos tende a aliviar a pressão inflacionária, torce o governo – Imagem: Jaelson Lucas/GOVPR e iStockphoto
O segundo elemento, prossegue o economista, é a melhora da correlação do câmbio, que vai gerar um efeito defasado nos próximos meses. A perspectiva de uma super-safra influenciará indiretamente a oferta e contribuirá para a redução da inflação dos alimentos. Ao contrário da estimativa do Copom, Abouchedid não acredita, entretanto, que a inflação dos serviços irá piorar nos próximos meses. O motivo são os efeitos defasados da contração monetária, que afetam a alienação e vão causar um impacto negativo na demanda agregada. “Acho que não há mais espaço para o argumento a respeito da resiliência do mercado de trabalho como um fator de dificuldade para o desaquecimento da economia. Essa justificativa, que sustentaria uma postura mais conservadora do Banco Central, fica muito enfraquecida.” O BC vai reduzir o ritmo de aumento dos juros na próxima reunião, chegará a 15% e a partir desse ponto iniciará a trajetória descendente, aposta. “Não há argumentos para aumentar além disso.”
O que vai acontecer na próxima reunião do Comitê “está em aberto, o comunicado do Copom aponta a possibilidade de mais uma alta, mas isso vai depender do cenário até lá”, ressalta o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello. A autoridade monetária, prossegue, deve acompanhar questões como nível de atividade, taxa de câmbio, desempenho da inflação atual, expectativas, e, a depender de como esses dados reajam, “pode haver uma alta adicional ou até mesmo uma interrupção do ciclo, caso esses dados se comportem melhor do que o cenário atual projetado pelo Banco Central”.
Há um debate entre economistas do governo sobre o que virá após a Selic atingir os 15%, se um novo aumento ou uma baixa. A questão é complicada, pontua um experiente profissional, participante dessa discussão, que optou por permanecer no anonimato: “Eu escuto de vez em quando no governo, aqui em Brasília, colegas na esperança de que, ah, quando chegar no juro que o mercado hoje precifica, de 15%, podemos baixar. Como se fosse um movimento de ‘fui ali, fiz o gol e posso correr para a defesa’. Não é bem assim. O Banco Central e o Copom têm de examinar o conjunto de variáveis para começar a definir taxas de juros mais baixos”.
O que virá depois de os juros chegarem aos 15% ao ano?
O economista acredita que só haverá uma reversão quando o dólar voltar a um patamar de 5,30 a 5,40 reais, mais perto de 5 do que de 6, e ocorrer um processo de desinflação que leve tanto a taxa acumulada em 12 meses quanto as projeções para perto da banda superior da meta, de 4,5%. Vários integrantes do mercado financeiro insistem na tese difícil de sustentar de que a inflação estaria descontrolada. A ata do Copom prevê uma variação estável de preços, com um IPCA de 5,1% neste ano e de 3,9% no terceiro trimestre de 2026. Os números sinalizam aquilo que o comitê vai perseguir. “Isso significa que o Copom começa a enxergar no horizonte alguma possibilidade de parar o contracionismo da política monetária”, destaca a fonte.
O câmbio é crucial, o primeiro elemento sempre considerado nas análises do governo sobre a inflação. O que o BC fez foi quase um choque contracionista, subiu muito rapidamente a taxa, em 350 pontos-base (um ponto base é igual a 0,01%). Isso foi feito para enfrentar o efeito da desvalorização cambial de 26% no total em 2024, com um impacto considerável na inflação. Toda vez que houve algum processo inflacionário no País no passado recente, como em 2003, 2015, 2021, a causa foi a inflexão do câmbio, indicam as estatísticas. Esse efeito acontece de imediato no Brasil, pois as variações cambiais se refletem nos preços dos combustíveis, dos insumos industriais importados e de qualquer outro produto cotado em dólar. O câmbio afeta a economia como um todo e por esse motivo o BC costuma reagir de maneira severa nestes casos.
A redução da taxa de câmbio e o fato de o Copom situar a relação entre as moedas em 5,80 reais e de estimar a estabilidade da inflação deste ano começa a abrir as portas para uma mudança de rumo da política monetária no futuro próximo. A previsão de vários economistas é que a economia se aproximasse de um platô de juros, mas não há expectativa de que abra de imediato um processo de reversão das taxas no curto prazo. •
Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um pouco de oxigênio? ‘
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