Espelho, espelho meu

Nem a fortuna, avaliada em mais de 1 bilhão de reais, nem os sucessos anteriores reduziram o ímpeto do empresário Marcos Moraes. Obcecado por inovação e novas tecnologias, Moraes ficou famoso e engordou o caixa ao vender em fevereiro de 2000, por 365 milhões de dólares, a Zip.Net, primeira empresa a oferecer e-mail gratuito no Brasil, ao grupo Portugal Telecom. Várias ideias e projetos depois, em setores distintos, o empreendedor está de volta aos holofotes. Uma startup baseada em Inteligência Artificial sob seu comando, a ­Doris, capturou a atenção das big techs, a ponto de ser convidada pela NVIDIA, gigante global de chips e infraestrutura para IA, a apresentar seus produtos no GTC 2025, evento internacional de tecnologia que acontece neste mês na Califórnia.

A principal aposta da Doris é o ­Mirror, espelho virtual que combina peças de vestuário em tempo real e facilita a escolha dos consumidores em casa ou nos provadores da loja. A tecnologia promete mudar a forma como os usuários experimentam roupas. Um modelo de provador com IA generativa está em uso por diversas marcas, entre elas Decathlon, Reserva, Aramis, Vans e Track&Field. A ferramenta permite “provar” as peças no próprio corpo, com sugestões personalizadas de tamanhos e combinações de looks, tanto no e-commerce quanto nas lojas físicas. As simulações ocorrem em poucos segundos e reduzem consideravelmente o tempo de experimentação, em especial no caso dos indecisos. Basta ao comprador tirar duas fotos – uma de frente e outra de lado – e informar a altura e a idade. O algoritmo faz então uma simulação visual com os modelos escolhidos. Segundo a empresa, com a evolução tecnológica do Mirror, em breve será necessário informar apenas a altura.

“É um reconhecimento importante. Receber esse convite direto da NVIDIA mostra que estamos no caminho certo”, celebra Moraes ao comentar a participação no GTC. Um dos pioneiros das tecnologias online no País, o empresário se surpreende com os avanços recentes. “Achei que jamais viveria algo tão transformador quanto o nascimento da internet. Estava errado. A Inteligência Artificial está promovendo rupturas parecidas”.

A longa experiência, associada ao know-how em relação ao comportamento dos consumidores, levou o empresário a buscar uma solução para um velho gargalo no varejo do setor. “A taxa de conversão no e-commerce de roupas raramente passa de 2%. Ou seja, de cada 100 visitantes, apenas dois compram. Isso é reflexo de uma experiência ruim. Roupa e eletrônico não se compram da mesma maneira”, analisa.

O avanço das IAs generativas permitiu tirar do papel a ideia de um provador virtual. O Mirror funciona por meio de um widget que pode ser integrado a sites de venda ou via totens instalados em lojas físicas. Em ambos os casos, a experiência é a mesma: o consumidor visualiza no próprio corpo, com precisão de medidas e tons de pele, o caimento das peças. O sistema permite ainda combinar diferentes itens: camisa e calça, jaqueta e bermuda. O usuário pode testar o tamanho P, depois M ou G, e ver como cada opção se assenta ao corpo. “Somos os primeiros a mostrar o efeito real das peças sobre o corpo da própria pessoa. Isso reduz devoluções e aumenta a confiança na hora de comprar.”

O Mirror, com tecnologia brasileira, combina peças de roupa em tempo real e facilita a escolha dos consumidores

Para tornar a simulação ainda mais realista, a Doris utiliza uma tecnologia de escaneamento corporal baseada em aprendizado de máquina. A partir das imagens e dados fornecidos, o sistema gera uma representação tridimensional com alto nível de detalhe. Mesmo se o usuário estiver vestido com uma calça, a ferramenta simula de maneira precisa como ficaria uma bermuda ou saia. “A IA entende até o caimento das marcas. Ela aprende que uma modelagem de uma empresa é diferente da outra, mesmo com o mesmo tamanho”, detalha Moraes.

Os dados de desempenho impressionam. A conversão das vendas online chega a triplicar quando a ferramenta é usada. O gasto médio do consumidor cresce cerca de 60% e o volume de devoluções diminui em até 66%. Além de reduzir os custos logísticos, a satisfação da clientela evita o constante vaivém de produtos. Resultado: menos transporte, menos emissão de gás carbônico. A fidelização nas vendas digitais, relatam executivos da Doris, triplicou. Segundo Moraes, ao evitar devoluções, os varejistas economizam com transporte, reembalagem e desperdício de produtos. “Muita gente não percebe, mas a logística reversa é uma das maiores dores do e-commerce. Resolver esse problema é transformar toda a operação.

Atualmente, a Doris oferece dois tipos de pacotes aos clientes. O primeiro é baseado em performance: se um comprador usar o provador virtual e não devolver a peça em até 30 dias, a empresa cobra de 5% a 10% sobre o valor de venda. No segundo, a cobrança se dá por uso, com valor por interação. “É justo. Se geramos receita e economizamos com logística, pedimos uma parte.”

O Mirror começa a ganhar terreno entre grandes varejistas internacionais. O grupo Abuissa, do Catar, decidiu implementar uma operação em larga escala com a tecnologia. Na Arábia Saudita, a IA brasileira oferece uma alternativa a mulheres que evitam provadores físicos por questões culturais. Nessas situações, a privacidade do ambiente digital amplia o alcance do varejo e promove a inclusão.

O futuro da empresa está, no entanto, além do universo fashion. Moraes antecipa o desenvolvimento de uma plataforma integrada de estilo de vida. Com o tempo, o espelho poderá registrar emoções como felicidade ou surpresa ao experimentar um look. Será possível ainda cruzar dados com redes sociais, desde que autorizado pelo usuário, para sugerir presentes personalizados ou montar malas de viagem baseadas na agenda do consumidor. “Estamos construindo um ecossistema omnichannel. Queremos unir moda, beleza, saúde e bem-estar em uma mesma jornada”, projeta o empreendedor. O futuro vem a galope e Moraes, não é de hoje, sabe cavalgar as oportunidades. •

Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Espelho, espelho meu’