Cultura
A vida de uma mulher comum
A protagonista de Vera é uma jovem periférica que trabalha em um bairro de classe alta de Porto alegre


Em seu primeiro romance, Os Supridores, de 2020, o gaúcho José Falero, de 38 anos, deu voz a um grupo de rapazes da periferia de Porto Alegre que vivia em um esquema ensandecido de tráfico de drogas. O resultado foi um livro ácido, divertido e crítico da precarização do trabalho e do sonho enganador do empreendedorismo.
Em seu novo romance, Vera, o escritor mantém o olhar voltado às relações entre centro e periferia. Mas, desta vez, dá a uma mulher o protagonismo – a personagem-título – que vive na Lomba do Pinheiro, mesmo bairro que serviu de cenário a Os Supridores, e trabalha num prédio de classe alta, o que demanda, entre outras coisas, uma longa viagem de ônibus.
Por meio dela, Falero investiga a dinâmica das mulheres periféricas numa sociedade marcada pela opressão e pelo feminicídio. Até aí, não haveria nada de novo não fosse a maneira como o livro parte do olhar do homem tentando compreender as aflições e medos dessas mulheres.
Por saber que seria complicado – e falso – assumir a narrativa feminina, o autor optou por enquadrar essa personagem a partir do ponto de vista do opressor. Com isso, acaba por abordar o machismo.
Numa prosa cortante, que transita entre o humor e o drama, e com uma linguagem viva e repleta de nuances, Falero cria personagens bastante distintas entre si. Mas, todo o tempo, ele evita transformá-las em vítimas ou vilãs.
Vera. José Falero. Todavia (298 págs., 69,90 reais) – Compre na Amazon
Ao autor parecem interessar menos as individualidades e mais o caldeirão sociocultural do presente e o passado que nos trouxe até aqui.
Ao mesmo tempo que carrega em si a urgência do presente, Vera acaba por ser uma reflexão a respeito dos caminhos que nos levaram à violência de gênero contra a mulher – e a crimes que seguem sem punição.
Vera é mãe, filha, irmã, amiga, empregada doméstica e dona de casa, e é, acima de tudo, uma mulher periférica consciente de sua posição e em busca de condições melhores para si mesma, seu filho pequeno, sua mãe, suas irmãs e para as amigas que encontra todos os dias nos ônibus.
Com um livro de crônicas, um de contos e dois romances, Falero vai se cristalizando como uma voz marcante da literatura brasileira contemporânea. Vivendo na comunidade Vila do Sapo – que deu nome ao seu primeiro livro –, o autor aborda com sagacidade e ternura as vidas periféricas com as quais sua própria vida se cruzou. •
Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A vida de uma mulher comum’
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