Economia
No ventre do negacionismo climático, uma crise imobiliária semelhante à de 2008
A negação das evidências sobre o clima está alimentando uma crise no setor de seguros residenciais nos Estados Unidos e pode desencadear um colapso financeiro, alerta um think tank
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A construção imprudente, sem observância de normas e cuidados, a inação regulatória e os investimentos dos grandes bancos em combustíveis fósseis estão alimentando um ciclo perigoso que ameaça tanto os proprietários de imóveis quanto a estabilidade financeira global. O alerta vem do Institute for New Economic Thinking (INET), um think tank formado por economistas e especialistas que desafiam a sabedoria convencional e propõem alternativas para um sistema econômico mais justo.
“Todos estão surtando com o aumento vertiginoso dos custos do seguro residencial após os incêndios devastadores na Califórnia. No momento, a indignação popular se volta principalmente contra as seguradoras gananciosas, mas essa é apenas uma parte da história”, aponta Lynn Parramore, analista sênior do INET. Segundo Thomas Ferguson, diretor de pesquisa da instituição, as seguradoras estão plenamente cientes do impacto crescente da crise climática sobre seus custos, mas evitam enfrentar a poderosa influência política da indústria de combustíveis fósseis. “Quando os reguladores negam seus pedidos de aumento de tarifas, as seguradoras simplesmente abandonam os mercados de alto risco. Enquanto isso, incorporadoras e construtoras seguem erguerendo empreendimentos em áreas que o clima, cada vez mais imprevisível, já não comporta”, adverte Ferguson.
Na prática, todos tentam transferir os custos de um planeta em aquecimento para terceiros, enquanto os principais agentes da economia continuam fingindo que a mudança climática não está acontecendo. O resultado é que os proprietários de imóveis pagam prêmios mais altos por apólices cada vez mais restritivas, seja por meio de seguradoras privadas, seja por programas públicos subfinanciados, concebidos como último recurso.
As consequências desse cenário vão além do custo e da limitação da cobertura. A dificuldade em obter um seguro adequado pode comprometer o acesso a financiamentos imobiliários e hipotecas, afetando o mercado como um todo. “Enquanto o Federal Reserve e outros órgãos reguladores evitam lidar com as mudanças climáticas, práticas de construção de alto risco seguem sendo adotadas no nível local, ampliando a vulnerabilidade dos proprietários. Ao mesmo tempo, os grandes bancos continuam despejando recursos na indústria de combustíveis fósseis, agravando a ameaça sistêmica à estabilidade financeira. A soma desses fatores cria um ciclo perigoso que expõe tanto os donos de imóveis quanto a economia a riscos crescentes. As atuais discussões sobre seguro residencial pouco farão para conter essa crise”, afirma Ferguson.
A cobertura da mídia, ressalta Parramore, ignora a real dimensão do problema, enquanto o seguro residencial se torna cada vez mais caro e inacessível em várias regiões dos EUA, pressionado pelo aumento dos incêndios florestais e outros desastres naturais.
O Wall Street Journal detalhou recentemente como a seguradora State Farm Mutual subvalorizou deliberadamente os seguros na Califórnia para ganhar participação de mercado, mesmo ciente do crescimento das perdas associadas a eventos climáticos extremos. Após anos de altos lucros, a nova gestão da empresa começou, já no ano anterior aos grandes incêndios, a cancelar apólices em diversas áreas de alto risco, deixando milhares de segurados desamparados.
Nada disso impediu os EUA de, mais uma vez, se retirarem do Acordo de Paris ou de permitir que a Agência de Proteção Ambiental e outras instituições federais revisassem seus sites para simplesmente apagar menções às mudanças climáticas—como se ignorar o problema fosse suficiente para contê-lo.
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