Política

‘Não é vingança, é justiça’, diz viúva de Marcelo Arruda sobre a condenação de assassino

Em entrevista, Pâmela Suellen Silva comenta o julgamento do ex-policial penal Jorge Guaranho e a dura rotina de criar dois filhos sem o marido, assassinado durante sua festa de aniversário

‘Não é vingança, é justiça’, diz viúva de Marcelo Arruda sobre a condenação de assassino
‘Não é vingança, é justiça’, diz viúva de Marcelo Arruda sobre a condenação de assassino
Pâmela Suellen Silva e Marcelo Arruda, morto por ex-policial penal Jorge Guaranho. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Pâmela Suellen Silva, viúva de Marcelo Arruda, foi a primeira testemunha a depor no Tribunal do Júri de Curitiba, no julgamento do ex-policial penal Jorge Guaranho, condenado a 20 anos de prisão em regime fechado. Durante horas, ela narrou os detalhes da fatídica noite de 9 de julho de 2022, quando o então tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu foi assassinado durante a comemoração do próprio aniversário. A motivação do crime foi a temática da festa, decorada com imagens de Lula, então candidato à Presidência.

Após o júri, Pâmela parecia aliviada: “O sentimento não é de felicidade nem de vingança, mas de justiça por ter conseguido provar que Guaranho é o único culpado pela morte do Marcelo. De lá para cá, sua rotina se tornou uma batalha diária para sustentar sozinha os dois filhos do casal. O trauma e a necessidade de proteção também a levaram a abandonar a militância política. “Meus filhos agora têm apenas a mim; se algo me acontecer, ficarão órfãos.”

A seguir, trechos da entrevista concedida a CartaCapital.

CartaCapital: Qual seu sentimento após a condenação de Jorge Guaranho a 20 anos de prisão?
Pâmela Suellen Silva: O sentimento é de justiça por ter conseguido provar que ele foi o único culpado pela morte do Marcelo. A sentença confirma isso. Não é felicidade ou vingança, mas justiça e dever cumprido. Agora, ele carrega uma condenação de 20 anos. Como qualquer cidadão brasileiro, precisa aprender a seguir as regras de conduta. Ele não aceitou a ideologia do Marcelo, não aceitou que ele comemorasse seu aniversário com família e amigos. Durante o júri, não demonstrou arrependimento. Tentou justificar o crime como se fosse vítima. Em certo momento pediu “desculpas”, mas não teve coragem de olhar para a família e pedir perdão.

CC: Em algum momento chegou a temer que ele fosse absolvido?
PSS: Em nenhum momento. Sempre acreditei na Justiça. Os fatos eram claros, as provas estavam à mostra. A defesa tentou confundir e inverter a verdade, mas não conseguiu. Protelaram o julgamento enquanto puderam, trocando equipes de advogados, cada qual com uma “solução mágica” para libertá-lo. Mas a verdade era só uma, nunca existiram duas versões.

CC: A defesa promete recorrer da sentença. O que você espera do Tribunal de Justiça do Paraná?
PSS: Espero apenas sensatez. A defesa quer a prisão domiciliar, alegando que Guaranho teria ficado debilitado e que o complexo penal do Paraná não atenderia suas necessidades. Mas será preciso comprovar essa necessidade.

CC: Marcelo fez parte da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu por mais de vinte anos. Ele chegou a sofrer algum constrangimento na corporação por ser petista?
PSS: Não. Pelo contrário, todos sabiam de suas convicções políticas e partidárias, mas nunca houve qualquer tipo de violência ou agressão em relação a isso. O que existia eram discordâncias, o que é normal. Sempre houve respeito.

CC: Em 2018, quando Bolsonaro venceu, Marcelo chegou a sofrer alguma ameaça? Ele demonstrou algum temor?
PSS: Não. Havia discussões no campo ideológico, mas nada que sugerisse qualquer ameaça.

CC: Você é filiada ao Partido dos Trabalhadores?
PSS: Sempre me situei politicamente à esquerda. Mesmo casada com ele, fui filiada durante anos ao Partido Verde e ele me provocava muito por isso. Depois do assassinato, em memória dele, filiei-me ao PT.

CC: Pretende continuar militando no partido?
PSS: Não vou continuar militando ativamente na política. Preciso cuidar dos meus dois filhos, que dependem exclusivamente de mim. Minhas posições ideológicas permanecem, mas sem carregar bandeiras partidárias.

CC: Essa decisão é apenas por questões de rotina familiar, ou você teme que algo possa acontecer?
PSS: Eu já sofri a violência extrema. No Brasil vivemos um período de muito ódio, e as divergências tornam pessoas inimigas. Meus filhos agora têm apenas a mim; se algo acontecer comigo, ficarão órfãos.

CC: Em seu depoimento, você mencionou seu filho, que tinha 40 dias de vida quando Marcelo foi assassinado. Como você lida e pretende lidar com possíveis consequências emocionais no futuro?
PSS: Nós temos dois filhos: uma menina de nove anos e ele, com dois anos e oito meses. Já percebo alguns sinais, principalmente nele, que me levam a pensar que precisarei procurar ajuda profissional mais adiante.

CC: O que, por exemplo?
PSS: Ele tem pânico de barulhos, especialmente aqueles que lembram estouros de fogos. É algo que precisarei acompanhar de perto e investigar para, no futuro, buscar ajuda profissional. Tenho consciência de que podem existir sequelas emocionais.

CC: Na sentença, a juíza Mychele Stadler considerou que houve “intolerância política”. Qual a importância de esse ponto ser reconhecido para que crimes como esse não se repitam?
PSS: No arcabouço jurídico não existe “crime político” de forma clara, mas o homicídio foi motivado por questões políticas. O que levou Guaranho ao local da festa foi a decoração do PT, partido ao qual o Marcelo pertencia. No Paraná, criaram o Dia Estadual de Luta Contra a Intolerância Política e de Promoção da Tolerância Democrática, comemorado em 9 de julho, data de aniversário e morte do Marcelo — uma homenagem merecida.

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