Frente Ampla
Os falsos patriotas continuarão a bater continência para Trump?
É lamentável que agentes políticos nacionais se mantenham subservientes a um candidato a déspota, que se arvora à condição de dono do mundo


Donald Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos sob olhares bajuladores e suplicantes de atenção dos parlamentares bolsonaristas. Alguns até forçaram a amizade e compareceram em roupa de gala ao convescote de posse. Tudo bem que foram barrados no baile, mas, afinal, dar uma de penetra em inglês para eles é chique.
Se fosse apenas isso, nada a declarar, porque vergonha cada um passa o quanto quer e onde pode. O problema é que o espetáculo termina e a vida real começa. E o início de governo Trump é uma tragédia mundial, com repercussões que prometem ser bastante danosas ao continente e ao nosso país.
Já no mesmo dia de sua posse, o presidente americano afirmou, referindo-se ao Brasil e a países da América Latina em geral: “Eles precisam de nós mais do que precisamos deles. Nós não precisamos deles, eles precisam da gente. Todo mundo precisa da gente”, segundo entrevista publicada pela CNN.
Óbvio que a declaração, eivada de chorume xenófobo e nacionalismo reacionário, não para em pé. O Brasil tem relação diplomática bicentenária com os Estados Unidos, é o maior país latino-americano, está entre as 10 principais economias do mundo, possui um mercado consumidor de mais de 200 milhões de pessoas, grandes volumes de compras públicas das quais participam empresas estadunidenses. Não é um ator irrelevante no cenário global.
Só em 2024, o fluxo comercial entre os dois países superou os 80 bilhões de dólares, de forma relativamente equilibrada, sendo que importamos deles 40,58 bilhões e exportamos 40,33 bilhões, um déficit de 253 milhões de dólares. Mas, no acumulado, desde 1997, os EUA detêm um saldo na balança comercial com o Brasil de 48,21 bilhões de dólares, segundo coleta de dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior compilados pelo G1. Esse número é bem maior de acordo com a Câmara Americana de Comércio, chegando a 100 bilhões de dólares em uma década. Por qualquer das fontes, não é nada desprezível.
Ainda assim, logo em seguida vieram os casos humilhantes das deportações, em que brasileiros foram submetidos a maus-tratos e situações vexatórias durante o retorno, além de serem despejados dos aviões com punhos e tornozelos algemados, como se fossem delinquentes perigosos, em flagrante desrespeito aos direitos humanos.
Agora, nesta segunda-feira 10, Trump assinou ato para aplicar tarifas de 25% sobre todo o aço e o alumínio importados pelos Estados Unidos, medida protecionista que, se realmente for adiante, impactará terrivelmente a indústria brasileira, segunda maior fornecedora de aço para aquele país.
No ano passado, as siderúrgicas nacionais forneceram 4,08 milhões de toneladas de aço aos EUA, cerca de 15% do volume da importação estadunidense deste produto, um montante de cerca de 3 bilhões de dólares em compras.
Do ponto de vista econômico, é um baque importante, que possivelmente terá repercussões na diminuição das exportações, pois o aço e o alumínio brasileiros ficarão mais caros e perderão competitividade naquele país, o que também impactará a balança comercial. Internamente, uma retração na produção do setor implicará diretamente em diminuição de investimentos e ameaça aos empregos.
Por outro lado, o Brasil terá de combinar dois movimentos em reação. O primeiro é manter canais empresariais e diplomáticos abertos para pressionar e negociar, buscando adiar ou impedir a taxação. O segundo, não obtendo êxito no anterior, será responder com a reciprocidade, que sempre foi um dos princípios seguidos pelo Itamaraty no direito e nas relações internacionais.
O fato é que esse é o primeiro torpedo do governo Donald Trump a atingir diretamente os interesses econômicos brasileiros, no que parece ser o início de uma guerra comercial global dos EUA, mirando estrategicamente o enfrentamento à China.
Dizem, acertadamente, que em política internacional não existem amigos, existem interesses. Diante de uma situação real de prejuízos ao Brasil e ao povo brasileiro, é triste e lamentável que agentes políticos nacionais se mantenham subservientes a um candidato a déspota, que se arvora à condição de dono do mundo.
Fica a pergunta: os falsos patriotas continuarão a bater continência para Trump?
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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