Do Micro Ao Macro

Entenda como taxações de Trump — e uma recíproca de Lula — poderiam afetar a economia brasileira

Medidas dos EUA podem gerar inflação e afetar exportações, mas também abrir oportunidades para a indústria nacional. No entanto, riscos de guerra comercial preocupam especialistas

Entenda como taxações de Trump — e uma recíproca de Lula — poderiam afetar a economia brasileira
Entenda como taxações de Trump — e uma recíproca de Lula — poderiam afetar a economia brasileira
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que adotará uma política de reciprocidade caso o presidente norte-americano, Donald Trump, decida aumentar a taxação de produtos importados do Brasil
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Uma declaração que pode redefinir os rumos das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos marcou a semana passada: o presidente Lula afirmou que adotará uma política de reciprocidade caso o presidente norte-americano, Donald Trump, decida aumentar a taxação de produtos importados do Brasil.

“Se ele taxar os produtos brasileiros, vou taxar os produtos que são exportados pelos Estados Unidos. Simples, não tem nenhuma dificuldade”, disse Lula.

A afirmação ocorre em um momento de tensão no comércio global, após Trump anunciar tarifas de até 25% sobre produtos de Canadá, México e Colômbia, embora tenham sido suspensas. Nesta terça-feira 4, a China anunciou uma retaliação à tarifação de 10% imposta pelos EUA e adotou a cobrança de 15% sobre carvão, gás natural liquefeito, petróleo bruto, máquinas agrícolas e alguns veículos estadunidenses.

Essas iniciativas, parte da promessa de campanha do republicano de proteger empregos locais, podem desencadear uma série de consequências para o Brasil. De impactos inflacionários a oportunidades para a indústria nacional, os especialistas estão de olho nos desdobramentos dessa possível guerra comercial.

Inflação e dólar

Uma das principais preocupações é o efeito inflacionário. Bruno Ferreira, head de Aduaneiro Contencioso do escritório Finocchio & Ustra (FIUS), afirmou que o aumento de tarifas sobre produtos brasileiros poderia elevar os custos de produção e, consequentemente, os preços ao consumidor.

Os principais produtos exportados do Brasil para os EUA são petróleo, produtos semimanufaturados de ferro e aço, aeronaves e café. E, segundo Ferreira, caso haja uma imposição de novas taxas, é provável que elas foquem exatamente em itens de alto valor e com grande volume de exportação.

Ou seja, os setores que mais sentiriam os efeitos de uma taxação americana são justamente aqueles que têm os EUA como principal destino de exportação. “A Embraer é um caso emblemático. Qualquer taxação sobre suas exportações teria um impacto direto na balança comercial brasileira”, destacou Jackson Campos, diretor de Relações Institucionais da AGL Cargo.

Outro setor vulnerável é o de produtos semimanufaturados de ferro e aço, que já enfrenta desafios globais devido ao excesso de oferta e à concorrência desleal. “Se os EUA taxarem esses produtos, o Brasil terá que buscar alternativas rapidamente, seja diversificando mercados ou investindo em tecnologia para agregar valor à produção”, explicou Ferreira.

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No entanto, Ferreira apontou que o Brasil pode buscar novos mercados, diversificando suas exportações e estabelecendo parcerias comerciais com outros países. “A substituição de importações também é uma estratégia possível, mas exigiria mais investimentos em infraestrutura e tecnologia.”

E a recíproca?

No caso de uma resposta brasileira na mesma moeda, o governo teria de adotar uma estratégia para buscar uma retaliação proporcional e que não afetasse excessivamente a economia brasileira. Jackson Campos apontou que o mais difícil seria tributar produtos que não existem em outros países, como máquinas e materiais de infraestrutura.

Os produtos que o Brasil mais importa dos EUA incluem petróleo, gás natural, eletrônicos, máquinas e equipamentos.

“O Brasil teria capacidade de aplicar tarifas retaliatórias a esses produtos, especialmente no setor de petróleo e gás, mas sua margem de manobra é limitada pelas regras do comércio internacional, como as estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), principalmente vinculadas aos seus princípios básicos, como não discriminação, proibição de restrições quantitativas, previsibilidade, concorrência leal e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento”, afirmou Bruno Ferreira.

“A guerra comercial pode gerar inflação, especialmente se houver uma alta do dólar. Isso reduziria o poder de compra do brasileiro.”

Outro ponto de atenção é a possibilidade de judicialização. Ferreira explicou que, se as tarifas impostas violarem acordos internacionais, como os da OMC, os países prejudicados poderão recorrer a disputas comerciais. “No entanto, os processos na OMC são lentos e as sanções demoram a surtir efeito.”

Para as empresas brasileiras, o cenário é de incerteza. Aquelas que dependem de importações de produtos americanos, como máquinas e equipamentos, podem enfrentar custos mais altos. “O importador repassa os custos ao consumidor. Se não houver como substituir a origem do produto, o consumidor acabará pagando mais”, apontou Campos.

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Oportunidades

Se os riscos são evidentes, especialistas também veem oportunidades. O economista André Perfeito destacou que a guerra comercial de Trump contra outros países pode beneficiar o Brasil. “Quando os EUA taxaram produtos chineses, Pequim retaliou com tarifas sobre produtos agropecuários americanos. Nosso agronegócio agradece”, diz. Ele acredita que o Brasil pode aumentar suas exportações para países como Canadá, México e China, aproveitando as tensões comerciais.

Campos concorda e menciona setores como automotivo, máquinas, alimentos e químicos como áreas com potencial de expansão. “As empresas brasileiras têm uma grande oportunidade de aumentar suas exportações, especialmente para mercados que estão buscando alternativas aos produtos americanos”, afirmou. Um exemplo é o setor de máquinas agrícolas, no qual empresas nacionais já têm presença no Canadá e poderiam ampliar suas vendas.

Relações bilaterais em xeque

Além das questões comerciais, Lula criticou as decisões de Trump de deixar o Acordo de Paris e retirar o financiamento dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Isso é uma regressão para a civilização humana”, afirmou o presidente. Apesar das críticas, o petista disse buscar uma relação de respeito mútuo. “Eu quero respeitar os Estados Unidos e quero que o Trump respeite o Brasil. É só isso.”

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