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Marco Rubio e seus amigos

Republicanos nascidos ou moradores da Flórida espalham seus tentáculos na nova administração Trump

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O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio – Imagem: Allison Robbert/AFP, Susan Goldman/Milken Institute e Melina Mara/AFP
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Vários cidadãos ligados à Flórida, de origem latina ou não, foram nomeados para o governo Trump. Um deles é Susie Wiles, que, embora não tenha nascido no estado, teve uma carreira política por lá, para onde se mudou e comandou diversas campanhas eleitorais. Ela liderou a campanha de Trump na Flórida em 2016 e a nacional em 2024. É uma operadora política notável, conhecida por sua habilidade como lobista empresarial, com cerca de 42 clientes entre 2017 e 2024. Wiles foi nomeada chefe de Gabinete do novo governo.

Taylor Budowich, assessor de Trump com ligações com a MAGA Inc., comitê de ação política que canalizou 400 milhões de dólares em doações para republicanos, foi nomeado vice-chefe de Gabinete para Comunicação e Pessoal. James Blair, também da Flórida, foi escolhido como vice-chefe de Gabinete para Assuntos Legislativos, Políticos e Públicos. Marco Rubio, senador republicano desde 2011, é o secretário de Estado. Ao longo de sua carreira política, Rubio passou de um republicano convencional a um trumpista fiel. Seu histórico legislativo e suas declarações refletem sua condição de “falcão” em relação a Cuba, Nicarágua e Venezuela, bem como sua antipatia por Lula e Gustavo Petro. Em particular, no caso cubano, sua obsessão, ele se opôs à normalização das relações durante a presidência de Barack Obama e defendeu uma estratégia de pressão máxima.

Da mesma forma, Rubio ressaltou as possibilidades de cooperação com países como Equador, Guiana e Paraguai, entre outros. Crítico severo da China, que considera uma séria ameaça aos Estados Unidos, e favorável a sanções em todo o mundo, manifestou seu apoio à proposta de Trump sobre a deportação em massa de imigrantes, considera o Irã um “regime terrorista” e tem tido um perfil de voto antiambientalista. Em fevereiro de 2024, visitou a Argentina e elogiou o presidente Javier Milei por seu “plano audacioso para salvar” o país.

O novo secretário de Estado mira, sobretudo, Cuba, Nicarágua e Venezuela

Mauricio Claver-Carone será o enviado especial do Departamento de Estado para a América Latina. Ele ocupou diversos cargos de impacto no subcontinente na primeira administração Trump: assessor de Assuntos Internacionais do Departamento do Tesouro, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional e diretor de Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional. Em 2020, foi eleito presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, com 30 votos (66,8%) a favor e 16 abstenções (Argentina, Chile, México, Peru e Trinidad e Tobago, mais 11 extra-regionais). A votação mais próxima com um único candidato tinha sido a de Luis Alberto Moreno, que recebeu 96,2% do apoio. A eleição de Claver-Carone não só teve como objetivo travar a expansão comercial e financeira da China na América Latina, mas “limitar o poder (institucional) da Argentina e do Brasil” no BID. Em 2022, Claver-Carone foi demitido por ter mantido um relacionamento amoroso com uma subordinada, a quem beneficiou materialmente. Mais recentemente e de forma equivocada, pois nenhuma exportação partirá daquele local para os Estados Unidos, propôs uma tarifa de 60% sobre os produtos que entram no país originários do Porto de Chancay, no Peru, financiado pela China.

É fato curioso que o secretário terá vários enviados no Departamento de Estado – seis até agora – por país, região e tema, entre os quais Claver- Carone. Teremos que observar como Rubio irá administrar e coordenar a diplomacia norte-americana. No caso particular da América Latina, soma-se Richard Grenell, natural de Michigan, ex-diretor da Inteligência Nacional em 2020 e que aspirava ao cargo de senador da Flórida. Grenell será o responsável por missões especiais que incluem, entre outras, a Venezuela.

Pat Bondi, ex-procuradora-geral da Flórida, que fez parte da equipe jurídica de Trump em seu primeiro julgamento de impeachment e chefiou o Centro de Litígios do capítulo do American First ­Policy Institute na Flórida, foi escolhida para comandar o Departamento de Justiça. Trumpista devota, ela declarou nas eleições de 2020: “Vencemos na Pensilvânia e queremos que haja uma recontagem imparcial dos votos”. Como integrante da AFPI, apresentou diversas ações cujo objetivo era dificultar o acesso às urnas ou privar certos grupos de eleitores do direito ao voto. É oportuno indicar que a Drug Enforcement Administration, a agência antidrogas, é um órgão do Departamento de Justiça. Na questão do tráfico e do crime organizado, que afeta as Américas como um todo, o papel da DEA é crucial.

Obsessões. Cuba voltou a ser classificada como patrocinadora do terrorismo. A Casa Branca promete não comprar petróleo de Maduro – Imagem: Federico Parra/AFP e iStockphoto

No caso particular dos Estados Unidos, o número total de mortes devido ao abuso de fentanil em 2023 foi de 74.702. É bom lembrar que o número de mortos em três guerras, Vietnã (58.220 militares), Iraque (8.264 militares, civis e contratados) e Afeganistão (6.247 militares, civis e contratados), foi de 72.731. Na frente da política estatal contra o fentanil, Bondi tem sido uma lutadora inveterada, apesar de os dados de mortes por overdose no fim de sua administração em 2019 mostrarem que a Flórida havia piorado, passando do 15º para o 20º lugar nacionalmente, devido ao aumento da taxa de mortalidade. Por outro lado, assistimos a um boom global da cocaína, enquanto a expansão da violência ligada ao tráfico na América Latina teve e continua a ter consequências devastadoras.

Ainda na área da Justiça: Todd ­Blanche, advogado de Trump no processo criminal em Nova York, adquiriu um imóvel em Palm Beach e foi nomeado procurador-geral adjunto de Bondi. Por sua vez, Chad Mizelle, natural da Flórida que serviu no Departamento de Segurança Interna no primeiro mandato do republicano, ocupará a chefia de gabinete do Departamento de Justiça. ­Michael Waltz, deputado republicano do estado desde 2019, foi nomeado Conselheiro de Segurança Nacional. Coronel reformado da Guarda Nacional, serviu no Pentágono durante a administração de George W. Bush, sob Donald Rumsfeld e Robert Gates como secretários de Defesa. Integrou o Grupo de Trabalho para a China na Câmara dos Deputados, é fervorosamente anti-Pequim e promoveu leis para refrear as relações bilaterais e sancionar os chineses. Em 2023, com o deputado republicano do Texas Dan Crenshaw, propôs, dado o aumento do fentanil no México, uma lei que “nos colocará em pé de guerra contra os cartéis ao autorizar o uso da força militar contra eles”. No mesmo ano, copatrocinou uma resolução que pedia a proibição da retirada de Cuba da lista de estados que patrocinam o terrorismo. Em setembro de 2024, copatrocinou um projeto de lei conhecido como “Lei Stop Maduro”, que solicita o aumento para 100 milhões de dólares da recompensa por informações que levem à detenção e condenação do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Seu chefe de gabinete como congressista, ­Micah Thomas Ketchel, também da Flórida, será assistente especial do presidente Trump.

Paul Atkins, lobista e empresário, foi nomeado diretor da Comissão de Valores Mobiliários (SEC). O empresário ­John Phelan será o secretário da Marinha, apesar de não ter experiência em assuntos militares. Jeanette Nesheiwat, comentarista de saúde da Fox News, foi nomeada chefe do Serviço Federal de Saúde. Kash Patel, que trabalhou como defensor público na Flórida e é um trumpista bombástico, foi escolhido diretor do Departamento Federal de Investigações, e Katie Miller, que participou da primeira administração Trump e é casada com Steven Miller, por sua vez nomea­do vice-chefe de gabinete para Assuntos Políticos, foi distinguida como uma das primeiras conselheiras do conselho de administração do Departamento de Eficiência Governamental, chefiado por Elon Musk e Vivek Ramaswamy.

Outro ponto são as nomeações de embaixadores para a América Latina feitas até agora por Donald Trump. Nesse sentido, é notória a centralidade da ­Flórida. Ron Johnson será o embaixador no México. É um coronel reformado, ex-boina-verde, que participou de diversas Forças Especiais, passou boa parte da sua carreira no Comando Sul e esteve ligado à Agência Central de Inteligência (CIA) em operações paramilitares até até 2019, quando Trump, em seu primeiro mandato, o nomeou embaixador em El Salvador.

Vários republicanos da Flórida serão indicados para embaixadas na América Latina

No caso da Colômbia, o escolhido é Daniel Newlin, ex-detetive, advogado e empresário que contribuiu para a arrecadação de fundos da campanha e gastou milhões em publicidade para Trump (e também para sua promoção pessoal) em 2024. Durante anos esteve vinculado ao gabinete do chefe de polícia do Condado de Orange, em Orlando, e atualmente dirige um escritório de advocacia. Para o Panamá, Trump indicou Kevin ­Marino Cabrera, de origem cubano-americana, sem experiência em assuntos internacionais, dias depois de afirmar que em seu segundo governo recuperaria o controle do Canal do Panamá. Em relação à Organização dos Estados Americanos, Trump defende o nome do empresário Leandro Rizzuto Jr., herdeiro da empresa de produtos de beleza e cuidados pessoais Conair, que em agosto de 2024 comprou imóveis no sul da Flórida no valor de 35,5 milhões de dólares. Em 2018, Trump o havia indicado para a embaixada em Barbados, mas seu nome acabou vetado, por conta de ataques à mulher do senador Ted Cruz e insultos a Hillary Clinton e Mitt Romney.

Outros republicanos da Flórida foram indicados para diferentes embaixadas: John Arrigo para Portugal, Mike Huckabee, que trocou o Arkansas pelo estado mais ao sul, para Israel, ­Kimberly Guilfoyle para a Grécia, Benjamín León Jr. para a Espanha e Callista Gingrich para a Suíça.

A nomeação de todos os citados neste artigo mostra heterogeneidade. Alguns vêm da política, outros do mundo empresarial. Alguns se comprometeram com doações e outros contribuíram com ideias. Alguns têm experiência de gestão no Executivo, outros não. Existem apenas seis mulheres no grupo, que reflete um caleidoscópio composto por republicanos tradicionais (opostos à mudança social e política acelerada), neoconservadores (marcadamente intervencionistas na política externa), paleoconservadores (opositores do multiculturalismo e a favor das restrições à imigração) e ultradireitistas (neopatriotas altamente ideologizados). Na Flórida e no campo político também existem facções, como pôde ser visto nas primárias do Partido Republicano entre o governador Ron DeSantis e Trump, embora pareça que a rivalidade entre os dois tenha diminuído. Na verdade, se a candidatura de Hegseth à Defesa se tornar complicada, Trump parece ter considerado DeSantis para o cargo. O fundamental é que todos, igualmente, foram na campanha e são firmemente parte do universo trumpista. E o são porque compartilham crenças, valores e propósitos e, a partir de agora, deverão total fidelidade ao novo presidente, o segundo caso na história dos EUA, depois de Glover Cleveland, no século XIX, de um presidente a cumprir dois mandatos não consecutivos. •


*Professor da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires. Esta é a segunda de três partes do artigo.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1346 de CartaCapital, em 29 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Marco Rubio e seus amigos’

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