Economia
Lula será pragmático, mas deve bater de frente com Trump em alguns temas, diz ex-chanceler
Aloysio Nunes relembra a boa relação entre Lula e George W. Bush. A diferença entre os republicanos, contudo, é notável
Donald Trump está de volta à Casa Branca para um segundo mandato, o que impõe ao mundo uma gama de novos desafios. Em relação ao Brasil, contudo, o pragmatismo deve seguir ditando o tom. É no que aposta o ex-chanceler Aloysio Nunes, ouvido nesta segunda 20 por CartaCapital. Lula (PT), pragmático como é, buscará pontos de contato com o líder norte-americano. Porém, em temas como mudanças climáticas, o diálogo promete ser truncado, marcando um contraste com a parceria aberta que Lula havia estabelecido com Joe Biden neste tema.
“O presidente Lula é um pragmático, já teve boas relações com o presidente Bush. O Brasil vai buscar pontos de convergência possíveis a partir da compatibilidade de interesses entre os dois países”, disse.
Nunes reforça que a diplomacia brasileira tem um caráter universalista e não impõe restrições ideológicas em suas relações internacionais — mantém vínculos formais com Estados Unidos, União Europeia, China e Coreia do Norte, por exemplo. Não há, no entanto, como negar o impacto de Trump 2.0 sobre uma agenda na qual Lula e Joe Biden conversavam na mesma língua: a pauta ambiental.
“Ele [Trump] tem uma posição radicalmente diferente da posição brasileira”, sintetiza Nunes. “É um tema em que tínhamos um contato muito livre e positivo com o presidente Biden. Esse clima não vai se reproduzir no governo Trump, mas temos de encontrar outras formas de compatibilidade de interesses.”
As incertezas vão além do clima. Desde novembro, ao derrotar Kamala Harris, Trump insiste em ameaçar com tarifas países que, segundo ele, prejudicam os interesses americanos. Em dezembro, mencionou o Brasil.
Para Aloysio, Trump não usa as tarifas como regulação comercial, mas como arma de guerra econômica, impondo os interesses de Washington pela força. China, Dinamarca e México são alvos frequentes de sua retórica.
“No primeiro mandato, ele já elevou tarifas sobre nossos produtos siderúrgicos, alegando proteger o mercado americano. Agora, parece disposto a ressuscitar essa ameaça”, alerta Nunes. Se Trump seguirá adiante ou usará isso como blefe, só o tempo dirá. Os 200 anos de relações Brasil-EUA, celebrados em maio de 2024, aguardam seu próximo capítulo.
O ex-chanceler prevê um Trump ainda mais radical, liderando um governo que rejeita o pós-guerra e o fortalecimento de instituições multilaterais focadas no comércio, nos direitos humanos e no clima.
“Ele não acredita na igualdade entre os Estados, princípio dessas organizações. Para Trump, os Estados Unidos são mais poderosos e devem impor sua vontade com base em sua força econômica e militar.”
Na esfera militar, Trump flerta com polêmicas: ameaça retomar o controle do Canal do Panamá — construído pelos EUA, entregue ao Panamá em 1999 — caso não haja redução nos pedágios para navios americanos. Também aventou publicamente a anexação do Canadá e da Groenlândia.
E a extrema-direita brasileira? Tiraria proveito do novo mandato de Trump? Jair Bolsonaro (PL) nutre uma esperança difusa de que o presidente americano o ajude a reverter sua inelegibilidade. “Bobagem”, resume Aloysio. “[Bolsonaro] é um bobalhão.”
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Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
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