Psicodelicamente

Revista digital independente de jornalismo psicodélico, criada pelo jornalista Carlos Minuano

Psicodelicamente

As perspectivas e tendências para o campo psicodélico em 2025

Pesquisadores e especialistas ouvidos pela ‘Psicodelicamente’ apostam em um ano de avanços científicos, debates e disputas políticas no Brasil e no mundo

As perspectivas e tendências para o campo psicodélico em 2025
As perspectivas e tendências para o campo psicodélico em 2025
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O ano de 2025 começa com grandes expectativas e desafios para o campo psicodélico, no Brasil e no cenário global. Enquanto os debates sobre regulamentação, usos terapêuticos e preservação de saberes tradicionais ganham força, o setor reflete sobre as duras lições de 2024, como o revés na pesquisa com MDMA, e volta seu olhar para novas oportunidades envolvendo substâncias como psilocibina e
cetamina.

A Psicodelicamente acredita que um dos grandes marcos de 2025 será a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, marcada para novembro em Belém, no Pará. Além de abordar as questões climáticas, o evento tem o potencial de abrir espaço para debates sobre a importância dos conhecimentos tradicionais ligados às plantas psicodélicas, como a ayahuasca e o rapé, usados há séculos pelos povos indígenas da Amazônia.

O papel dessas populações como guardiãs de saberes ancestrais, essenciais para a preservação das florestas e, consequentemente, para o futuro do planeta, ganha cada vez mais reconhecimento. A COP 30 representa uma oportunidade valiosa para aprofundar o debate sobre a proteção e valorização desses conhecimentos em nível mundial.

A Psicodelicamente consultou especialistas para entender os marcos de 2024 e as perspectivas para 2025. Um consenso entre eles foi o impacto do veto do FDA (Food and Drug Administration) ao MDMA, considerado uma das principais lições do ano passado.

Embora a aprovação da substância como tratamento para Tept (transtorno de estresse pós-traumático) nos Estados Unidos parecesse iminente no início de 2024, a decisão da agência norte-americana, equivalente à Anvisa, de rejeitar o pedido e exigir novos estudos surpreendeu o setor. A medida gerou críticas, levantou preocupações sobre possíveis quedas nos investimentos científicos e comerciais e, no Brasil, intensificou os debates sobre os desafios de integrar essas terapias aos sistemas de saúde pública.

Por aqui, o cenário é marcado por questionamentos sobre os modelos de regulamentação e pela necessidade de formação qualificada para profissionais que atuarão no campo psicodélico. Paralelamente, a busca por alternativas já regulamentadas e mais acessíveis, como a cetamina e o uso ritual de substâncias como ayahuasca e cogumelos mágicos vem ganhando força. No plano internacional, o foco se concentra em avanços relacionados à psilocibina e na expansão dos usos terapêuticos e ritualísticos dessas substâncias em diferentes contextos.

Especialistas destacam a necessidade de integrar inovação científica com sustentabilidade, garantindo o respeito às populações tradicionais e aos ecossistemas. Além disso, enfatizam a importância de aprofundar o debate sobre políticas e regulamentações no campo psicodélico, considerando seus impactos sociais e culturais. A seguir, confira um resumo do que cada um espera para 2025.

‘A toca do coelho dos psicodélicos é mais complexa do que supomos’ 

Sandro Rodrigues, psicólogo e cofundador da APB (Associação Psicodélica do Brasil)

“Há diversas tendências simultâneas no campo dos psicodélicos, especialmente após a rejeição do FDA à regulamentação da psicoterapia com MDMA. Vejo uma ampliação do debate epistemológico, com áreas como ciências sociais e filosofia se interessando pelo tema, e maior envolvimento de categorias profissionais, como psicologia e musicoterapia, no estudo da integração psicodélica. Além disso, há mais atores da sociedade civil — lideranças indígenas, movimento negro, comunidade queer e antiproibicionista — engajados em debates que buscam regulamentações que priorizem acesso e reparação. Por outro lado, a polarização global, exemplificada pela declaração de Zuckerberg sobre a reeleição de Trump como defesa da ‘liberdade de expressão acima de tudo’, sugere uma tentativa de desbancar esforços voltados à responsabilidade social nas regulamentações dos psicodélicos. Tratados de forma reducionista, esses debates arriscam transformar os psicodélicos em ‘a cloroquina do novo normal’. Ainda assim, o cenário não parece pender para nenhum dos dois lados. A complexidade do tema exige atenção às nuances que irão moldar o futuro em 2025. A toca do coelho é muito mais complexa do que usualmente supomos.” 

‘A rejeição do MDMA pelo FDA foi um grande golpe para o movimento psicodélico’ 

Bia Labate, antropóloga, fundadora e diretora executiva do Instituto Chacruna, sediado nos EUA 

“A rejeição do MDMA pelo FDA foi um grande golpe para a MAPS/Lykos e para o movimento psicodélico como um todo. Há um clima de suspense no ar sobre os próximos passos da Lykos, já que a organização não divulgou a carta do FDA detalhando os motivos da rejeição. A questão central é: será necessária uma nova fase de ensaios

clínicos, ou a empresa conseguirá convencer as autoridades de que apenas esclarecimentos sobre a etapa anterior são suficientes?” 

‘2025 será o ano de alinhar inovação científica e preservação ambiental no setor psicodélico’ 

Marco Algorta, empresário do setor psicodélico 

“O veto contundente e inesperado da FDA à aprovação do MDMA como medicamento foi o que marcou 2024. Esse episódio evidenciou as contradições entre o paradigma científico mecanicista e a complexidade das substâncias psicodélicas, levantando questionamentos sobre a relação entre ciência e psicodelia no contexto capitalista. Em 2025, o setor psicodélico terá que recalcular seus passos. Espero que este seja um ano de alinhamento entre inovação científica e preservação ambiental. Precisamos avançar na biotecnologia de compostos psicodélicos, aplicando-os não apenas à saúde mental, mas também a doenças neurodegenerativas e outros usos. O Brasil tem uma posição privilegiada para liderar esse movimento, mas é fundamental que isso aconteça de forma sustentável, em parceria com as populações locais. Devemos garantir que o uso dessas substâncias não agrave a crise ecológica nem comprometa os ecossistemas, que são os verdadeiros guardiões desse conhecimento.” 

‘Avançar nas terapias psicodélicas exige rigor científico e formação qualificada’ 

Nicole Galvão, pesquisadora do departamento de fisiologia e comportamento da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) 

“2024 foi um ano desafiador para as ciências psicodélicas, com a rejeição do FDA à terapia com MDMA para TEPT, mas há motivos para otimismo em 2025. Nos EUA, empresas continuam ensaios

clínicos com protocolos que reduzem o papel da psicoterapia, visando facilitar aprovações. Na Europa, financiamentos importantes, como o da Associação Europeia de Cuidados Paliativos, impulsionam pesquisas em doenças crônicas como Parkinson, esclerose lateral e dor crônica. Canadá e Suíça já autorizam terapias psicodélicas para pacientes terminais, e na Austrália a formação de profissionais cresce. No Brasil, seguimos com pesquisas sobre DMT para depressão resistente e cursos especializados. Avançar requer rigor científico e formação de profissionais qualificados para mercados onde essas terapias já são regulamentadas.” 

‘A integração entre farmacoterapia e psicoterapia é a chave para o avanço das terapias psicodélicas’ 

Alessandro Campolina, médico, pesquisador e professor na Faculdade de Medicina da USP e diretor de pesquisa do LIS (Lar e Integração do Ser) 

“Com a rejeição do FDA à regulamentação do MDMA, vejo quatro tendências importantes para o futuro das terapias psicodélicas. Primeiro, as pesquisas devem focar mais no componente farmacológico, separando-o do psicoterapêutico, o que pode facilitar aprovações regulatórias, embora a integração psicoterapêutica seja essencial. Segundo, a busca por alternativas já aprovadas, como a cetamina, deve crescer enquanto substâncias como psilocibina e MDMA enfrentam atrasos na regulamentação. Terceiro, com os desafios na aprovação terapêutica, o uso ritualístico pode ganhar força, atraindo aqueles que buscam saúde e autocuidado fora do modelo clínico tradicional, fortalecendo centros como o LIS. Por fim, o avanço da legalização pelo mundo deve ampliar estudos sobre segurança, avaliando os riscos do uso mais escalonado e monitorando eventos adversos para garantir a proteção dos usuários.”

‘Em 2025, veremos um aumento no número de pesquisas e na diversidade de métodos’ 

Renato Filev, biomédico, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas 

“Acredito que haverá um aumento significativo no número de pesquisas psicodélicas e na diversidade de métodos, especialmente para superar desafios como o questionamento do FDA sobre o cegamento nos estudos com MDMA. As agências regulatórias continuam exigindo estudos randomizados e controlados por placebo e novas abordagens serão essenciais. A psicologia deve ganhar destaque no debate sobre a separação entre efeitos farmacológicos e psicoterapêuticos, frequentemente ignorada pelas agências. Quanto às substâncias, o foco deve permanecer em MDMA, psilocibina, ibogaína e cetamina, com possível expansão para tratar condições como dor crônica e outros transtornos mentais de difícil controle.”

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