Economia
A estabilização da economia
O governo tem condições de normalizar os mercados e retomar o percurso bem-sucedido de 2023 e 2024


A economia brasileira passou, desde o fim de novembro de 2024, por intensa instabilidade financeira e cambial. Os mercados ficaram mais calmos neste início de ano, mas o câmbio permanece acima de 6 reis por dólar, com impacto adverso sobre a taxa de inflação e os juros.
O que fazer? Vou passar em revista algumas alternativas, avisando, porém, que o espaço disponível não permite esgotar o assunto ou sequer fazer justiça às possibilidades que serão aventadas.
Há dois tipos de medidas: as mais convencionais e as menos rotineiras. O mais natural seria começar pelas tradicionais. O governo já está tomando ou programando algumas medidas desse tipo.
No que diz respeito à política fiscal, é recomendável, em primeiro lugar, tomar providências adicionais de ajustamento para dissipar percepções ainda predominantemente negativas sobre as contas públicas. Medidas adicionais reduziriam as necessidades de financiamento do governo e a sua dependência em relação ao mercado financeiro.
Outro ponto aparentemente importante seria reforçar a posição do ministro Fernando Haddad dentro do governo. Nos últimos meses, disseminou-se a suspeita de que ele estaria enfraquecido, o que contribuiu para o tumulto financeiro e a depreciação do real. Se o presidente Lula atuar para desfazer essa suspeita, ficará mais fácil acalmar o mercado e formar expectativas positivas em relação à política fiscal.
De todo modo, o governo deve ter em mente que o ajuste fiscal envolve, sempre e em qualquer parte, um conflito distributivo. Ou seja, implica escolher quem será onerado por cortes de despesas ou aumentos da carga tributária. Como o Brasil apresenta elevado grau de concentração da renda, o ajuste deve ser progressivo ou, no mínimo, neutro em termos distributivos. Isso significa que não só o Imposto de Renda, mas também os cortes de gastos devem mirar sobretudo os setores de renda alta.
Tanto mais, ressalte-se, que os juros continuarão elevados em 2025, contribuindo para concentrar a renda nacional. Se a política fiscal também for injusta, o governo Lula promoverá concentração da renda por duas vias, pela política fiscal e pela política monetária, em flagrante conflito com sua base social e o discurso de campanha.
Admitir que os juros continuarão altos durante 2025 não significa, evidentemente, que eles não possam diminuir em algum momento, digamos, do segundo trimestre em diante. Se a política fiscal seguir o caminho antes mencionado, o Banco Central terá a oportunidade, que não deveria perder, de baixar a taxa de juro gradualmente.
E não é só a política fiscal que pode contribuir para juros menores. O Banco Central nem sempre usa na devida medida os instrumentos de que dispõe para induzir a queda do dólar e dos juros. Alguns são tradicionais, como vender swaps cambiais ou lançar mão das reservas internacionais para intervenções pontuais no mercado de câmbio. Apesar da perda de cerca de 30 bilhões de dólares no fim do ano passado, as reservas continuam elevadas e podem ser acionadas para sufocar turbulências cambiais. E a venda de swaps é uma forma de oferecer hedge cambial e defender o real sem gastar reservas, assumindo obrigações denominadas em moeda nacional.
Medidas fiscais adicionais reduziriam as necessidades de financiamento do governo e sua dependência em relação ao mercado financeiro
Outros instrumentos são mais inovadores se comparados à experiência brasileira das décadas recentes. Menciono três deles, em apertada síntese. Todos eles têm seus riscos, mas podem ser recomendáveis, especialmente se houver novos episódios de turbulência.
Primeiro instrumento: autorização para que o Banco Central atue, quando oportuno, ao longo da curva de juros, influenciando as taxas longas, como fazem alguns dos principais Bancos Centrais, inclusive o dos EUA.
Segundo: a volta dos controles de capital, modernizados para atuar sobre derivativos, que correspondem hoje à maior parte das operações de mercado. O Banco Central e a Receita Federal passariam a atuar em conjunto para regular e fiscalizar as remessas de capital dos ricos e super-ricos ao exterior.
Terceiro: o Banco Central e o Tesouro podem explorar a possibilidade de captar recursos externos de fontes governamentais, em montante apreciável e em condições de prazo e custo mais favoráveis do que as do mercado interno. Esses recursos teriam de ser usados exclusivamente para substituir uma parte da dívida interna por dívida externa, não para financiar um aumento do déficit fiscal ou a acumulação de reservas internacionais.
Em suma, se a política fiscal for reforçada, se o Banco Central contribuir, por seu lado, para a valorização do real e a queda dos juros, e se for possível, além disso, negociar financiamento externo junto a novas fontes, o governo teria condições de estabilizar os mercados financeiros e cambiais e retomar a trajetória econômica bem-sucedida de 2023 e 2024.
Uma ressalva final. Algumas das medidas acima, especialmente as não convencionais, esbarrariam na resistência da plutocracia nacional, que controla o Congresso e a mídia corporativa. Para adotá-las, o governo teria de estar bem preparado do ponto de vista técnico e disposto a contrariar interesses poderosos.
Difícil, sem dúvida. Mas não é sempre difícil governar de forma justa, com o interesse do povo em mente? E não foi exatamente para isso que Lula se elegeu? •
Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A estabilização da economia ‘
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