

Opinião
Falsa taxação do Pix era só o sintoma — e Nikolas soube explorar a doença
Com popularidade claudicante, o governo arrisca ao subestimar os humores dos ‘batalhadores’ e precarizados


O vídeo do deputado Nikolas Ferreira sobre a instrução da Receita Federal que ampliaria a fiscalização para incluir transações via cartão de crédito e Pix viralizou de forma estrondosa: em menos de 24 horas, ultrapassou 100 milhões de visualizações no Instagram. Para efeito de comparação, um simpático vídeo de Lula sobre o mesmo tema, publicado quatro dias antes, não alcançou nem um quarto disso.
Não é exatamente uma revolução. Bancos e cooperativas tradicionais já compartilham essas informações com o Fisco. A novidade é que fintechs e operadoras de máquinas de cartão entrariam no radar, considerando um teto de 5 mil reais para pessoas físicas e 15 mil reais para empresas.
A medida gerou uma enxurrada de fake news sobre uma falsa taxação do Pix, desmentidas de forma ágil e assertiva sob a batuta de Sidônio Palmeira na Secom. Mas a histeria em torno da falsa taxação é só o sintoma, não a doença. E é por entender isso que Nikolas Ferreira, um dos mais habilidosos operadores do bolsonarismo, nadou de braçada. Ao governo, diante da derrota dada, restou a revogação.
O IBGE estima que 39 milhões de brasileiros vivam na informalidade. Muitos, até poucos anos atrás, eram “desbancarizados”. O Pix e os bancos digitais os trouxeram ao sistema financeiro formal, antes fora do radar da Receita. O temor real não é a ‘taxação’ do Pix, mas a possível incisão de impostos sobre suas atividades. Ou seja, que a soma dessas pequenas transações os tornasse alvo do Leão.
No vídeo, Nikolas Ferreira até admite que o Pix não seria taxado, mas sustenta que profissionais como feirantes, entregadores e vendedores ambulantes serão “vigiados como grandes sonegadores”. A Receita rebate, esclarecendo que o foco está nas suspeitas de lavagem de dinheiro e movimentações ligadas ao crime organizado.
O deputado também apela a mentiras deslavadas, como a menção a uma suposta “quebra de sigilo bancário”. Na realidade, apenas dados básicos como nome, CPF ou CNPJ e número das contas serão compartilhados, sem detalhamento das movimentações.
Entre desinformação e alarmismo, em uma só tacada, seu discurso abraçou tanto o precariado, que depende da economia informal para sobreviver, quanto a classe média — que Lula, aliás, exaltou como conquista de seu terceiro mandato —, facilmente seduzida pelo narrativa de que é vítima de um governo perdulário e insensível às suas demandas.
Nas redes, o campo progressista tentou apagar o incêndio da falsa taxação. Outros foram além, defendendo o aperto como avanço no combate à sonegação. Também sobraram alertas sobre o suposto favorecimento algorítmico a Nikolas Ferreira pela Meta – cujo fundador se ajoelhou à extrema-direita e foi cobrado pelo governo brasileiro a se explicar. Argumentos justos, corretos e legítimos, mas insuficientes se o objetivo é mudar o curso da opinião pública.
A justiça fiscal importa, mas um governo que chega à sua metade com popularidade claudicante não pode se dar ao luxo de bancar medidas que, embora corretas no papel, cutucam os nervos de uma parcela tão expressiva e já precarizada da população. Vide a recente taxação de pequenas importações chinesas. Negada às pressas pela primeira-dama nas redes, não só acabou confirmada como deve aumentar nos próximos meses.
Diante de um cenário tão adverso, surpreende a baixa repercussão de iniciativas como o programa Acredita, que já distribuiu 2 bilhões de reais em créditos para quase 40 mil pequenas empresas, incluindo renegociação de dívidas.
É um erro subestimar os humores dos ‘batalhadores’ — que, cada vez mais, veem o Estado mais como entrave do que solução. Sem um bom raio-x deste outro Brasil, seguiremos quebrando o termômetro para aliviar a febre.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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