

Opinião
Segurança pública federativa e solidária
O acesso clandestino e indiscriminado a armas, por qualquer indivíduo, estão acossando famílias, causando insegurança generalizada, de norte a sul do país. É preciso encerrar a herança trazida pela república da bala


A violência no Brasil tem raízes profundas, remonta a nossa desumana colonização. Recentemente, o porão da nossa história foi revirado e trazido à tona o ódio de classe ancestral, latente em nossa sociedade, amalgamado no conservadorismo e na repulsa à democracia.
O ódio dividiu famílias, pedalou as estatísticas da violência doméstica, dos feminicídios, contra crianças e adolescentes, – na pedagogia autoritária, racista, machista, homofóbica, aporófoba, disseminada nas famílias, em escolas, principalmente nas militarizadas.
A violência recrudesceu, se alastrou pelo país, impulsionada pelo discurso de ódio nas redes sociais e pela facilitação do acesso a armas, transformados em bandeiras ideológicas do governo golpista que antecedeu o do Presidente Lula. Violência que culminou nas jornadas de ataques ao Estado democrático de direito, na tentativa de assassinato do Presidente Lula, do Vice-Presidente Geraldo Alkmin e do então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, no fracassado golpe de Estado do dia 8 de janeiro de 2023.
O acesso clandestino e indiscriminado a armas, por qualquer indivíduo, por grupos criminosos que atuam no tráfico de drogas, de armas, em garimpos na Amazônia, em comunidades dos grandes centros urbanos, estão acossando famílias, causando insegurança generalizada, de norte a sul do país. Mais armas, mais mortes.
Os dados sobre o recrudescimento da violência são assustadores. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, foram registradas 46.328 mortes violentas intencionais em todo o país no ano passado, o que representa 22,8 mortes violentas a cada 100 mil habitantes. A taxa de homicídios por uso de armas de fogo chegou a 73,6% dos casos. Pessoas negras representam 82,7% do total. A letalidade policial no país aumentou 188,9%.
Nem todas as pessoas sabem que quem cuida diretamente da operacionalização da segurança pública, por determinação da Constituição, são os estados e o Distrito Federal. O comando das polícias civis, militares e corpo de bombeiros é dos governadores estaduais. As prefeituras cuidam das guardas municipais.
O artigo 144 da Constituição Federal define a segurança pública como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”. Em seguida, lista as polícias e suas competências: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Força Nacional; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares; polícias penais federal, estaduais e distrital. A Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, coordena a política nacional de segurança pública no que diz respeito à defesa dos direitos fundamentais de cidadã e cidadão.
O crime organizado cresceu, se tornou uma ameaça concreta às instituições e isso requer uma ação conjunta dos governos estaduais, distrital e federal. Para enfrentar essa ameaça, o Presidente Lula encomendou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que aumenta a atuação da União na área de segurança pública sem comprometer a autonomia dos entes federados.
A PEC constitucionaliza o Fundo Nacional de Segurança Pública, que financia as ações dos governos federal, estadual e distrital. Amplia e consolida o Sistema Único de Segurança Pública, para integração e compartilhamento de informações, da inteligência policial e dos bancos de dados sobre a criminalidade em todo o país.
A PEC transforma as políticas de segurança pública dos governos em uma política de Estado. Coloca a segurança pública como questão de soberania compartilhada. Ou seja, na federação, a União é soberana, o Estado é membro.
Alguns governadores tentaram desqualificar a PEC da Segurança Pública dizendo que violaria a autonomia de estados e municípios. O texto da PEC não altera a atual competência dos Estados e dos municípios, inscrita no artigo 144, da Constituição, no que se refere a gestão da segurança pública. Deixa claro que não haverá ingerência nos comandos das polícias estaduais nem nas guardas municipais.
O texto da PEC foi construído com a contribuição de governadoras e governadores estaduais em várias reuniões com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, sendo a primeira com o Presidente Lula, ocasião em que foi apresentado o texto original
A proposta não prevê qualquer sobreposição da Polícia Federal sobre as forças policiais dos estados. Acrescenta novas competências à Polícia Federal, que passa a atuar como polícia judiciária contra crimes ambientais e de repercussão interestadual e internacional. A Polícia Rodoviária Federal passaria a ser Polícia Ostensiva Federal com atuação em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Todas as salvaguardas necessárias para autonomia dos governadores e dos prefeitos, no que diz respeito às polícias civis e policias militares, às guardas municipais, foram preservadas.
A reconstrução do Brasil e a volta à normalidade democrática requer das autoridades o cumprimento do dever de Estado de estabelecer uma política nacional de segurança pública capaz de garantir os direitos constitucionais de cada cidadã e cidadão à paz pública, à liberdade, sem violência, para que possamos construir a nação democrática e solidária que sonhamos.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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