Sociedade

Violência policial pode servir como plataforma política para Tarcísio, alerta pesquisador

Para Dennis Pacheco, do Fórum de Segurança Pública, o governador de São Paulo pode conquistar votos com a espetacularização da violência policial – mesmo que os índices de criminalidade continuem subindo

Violência policial pode servir como plataforma política para Tarcísio, alerta pesquisador
Violência policial pode servir como plataforma política para Tarcísio, alerta pesquisador
Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite debocham das denúncias de abusos praticados por PMs – Imagem: SSP/GOVSP
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No domingo 1º, policiais da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) perseguiram e espancaram um motociclista já rendido, no bairro Jardim Damasceno, zona norte de São Paulo. Alegando que o homem havia desobedecido a uma ordem de parada, os policiais o agrediram com chutes, socos e golpes de cassetete. Uma mulher que estava na motocicleta também foi arrastada e agredida.

Poucas horas depois, na madrugada de segunda 2, um policial militar arremessou um homem de uma ponte na zona sul de São Paulo no bairro Cidade Ademar, sob a justificativa de que o homem conduzia uma moto sem placa. Apesar da brutalidade, a vítima sobreviveu com ferimentos leves.

Na terça-feira 3, outro caso de violência policial ganhou repercussão: um PM de folga matou um homem com 11 tiros pelas costas após acusá-lo de furtar pacotes de sabão em um supermercado no bairro Jardim Prudência, zona sul de São Paulo. O policial alegou legítima defesa, mas imagens desmentem essa versão.

Enquanto um PM atira um homem da ponte, outros observam. O episódio foi registrado em vídeo. – Imagem: Reprodução

Os três episódios são retratos de um fenômeno comprovado: o crescimento da letalidade policial sob o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), com a batuta do policial Guilherme Derrite nas políticas de segurança pública. Apenas no primeiro semestre deste ano, as mortes causadas pela PM paulista aumentaram 71%, com 344 vítimas entre janeiro e junho, contra 201 no mesmo período de 2023, segundo o Ministério Público estadual.

Para Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o cenário é consequência de mudanças na política de segurança pública promovidas por Tarcísio, com foco na ampliação do uso da força letal. Ele afirma que a estratégia atende a um cálculo político que explora a violência policial como plataforma eleitoral.

Confira a seguir a entrevista:

CartaCapital: A que você atribui o aumento da violência policial em São Paulo?

Dennis Pacheco: O uso desproporcional da força é uma característica histórica das polícias militares no Brasil, especialmente em São Paulo. Então, não estamos diante de uma ruptura, mas de um agravamento. As polícias seguem abusando da força contra segmentos específicos, especialmente os jovens negros periféricos.

Dito isso, precisamos falar da piora significativa da letalidade policial, em um período curto de tempo, sob o governo Tarcísio. É uma consequência da postura do governador em relação às políticas de segurança, e inclusive ao uso da força letal pelas polícias, que era um mote desde a sua campanha.

Tivemos avanços com o Programa Olho Vivo, que utilizava câmeras corporais e reduziu a letalidade policial em quase 75% em dois anos. Apesar disso, Tarcísio adotou uma postura contrária ao programa, desestruturando-o. Passamos de uma política de controle da letalidade para uma que incentiva a violência policial. A política de segurança pública implementada por Tarcísio se assemelha à do Rio de Janeiro

CC: Mesmo com câmeras corporais, ainda ocorrem casos graves de violência. Por quê?

DP: A mudança na postura do governador sinaliza, para parte da corporação, que ações violentas são toleradas ou mesmo incentivadas. Seja no discurso ou nas mudanças institucionais, o governo tem atuado em prol da espetacularização da violência e do uso da violência policial como plataforma política eleitoral. A partir daí, é óbvio que alguns policiais vão se sentir muito mais confortáveis e institucionalmente protegidos quando agirem com violência. Isso fortalece um modelo de policiamento incompatível com o Estado Democrático de Direito.

CC: Em geral, a reação da Secretaria de Segurança Pública passa pelo afastamento de policiais envolvidos e processos administrativos. É o suficiente?

DP: Essas medidas são necessárias, mas insuficientes. Quando a conduta de um policial resulta em morte, é preciso uma investigação rigorosa da Polícia Civil. Agora, o que a gente observa, é que as provas periciais e oitivas testemunhais são ignoradas pelo Ministério Público. Uma pesquisa que desenvolvemos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que mais de 90% dos casos de letalidade policial são arquivados, mesmo com provas. Há uma conivência institucional que vai além das polícias, atingindo o sistema de Justiça.

CC: Tarcísio condenou publicamente policiais envolvidos nos casos recentes. Isso indica uma mudança de postura?

DP: Eu vejo como cálculo político. Ele tenta isolar os casos como desvios individuais, ignorando que são reflexos de um modelo de policiamento incentivado pelo próprio governo. Discursos que prometem respeito ao estado democrático de direito são contraditórios quando acompanhados do aumento da letalidade policial. Por isso é importante termos dados, transparência, acesso às imagens das câmeras… Para que a gente não fique refém de uma fé pública absolutamente questionável.

CC: Ao passo que aumenta a letalidade policial, índices de crimes como furtos permanecem altos. Como o governo Tarcísio pode se beneficiar dessa contradição?

DP: Esta é uma uma questão bastante complexa. Pesquisas mostram aumento de crimes como furtos e roubos, por exemplo, impacta muito a percepção de segurança da população. E o aumento da sensação de insegurança causada por crimes patrimoniais aumenta o apoio a pautas autoritárias. Quanto mais medo uma população tem, mais propensa ela está a apoiar medidas, candidatos, e programas políticos autoritários que violem direitos. A gente caminha para um lugar muito perigoso enquanto sociedade.

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