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Crimes de guerra

Impraticável ou não, o pedido de prisão de Netanyahu pelo TPI anima os palestinos

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Embate. Khan, o procurador-chefe do tribunal (à dir.) não se intimidou com as ameaças de Netanyahu, que acusa a Corte de antissemitismo – Imagem: Shaul Golan/AFP e Arquivo/Corte Criminal Internacional
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A decisão do Tribunal Penal Internacional de emitir mandados de prisão para líderes israelenses por causa da operação em ­Gaza foi recebida pelos palestinos como um momento marcante em sua luta de uma década para contestar a ocupação israelense por meio de instituições ­internacionais. O anúncio feito na quinta-feira 21 pela câmara pré-julgamento do TPI de mandados de prisão para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin ­Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, causou comoção no ambiente jurídico internacional. Pela primeira vez, autoridades de um Estado democrático aliado ao Ocidente são acusadas de crimes de guerra, o que é amplamente visto como a medida mais importante tomada pelo tribunal desde a sua criação, na virada do século.

“Não tínhamos ilusões sobre como essa estrada seria dura. Cada passo que levou a este momento foi difícil, mas a Palestina manteve o rumo”, afirmou ­Ammar Hijazi, líder da delegação da Autoridade Palestina em Haia, Holanda, a sede do TPI. “Dissemos ao mundo que a justiça para a Palestina seria o teste decisivo do sistema internacional. Não estávamos exagerando.”

Diana Buttu, uma advogada de direitos humanos e ex-negociadora de paz palestina, observou: “Os próximos dias para a Palestina não serão bons… Ao mesmo tempo, Israel lutará para remover a mancha desses mandados. Quando países como Canadá e Holanda dizem que implementarão a decisão do tribunal, isso coloca em questão a venda de armas e o nível de apoio político a Israel”.

O promotor-chefe do TPI, Karim Khan, anunciou em maio que seu gabinete pediria mandados de prisão para os dois israelenses, bem como para os líderes do Hamas Ismail Haniyeh, Yahya Sinwar e Mohammed Deif, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Haniyeh e Sinwar foram mortos desde então. O TPI também emitiu um mandado de prisão para Deif, que teria morrido durante um ataque aéreo israelense a Gaza em julho, embora o Hamas não tenha confirmado oficialmente sua morte.

Em uma forte rejeição ao tratamento dado por Israel aos palestinos e sua conduta na guerra em Gaza, a câmara decidiu haver motivos razoáveis para se acreditar que Netanyahu e Gallant têm responsabilidade criminal como coautores do “crime de impor a fome como método de guerra e dos crimes contra a humanidade de assassinato, perseguição e outros atos desumanos”. Os mandados restringem severamente a capacidade das autoridades israelenses de viajar para o exterior, pois os 124 Estados-membros do TPI seriam obrigados a prendê-los, aprofundando o isolamento internacional do país.

Israel empreendeu uma batalha suja contra o tribunal, revelou The Guardian

A medida apresenta novos desafios para os aliados ocidentais de Israel, que enfrentam dificuldades para conciliar o apoio ao Estado judeu com as evidências de crimes de guerra no conflito e o respeito à ordem baseada em regras. Os países membros do TPI agora têm uma opção entre “direito internacional e responsabilização por tudo ou nada”, avalia Hijazi. “Eles não podem fingir que o sistema é relevante e funciona se derem passe livre a Israel. Se os Estados que declararam conformidade e respeito ao tribunal comprovarem suas palavras com ações, Israel sentirá o impacto em muitas frentes.”

Israel não integra o tribunal e nega ter cometido crimes na guerra em ­Gaza, desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023. Muitos cidadãos israelenses afirmam há tempo que as Nações Unidas e órgãos associados, como o TPI, são tendenciosos contra o país. A Palestina foi reconhecida como integrante do tribunal em 2015. The Guardian revelou em maio que Israel travou uma “guerra” secreta de nove anos contra o tribunal, utilizando seus órgãos de inteligência para vigiar, hackear, difamar e supostamente ameaçar funcionários graduados do TPI num esforço para atrapalhar as investigações do tribunal.

No início deste ano, depois de o promotor-chefe do tribunal solicitar os mandados de prisão, a sociedade civil palestina esperava que a crescente ameaça de processo pudesse ter efeito dissuasor nas ações de Israel. Em vez disso, o país reagiu anunciando novos assentamentos na Cisjordânia ocupada, que foram descritos como uma medida punitiva pela cooperação palestina com o tribunal. Israel também intensificou sua campanha militar em Rafah, cidade no extremo sul da Faixa de Gaza, que naquele momento era o último lugar de relativa segurança para civis no território palestino. “A sociedade civil palestina tem trabalhado para este momento desde 2009. O fato de ter demorado tanto é uma acusação ao sistema internacional. Oito mil morreram em Gaza desde que os mandados foram solicitados. Talvez essas vidas pudessem ter sido salvas”, lamenta Buttu.

Espera-se que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, imponha novas sanções ao TPI em apoio a Israel, e é ainda menos provável que o presidente cessante, Joe Biden, exerça qualquer tipo de pressão sobre seu aliado para acabar com a ocupação ou retornar às negociações de paz. Os Estados Unidos, assim como Israel, não participam do tribunal. “Se Trump tem uma agenda para possivelmente derrubar a política e a diplomacia internacionais como as conhecemos, defender a ordem internacional de tal ameaça é uma responsabilidade internacional e coletiva. É fundamental entender que jogar a Palestina debaixo do ônibus não vai conseguir isso”, disse Hijazi.

Buttu acrescentou: “Vamos pagar um preço muito alto pela eleição de Trump. Mas espero que a decisão do TPI signifique que Netanyahu também pagará um preço elevado por suas ações”. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

Publicado na edição n° 1339 de CartaCapital, em 04 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Crimes de guerra’

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