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O Grande Irmão

Elon Musk torna-se o primeiro magnata da tecnologia a influir diretamente nos rumos da democracia

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Trump e Musk são citados no relatório da Oxfam – Imagem: Jim Watson/AFP
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Estamos diante da agonia do X? A plataforma antes considerada um mercado perfeito para a troca de informações sofreu seu maior êxodo desde sua criação, em 2006, sob o nome de Twitter. A Bluesky, o mais novo rival do X, conquistou 16 milhões de usuários, 1 milhão durante 24 horas da segunda semana de novembro. Centenas de milhares de usuários ao redor do mundo abandonaram o antigo Twitter desde a vitória eleitoral de Donald Trump em 6 de novembro. O catalisador dessa debandada é o dono do X, Elon Musk, o homem mais rico do mundo, que transformou a rede social e a usou como um megafone para levar Trump à Casa Branca.

O presidente eleito dos Estados Unidos escolheu Musk para chefiar o novo Departamento de Eficiência Governamental, cuja sigla em inglês, Doge, é um trocadilho com o meme da ­internet do cachorro e a criptomoeda Dogecoin, lançada como uma piada por seus criadores e que aumentou de valor depois de Musk a apelidar de “­criptomoeda do povo” em 2021. Musk agora está no centro do governo estadunidense, mas não precisa de aprovação do Senado para suas ações e pode seguir trabalhando no setor privado. Ele tem permissão para manter o X e seus 204 milhões de seguidores, além de comandar ­suas companhias Tesla, de carros elétricos, e SpaceX, de foguetes espaciais. ­Pela primeira vez na história, um grande bilionário da tecnologia moldará a democracia não apenas indiretamente, com seus meios de comunicação, mas diretamente. “Não tenho conhecimento de nenhum precedente dessa abordagem”, afirmou Rob Enderle, presidente da empresa de análise de tecnologia ­Enderle, que trabalhou com companhias como Microsoft, Sony e Dell.

Ainda em 2022, Musk tuitou que, “para o Twitter merecer a confiança do público, ele deve ser politicamente neutro, o que na verdade significa perturbar igualmente a extrema-direita e a extrema-esquerda”. Ele tuitou que “Trump teria 82 anos no fim de seu mandato, o que é velho demais para ser executivo-chefe de qualquer coisa, muito menos dos Estados Unidos da América”.

Meses depois, quando Musk comprou o Twitter por 44 bilhões de dólares, demitiu moderadores de conteúdo e cobrou pela verificação de contas, o que significou que os usuários puderam comprar influência. O Twitter foi renomeado X, perdeu milhões de ­usuários e restabeleceu a conta de Trump, suspensa após a insurreição na Casa Branca em janeiro de 2021.

A proliferação no X de ataques da ­alt-right, discurso de ódio e bots, assim como o próprio choque de Musk com o governo do Reino Unido durante os tumultos em agosto, levaram a uma crescente inquietação entre os usuários da plataforma. The Guardian e The ­Observer decidiram que sua presença na plataforma se tornou insustentável e que não postarão mais na rede. O escritor Stephen King também saiu, sob o argumento de que o ambiente havia se tornado “muito tóxico”. As vencedoras do Oscar Barbra ­Streisand e Jamie Lee Curtis igualmente deixaram a plataforma. “O X tornou-se efetivamente um Truth Social premium”, resume ­Mark Carrigan, autor de Social Media for Academics, em referência à plataforma de rede social de extrema-direita pertencente a Trump. E a conversa nos círculos de tecnologia é que o Truth Social de Trump poderia ser incluído no X.

Se isso acontecer, quais interesses terão prioridade? Musk suprimiria as críticas aos governos autoritários com os quais faz negócios, ou os promoveria? No show de mídia de Donald e Elon, quem é o fantoche ou o pagador? “Se isso acontecer, será a máquina de amplificação definitiva para as ideias de Trump, um superaplicativo político disfarçado de rede social”, disse James ­Kirkham, da Iconic, que aconselha marcas como Uber e EA Sports sobre estratégias digitais. “Esqueça o Facebook ou a Fox News, o verdadeiro coração da estratégia digital do Partido Republicano pode ser o X.” Enderle acrescenta: “Estou esperando que o X e o Truth Social se fundam, mas esse pode ser apenas um dos projetos que surgirão entre Musk e Trump, já que agora o Truth ­Social está tão supervalorizado”.

O “bromance” entre os dois maiores egos do mundo é mutuamente benéfico apenas enquanto a dupla, sedenta por poder e impulsivo jogar limpo. Trump é agressivo na China, um dos mercados mais lucrativos da Tesla. O futuro presidente essencialmente fez campanha contra a fabricação de carros elétricos. Trump é protecionista, Musk é contrário a tarifas. Sobre as mudanças climáticas, eles se opõem. Jonathan Monten, professor de Ciência Política no ­University ­College London, é cético quanto à durabilidade do relacionamento. “A utilidade de Musk para Trump foi ao mesmo tempo dinheiro privado e uma plataforma, ou o uso de uma plataforma, para uma linha mais favorável”, disse. “Não está claro qual o propósito ou utilidade contínua Musk realmente tem para ele. Sim, é meio uma história de celebridades, mas essa é a marca de Trump. Ele tem uma história de celebridade hoje e amanhã teremos outra.”

A rede X vai transformar-se em uma plataforma política de alguns autocratas com quem o empresário mantém negócios?

O início da década de 2010 foi o auge do Twitter, quando ativistas, artistas, advogados, acadêmicos, formuladores de políticas, jornalistas e especialistas de todo tipo podiam conectar-se, compartilhar informações, trocar ideias e acompanhar os fatos em tempo real. Seria fácil retratar Musk como o bicho-papão, mas alguns argumentam ter sido o TikTok e o advento da linha do tempo algorítmica a fundamentalmente destruir a plataforma. Quando a rede social começou a se otimizar para escala e lucro à custa da experiência do ­usuário, os algoritmos priorizaram o “melhor” conteúdo, o que gritava mais alto ou era mais “na medida dos usuários”. Contas selecionadas para seguir e ­conteúdo “mais recente” ficaram esquecidos. “Por mais que eu ache que Musk tenha agido de maneiras prejudiciais, penso que parte disso tem a ver com a lógica das plataformas conforme elas evoluem”, avalia Carrigan. “As consequências de um modelo baseado em publicidade incentivam certas maneiras de organizar a plataforma, criando efeitos negativos.”

O Bluesky, o aplicativo mais popular na app store na sexta-feira 15, é a opção dos refugiados do X, embora seus 16 milhões de usuários sejam insignificantes em comparação ao Threads da Meta, que relatou ter alcançado 275 milhões de ­usuários ativos mensais, e ao X, com cerca de 317 milhões. Para alguns nerds de tecnologia, o êxodo do X não é algo para se lamentar, mas pode anunciar a era das redes sociais descentralizadas com as quais eles sonhavam, conhecidas como “Fediverse”.

Os defensores da “Fediverse” argumentam que deve haver uma conta para cada rede social, da mesma forma que as contas do Gmail podem enviar mensagens para qualquer endereço de e-mail ou números de celular podem ligar para ­usuários em qualquer outra rede. Ao isolar as redes sociais para prender os ­usuários, a plataforma tem o poder. Em vez disso, as redes sociais mais novas, entre elas a Bluesky, são construídas em “ecossistemas” que permitem a interconexão.

Ninguém sabe o que acontecerá com o X. As previsões vão do colapso à mudança para uma plataforma anti-Trump se Musk e o presidente se chocarem, a tornar-se um campo de treinamento para o empreendimento xAI de Musk. A IA pode engolir as redes sociais, e o xAI está avaliado em 40 bilhões de dólares, quase o preço que Musk pagou pelo Twitter. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1338 de CartaCapital, em 27 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O Grande Irmão’

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