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A frente parlamentar ”ESG na Prática” reúne 206 deputados de todos os partidos e setores

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Bloco. Arnone, do Instituto Global ESG, defende uma ação parlamentar que crie normas para incentivar melhoras práticas socioambientais – Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara e Caique Leite
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Experiências ao redor do globo têm demonstrado ser possível aliar lucro, crescimento econômico e sustentabilidade. Com esse espírito, nasce a frente parlamentar “ESG na Prática”, coletivo suprapartidário de 206 parlamentares que pretende estabelecer uma nova visão sobre o papel das empresas e do governo no compromisso com o meio ambiente, a responsabilidade social e a ética na governança.

A frente visa criar as condições para a aplicação das práticas ESG (ambiental, social e governança), ancorada em legislações e normas que permitam avaliar e transformar, efetivamente, o impacto de empresas e instituições públicas, sem marketing ou greenwashing. Inspirada nos princípios lançados há 20 anos pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, o grupo propõe métricas e regulamentações para setores diversos, da agroindústria ao varejo, passando por pequenas e médias empresas. Segundo seu criador, o advogado Alexandre ­Arnone, do Instituto Global ESG, o trabalho não será simples, mas o compromisso é construir uma estrutura sólida, onde o ESG seja mais do que um rótulo e vire uma prática que espelhe transparência, equidade e responsabilidade.

“A falta de padronização nos indicadores ESG dificulta a comparação e avaliação de desempenho entre as organizações. Com métricas padronizadas, facilitaremos a transparência e a prestação de contas, o que ajudará investidores e consumidores a fazer escolhas informadas”, acredita Arnone. O cenário atual, diz, é marcado por relatórios incompletos e pela aplicação dos princípios de sustentabilidade de forma superficial, “para inglês ver”.

A proposta da frente é criar leis e oferecer uma estrutura para facilitar a implementação dessas práticas por empresas de diferentes portes e setores. Sem uma regulamentação consistente, avalia Arnone, o conceito fica restrito a algumas grandes companhias, enquanto as pequenas e médias são mantidas à margem do processo. “Se não houver distinção na regulamentação, as pequenas empresas serão as mais prejudicadas, pois o custo para implementar ESG de forma completa é alto e, muitas vezes, inviável sem uma estrutura de apoio.”

Além de atuar como plataforma de integração, os parlamentares contarão com comitês e grupos de trabalho em diversas áreas para o impacto das políticas criadas alcançar as empresas e as populações mais vulneráveis. Segundo Sóstenes Marchezine, vice-presidente do Instituto Global ESG, a frente vai dedicar-se, entre outros pontos, à criação de programas de capacitação e educação de gestores públicos, empresários e sociedade, fortalecendo o conhecimento sobre o tema e incentivando práticas reais. “O ESG é muito mais que um conjunto de boas práticas, exige transformação social. Salvar o meio ambiente é importante, mas sem transformação social o impacto é incompleto.”

Fiscalizar e combater o greenwashing serão prioridades. Para tanto, normas específicas vão determinar relatórios socioambientais reais e verificáveis, evitando práticas que mascaram os impactos ambientais das empresas. A ideia é que empresas sejam avaliadas com base em padrões claros e transparentes, incluída a aplicação de regras como a NBCT15, criada pela Confederação dos Contadores do Brasil, única norma brasileira que permite medir o impacto social e ambiental dos empreendimentos.

O grupo vai criar leis e parâmetros e combater o greenwashing, o discurso sustentável da boca para fora

Ana Clara Moura, chefe de gabinete da frente, reforça a importância da iniciativa: “Será possível aperfeiçoar e promover legislações que previnam e punam práticas de greenwashing, assegurando que as empresas sejam responsabilizadas por ­suas ações”. A falta de regulamentação clara sobre ESG permite a muitas empresas ater-se a ações pontuais sem impacto real.

O agronegócio é um dos setores nos quais a atuação da frente pode tornar-se um divisor de águas. Grandes conglomerados e tradings, responsáveis por cadeias de produção complexas, estão cada vez mais pressionados pela União Europeia e outros mercados internacionais a adotar práticas sustentáveis em todas as etapas de produção. A cadeia, afirma Arnone, exige monitoramento e verificação de todas as partes envolvidas. “Da fábrica dos insumos à colheita, transporte e o produto final, todo o processo precisa seguir os padrões ESG. Isso é complexo e, sem apoio e regulamentação, o produtor brasileiro perde competitividade.” O Brasil, acrescenta, sempre foi pioneiro no ESG, especialmente com a criação de normas específicas como a NBCT15, mas ainda enfrenta desafios na implementação das medidas.

A frente tem o apoio interinstitucional e de empresas privadas para garantir que as leis a ser criadas tenham viabilidade prática e impacto real. “Temos de criar uma legislação que contemple as diferenças entre grandes e pequenas empresas, abrangendo faturamento e porte, senão os efeitos serão inócuos”, observa Arnone. Outro ponto é a importância de inserir um componente social na atividade. “Não adianta apenas cumprir normas ambientais, se não houver trabalho ­real para melhorar a vida dos funcionários e de suas famílias. A empresa precisa de uma estrutura mínima, com assistente social, advogado, contador e economista, além de acompanhamento técnico.” Sem isso, ressalta, as ações de ESG perdem relevância e tornam-se mera formalidade para o mercado.

A ausência de regulamentação tem permitido ao crime organizado beneficiar-se de setores como o de produtos piratas, que geram prejuízos estimados em 340 bilhões de reais por ano. “Hoje, vemos grandes marketplaces dando espaço para a venda de produtos piratas, o que alimenta a economia do crime e perpetua a desigualdade”, lamenta o advogado. •

Publicado na edição n° 1338 de CartaCapital, em 27 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Boa causa’

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