Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Esquerda x periferias, separando o joio do trigo

Tomando como exemplo a candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo, é possível — e necessário — analisar coletivamente as razões para a derrota

Esquerda x periferias, separando o joio do trigo
Esquerda x periferias, separando o joio do trigo
Guilherme Boulos, Marta Suplicy e Lula em ato em São Paulo, em 2 de fevereiro de 2024. Foto: Nelson Almeida/AFP
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O cenário pós-eleitoral de 2024 para as esquerdas foi marcado por reflexões e análises que buscam compreender o resultado adverso. Três temas ganharam destaque e serão abordados nesta e nas próximas colunas: a relação das esquerdas com as periferias; as alianças com a direita e a lógica da frente ampla; e a caracterização do governo Lula como neoliberal.

Iniciando pela relação com as periferias, é necessário separar o joio do trigo. Algumas análises precipitadas, elaboradas em gabinetes ainda antes da conclusão do pleito, refletem mais o um desejo idealista de uma “nova esquerda”, que, por sua vez, seria conduzida por seus próprios idealizadores.

Uma avaliação mais profunda dos dados eleitorais exige tempo, mas é indispensável que o debate se baseie na concretude dos votos e nas relações que o processo eleitoral mantém com o trabalho sistemático da esquerda nos territórios.

Tomando como exemplo a candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo, é possível — e necessário — analisar coletivamente as razões para a derrota. Elas envolvem, sobretudo, a força das máquinas municipal e estadual na cidade e a persistência das fake news, que seguem sem controle institucional eficaz, com o objetivo de destruir reputações e consolidar rejeições. Essa análise não deve se apoiar na tese de uma suposta incapacidade da esquerda em dialogar com as periferias. Os números do primeiro turno reforçam essa interpretação, mostrando uma disputa direta entre os campos políticos em São Paulo, sem as mediações e alianças características do segundo turno.

O eleitorado da capital paulista é de 9.322.444 pessoas. A maior concentração está na Zona Leste, com 3,19 milhões de eleitores, seguida pela Zona Sul, com 3,05 milhões. Juntas, essas regiões concentram dois terços do eleitorado. Em ambas, observa-se que, quanto mais periférica a zona eleitoral, melhor é o desempenho de Boulos, que venceu em várias urnas ou perdeu por margem estreita. Nas zonas em que venceu, o desempenho de Boulos aproximou-se dos números obtidos por Lula no primeiro turno de 2022, confirmando a continuidade da força da esquerda na cidade.

Na Zona Leste, a região com maior número de eleitores, a disputa variou entre Boulos e Marçal, com Ricardo Nunes ficando atrás em todas as zonas eleitorais. Boulos venceu em seis zonas dessa região, todas também conquistadas por Lula em 2022, algumas com ampla margem de votos.

Zona Leste – Vitória de Lula em 2022 e Boulos em 2024

O coach de extrema-direita venceu em seis zonas que deram mais votos para Lula em 2022, mas em todas elas Boulos foi muito bem votado. Na 421ª ZE, por exemplo, Marçal superou Boulos por menos de 90 votos. Em Itaquera, que é a 248ª ZE, Boulos abriu mais de 2 mil votos sobre Nunes. Além disso, Boulos venceu em seis zonas eleitorais, todas elas também vencidas por Lula, reforçando que a transferência de votos começou a ocorrer no 1º turno e pode se intensificar no 2º turno.

Zona Leste – Vitória de Lula em 2022 e sem vitória de Boulos em 2024

A Região da Zona Sul tem a maior Zona Eleitoral da Cidade, 372ª que fica em Piraporinha e tem 245.720 pessoas alistadas. Nela, Boulos repetiu Lula e venceu com ampla margem sobre Nunes. Outras 4 zonas eleitorais dos bairros mais periféricos dessa região também deram expressivas votações para Boulos, como Valo Velho e Capão Redondo e Campo Limpo, repetindo o desempenho de Lula.

Zona Sul – Vitória de Lula e Boulos

A terceira maior zona eleitoral da cidade também fica nessa região: é 381ª, de Parelheiros, 211.734 pessoas aptas a votar. Lula venceu neste bairro, em 2022, e Boulos chegou perto, faltando cerca de 4 mil votos para ser o primeiro dessa zona eleitoral. No Grajaú, outra zona vencida por Lula em 2022, a diferença que Boulos para Nunes foi ainda menor, apenas 1 mil votos.

Zona Sul – Vitória de Lula e sem vitória de Boulos

Por fim, há de se destacar que o mesmo movimento do eleitorado de Lula e Boulos se deu em outras regiões da cidade. A Zona Oeste tem a 2ª maior zona eleitoral de São Paulo, a 374ª que fica no bairro de Rio Pequeno, com 213.552 eleitores. Nela, Boulos venceu com 10 mil votos de vantagem sobre Nunes, uma vantagem que tende a se ampliar no 2º turno com a migração dos votos lulistas que faltam.

É preciso ampliar esse tipo de análise para o conjunto das capitais brasileiras, avaliando o desempenho da esquerda com candidaturas próprias, mas também analisando o resultado das candidaturas da direita apoiadas por Lula. Isso nos permitirá fazer comparações e pensar as especificidades em cada situação.

No caso de São Paulo, a boa votação de Boulos nas periferias se explica porque ele é um nome que consegue juntar o trabalho territorial atual a partir do MTST com a força tradicional que o PT sempre teve nos territórios periféricos. Em sua primeira tentativa de conquistar a prefeitura, em 2020, Boulos já foi o candidato mais bem votado em muitas urnas das periferias, superando o candidato do PT e agora em 2024 isso se potencializou com a unidade entre PT e PSOL na cidade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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