Política
Hugo Motta consolida supermaioria e pode quebrar recorde de Lira na Câmara
Governos sem base confortável pavimentam o caminho para disputas pouco emocionantes na Casa


O deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) caminha para quebrar o recorde estabelecido por Arthur Lira (PP-AL) e amealhar o maior número de votos em uma eleição para a presidência da Câmara. A próxima disputa ocorrerá em fevereiro de 2025.
O apoio do todo-poderoso Lira a Motta sepultou candidaturas rivais, levando os outros dois postulantes – Antônio Brito, do PSD, e Elmar Nascimento, do União Brasil – a recuarem, ainda que sob protestos. No caso de Elmar, a desistência envolveu até acusações de traição, uma vez que ele tinha a certeza de que receberia o endosso do atual chefe da Câmara.
Com PSD e União fora do radar, Motta já tem, virtualmente, o apoio de 487 deputados — trata-se de uma projeção, porque a votação é secreta e pode haver debandada entre os partidos. Além disso, ainda que não haja outro candidato, seria possível simplesmente não votar, o que por óbvio reduziria o placar final.
Para vencer em primeiro turno, é necessário conquistar uma maioria absoluta bem mais modesta, de 257 deputados.
A coalizão de Motta inclui: PL (92 deputados), PT (68), União Brasil (59), PP (50), PSD (44), MDB (44), Republicanos (44), PDT (18), PSB (14), Podemos (14), PSDB (12), PCdoB (7), Cidadania (5), PV (5), PRD (5), Solidariedade (5) e Rede (1).
Entre os potenciais “traidores” está o PL de Jair Bolsonaro. Parte dos deputados da legenda defendia uma candidatura orgânica. Além disso, o PSOL tende a lançar um postulante próprio para marcar posição.
A se confirmar seu plantel de apoiadores, porém, Hugo Motta deixará para trás o recorde fixado por Lira no ano passado, de 464 votos (92% do total). Em 2023, concorreram Chico Alencar, do PSOL (recebeu 21 votos), e Marcel van Hattem, do Novo (19 votos).
As três eleições anteriores também registraram votações expressivas: Lira, em 2021, eleito com 302 votos; Rodrigo Maia, em 2019, com 334; e Maia, em 2017, com 293. O aumento da concentração de votos, porém, coincide com o avanço sem precedentes do Legislativo sobre o controle do Orçamento brasileiro. O consórcio Lira-Bolsonaro deu origem ao modelo conhecido como Orçamento Secreto.
A era das ‘supermaiorias’, contudo, se estabeleceu pelas mãos de Eduardo Cunha na eleição da Câmara em 2015. Naquele ano, o PT de Dilma Rousseff , em um cenário que já se desenhava adverso para a então presidenta da República, decidiu bancar a candidatura de Arlindo Chinaglia.
Resultado: Cunha chegou a 267 votos, contra 136 do petista e 100 de Júlio Delgado (PSB). A retaliação foi implacável – e levou à derrubada de Dilma em 2016.
“O governo tentou disputar, mas perdeu. Demonstrou fragilidade e ganhou um inimigo”, diz a CartaCapital o cientista político Jorge Chaloub, professor da UFRJ. “Depois disso, os governos passaram a ter um enorme ‘pé atrás.'”
Esse receio também decorre do fato de que os governos pós-Michel Temer (MDB) não contaram com maiorias consistentes no Congresso Nacional, especialmente na Câmara. Vale para Bolsonaro (que só ganhou algum respiro quando recuou das bravatas e entregou os anéis ao Centrão) e para Lula (PT).
Para que as coisas mudem, avalia Chaloub, será preciso que o presidente eleito em 2026 conquiste também uma base confortável na Câmara. Só assim pode haver uma disputa de fato pelo comando da Casa no ano seguinte.
“Como o governo não disputa, a eleição da Câmara deixa de ser contra o governo e passa a ser uma eleição com dinâmica ‘sindical’. É sobre quem conseguirá preservar melhor os interesses dos deputados.”
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