

Opinião
Defender a vida de uma criança é ‘vitimismo barato’?
A única certeza que temos é que não aguentamos mais a política de morte do Tarcísio de Freitas e do Derrite, a ostensiva contra o povo preto e pobre


No início da noite desta terça-feira 5, o menino Ryan, de apenas quatro anos, foi atingido por uma bala que, ao que tudo indica, veio da Polícia Militar do Estado de São Paulo, enquanto brincava perto de casa com outras crianças. O menino foi atingido na barriga, chegou a ser socorrido, mas não resistiu.
Essa criança, de apenas quatro anos, que viveu toda a vida no Morro do São Bento, em Santos, perdeu o pai em fevereiro deste ano, também em uma operação policial. O pai dele usava muleta e tinha dificuldade de locomoção, mas a alegação da PM é que este estaria armado e em confronto.
Eu sou mãe de uma menina de nove meses, negra, como eu e como Ryan. Não consigo imaginar o tamanho da dor que Beatriz, a mãe de Ryan, está sentindo. O que sei é que, infelizmente, Ryan não é a primeira vítima da truculência da polícia de São Paulo, que é responsável por uma das operações mais letais da história do estado, que é a operação Escudo/Verão, na Baixada Santista.
Como parlamentar, um dos papeis que tenho que cumprir é o de fiscalização e cobrança das instituições do estado. E, por isso, nesta quarta 6, muito emocionada, questionei o Secretário de Segurança Pública do Governo do Estado Derrite, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), sobre as operações policiais e a morte de Ryan. Emprestei minha voz não só para Beatriz, mas para tantas outras mães que já perderam seus filhos ou vivem com esse medo diariamente. O secretário, de forma despreparada, respondeu chamando minhas indagações de ˜vitimismo barato˜.
Quero aqui explicar uma coisa: ninguém que sinta a perda de uma criança de apenas quatro anos pela bala da polícia pode ser chamada de vitimista. A nossa dor não é vitimização, a dor de uma mãe que não vai poder ver o filho crescer não é e não pode ser chamada de vitimização.
Ao invés de nos explicar o aumento de letalidade de civis em operações policiais, em um país que não tem pena de morte, o secretário prefere exaltar esses números e não responder o questionamento legítimo de uma deputada eleita na Assembleia Legislativa (Alesp).
Vale lembrar que não é uma coincidência. Uma pesquisa feita pela Rede de Observatório da Segurança, parte do estudo ‘Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão’ indica que 87,8% das vítimas de violência policial são negras, no Brasil. Em São Paulo, segundo o Instituto Sou da Paz, este ano o número de pessoas mortas por policiais cresceu 78% e 2 cada 3 destas pessoas são negras.
Antes de ser deputada, eu fui advogada criminalista, e acredito que ninguém pode ser chamado de criminoso sem prova e ampla defesa, mas, no caso da morte do menino Ryan, a própria PM admite que a bala deve ter vindo da polícia.
Como se não fosse suficiente, na manhã desta quinta 7, durante o cortejo ao Morro do São Bento, onde Ryan morava, e o seu sepultamento, a Polícia Militar esteve presente ostensivamente, abordando com agressividade familiares e amigos que só queriam o direito de velar uma criança. Como a negação do direito de despedida de uma mãe do seu filho de apenas quatro anos pode ser chamada de “vitimismo”?
A única certeza que temos é que não aguentamos mais a política de morte do Tarcísio de Freitas e do Derrite, a ostensiva contra o povo preto e pobre. Queremos nosso direito básico de viver. Quero o direito a um estado que minha filha possa brincar sem ser atingida pela polícia, que nossos filhos possam voltar para casa em segurança. A dor da Beatriz é minha, de milhares de mães, e não pode ser chamada de vitimismo.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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