Educação

assine e leia

Foco na inclusão

A Academia Brasileira de Ciências propõe a criação de faculdades federais dedicadas apenas ao ensino, como as community colleges dos EUA

Foco na inclusão
Foco na inclusão
Cenário. Somente 22% dos brasileiros entre 25 e 34 anos possuem diploma universitário, menos da metade da média dos países desenvolvidos da OCDE – Imagem: Arquivo/Universidade de Brasília
Apoie Siga-nos no

No Brasil, apenas 22% da população entre 25 e 34 anos tem diploma universitário, porcentual muito abaixo da média de 47% nos países da OCDE. Formulado há dez anos, o Plano Nacional de Educação propôs o aumento desse porcentual para 33% até 2024, meta impossível de ser cumprida, mesmo considerando a formidável expansão de vagas no setor privado, que hoje concentra 79% das matrículas. Para ampliar e democratizar o acesso ao ensino superior, um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentou, na manhã da quinta-feira 7, um conjunto de propostas, incluindo a ousada sugestão de o governo investir na criação de faculdades federais focadas no ensino.

As atuais universidades públicas seguem o modelo humboldtiano, no qual o ensino é indissociável da pesquisa e da extensão, conforme consagrado na Constituição de 1988. Esse modelo é reconhecido pela ABC como o que oferece a melhor qualidade na graduação e o único capaz de garantir um padrão aceitável no ensino de pós-graduação. No entanto, seu alto custo impede a expansão do ensino público e gratuito em uma escala que permita ao Brasil alcançar os níveis de países desenvolvidos.

“No passado, houve quem propusesse manter apenas as dez melhores universidades federais dedicadas à pesquisa, enquanto as demais seriam rebaixadas para unidades de ensino. Isso não é, de forma alguma, o que está sendo proposto. As universidades devem ser preservadas, incentivadas e cuidadas, pois desempenham um papel fundamental para a sociedade. Apenas entendemos não ser viável continuar a multiplicá-las. Precisamos considerar modelos alternativos para democratizar o acesso”, explica o físico Ado Jório, professor da UFMG e coordenador do GT responsável pelo relatório Um Olhar Sobre o Ensino Superior no Brasil.

“A proposta que a Academia está sugerindo não é para desmontar o que existe, mas sim para trazer outras alternativas de acesso ao ensino superior público sem interferir nas universidades, fundamentais para a pesquisa no Brasil”, reforça a presidente da ABC, Helena Nader, que também integrou o grupo de trabalho. “O mundo todo está repensando a educação superior, e o Brasil está atrasado em fazer isso. Daí a importância de colocar em discussão essa proposta.”

No ano passado, o Brasil gastou 13.569 dólares por estudante nas universidades públicas, segundo o relatório Education at a Glance 2024, da OCDE. O valor é inferior, mas não está muito distante da média de 17.138 dólares registrada nos países desenvolvidos que integram a organização. Alguns especialistas alertam, porém, que esse indicador não reflete o custo real por aluno, pois as instituições de ensino superior brasileiras frequentemente assumem responsabilidades que não são comuns em outras nações, como a gestão de hospitais, museus e até fazendas. Dados do Tribunal de Contas da União mostram que, em 2017, o custo corrente por aluno na UFRJ, a maior e mais antiga universidade federal do Brasil, foi de 33,7 mil reais naquele ano, valor que caía para 30,3 mil ­reais quando descontada a elevada despesa com seu hospital universitário.

O elevado custo das universidades de pesquisa tem sido um entrave à ampliação das matrículas no País, avalia a entidade

O estudo da Academia Brasileira de Ciências não entra nessa discussão, mas apresenta o exemplo do sistema californiano, no qual o ensino superior público está dividido em três segmentos. Mais focada em pesquisa, a University of ­California (UC) concentra 10% das matrículas. A California State University (CSU), que também desenvolve alguma pesquisa, embora este não seja o foco, abriga 18% dos estudantes. Já as community colleges existentes no estado dedicam-se exclusivamente ao ensino e abrigam 54% dos alunos – as demais matrículas são em instituições privadas. A diferença, em termos de investimento, é colossal. Nessas últimas, o ­custo por aluno é de 9,7 mil dólares por ano, muito abaixo das médias da UC (203,5 mil dólares) e da CSU (30,6 mil dólares).

Jório enfatiza que as faculdades comunitárias também se destacam pela versatilidade. Os cursos têm duração mais curta, normalmente de dois anos, e são focados em áreas específicas do mercado de trabalho. Há uma grande oferta de vagas no período noturno, visando incluir os alunos que precisam trabalhar durante o dia. “Esse sistema também permite uma mobilidade considerável. Se um aluno se destaca, ele pode migrar para outra estrutura, avançar nos estudos e também fazer pesquisa. Cerca de metade dos estudantes da CSU e um terço dos alunos da UC são oriundos de transferências das community colleges”, afirma. “É claro que uma universidade com ensino, pesquisa e extensão é superior do ponto de vista acadêmico, mas um país não é feito só de acadêmicos, precisamos de profissionais de todos os tipos. O que o Brasil mais precisa é diminuir a desigualdade. Não dá para pegar uma estrutura que, hoje, corresponde a menos de 5% das matrículas no ensino superior e expandir para metade dos nossos jovens. Financeiramente, isso não é viável.”

Além da criação de faculdades federais dedicadas exclusivamente ao ensino, em um modelo similar ao das community ­colleges dos EUA, a Academia Brasileira de Ciências defende a ampliação da oferta de vagas nos Institutos Federais e nos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), que pela legislação devem atuar predominantemente no ensino técnico de nível médio e na formação de docentes. Grande parte dessas matrículas, sustentam os especialistas, deve ser direcionada aos cursos técnicos (nível médio) e tecnológico (nível superior). O grupo propõe, ainda, a ampliação e qualificação da oferta de cursos EAD. “O ensino a distância é uma demanda real e irreversível da sociedade moderna. Hoje em dia, esse espaço é ocupado quase totalmente pelas instituições de ensino privadas. O ensino superior público precisa ampliar a oferta de cursos nessa modalidade, com maior qualidade”, diz um trecho do relatório.

Jório enfatiza, ainda, a preocupação de ampliar o acesso ao ensino superior “sem descuidar da sua qualidade”. Para isso, é indispensável reverter o cenário de subfinanciamento crônico existente no ensino superior público. O documento da ABC é muito claro em relação a esse ponto: “É fundamental o aporte de recursos em um robusto programa de recuperação da infraestrutura das universidades federais, o qual deve estar necessariamente acoplado, por meio de um conjunto de metas e indicadores rigorosos, a um programa de otimização de recursos, com metas de melhora da retenção e diminuição da evasão dos alunos em seus cursos”. •

Publicado na edição n° 1336 de CartaCapital, em 13 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Foco na inclusão’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo