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As semelhanças e diferenças nas vitórias de Trump em 2016 e 2024
Republicano volta ao poder com discurso mais inflamado e promete ampliar o cerco aos imigrantes ilegais nos EUA


Donald Trump volta ao poder nos Estados Unidos oito anos após vencer a democrata Hillary Clinton. Se, em 2016, a vitória republicana já foi considerada simbólica pelas ideias manifestadas pelo então candidato, a de 2024 consolida o peso da figura política de Trump em um país transformado.
Em 2016, Hillary teve 65,8 milhões de votos, quase três milhões a mais do que o republicano. Até aquele ano, nunca uma candidatura derrotada teve tantos votos. Entretanto, ao dominar os delegados do Colégio Eleitoral, Trump venceu o pleito.
Agora, Trump, além de garantir a vitória entre os delegados, também foi o preferido no voto popular. Até o momento, Trump já obteve mais de 71 milhões de votos, contra 66 milhões de votos da sua adversária, a democrata Kamala Harris. Nas urnas, esse é o melhor resultado para o Partido Republicano desde 2004, quando George W. Bush foi reeleito para a presidência dos EUA.
As diferenças e semelhanças de contexto
Em 2016, Trump era o candidato da mudança. Em 2024, também. Nas duas disputas, as candidatas vencidas por Trump eram representantes exemplares do establishment político norte-americano. Hillary tinha sido secretária de Estado durante o governo Barack Obama [2009-2017], enquanto Kamala é a atual vice-presidente do país.
A questão é que, por mais que tenha representado um vigor à campanha democrata, subindo nas pesquisas após a desistência de Joe Biden da disputa, Kamala não conseguiu imprimir um tom de mudança ao eleitorado norte-americano.
Segundo uma pesquisa recente da consultoria Atlas/Intel, 54,1% do eleitorado norte-americano disse que desaprovava o atual presidente. Parte expressiva dessa desaprovação se deve à percepção de que o custo de vida subiu nos últimos anos, atingindo diretamente a classe média norte-americana.
Não por acaso, apesar das pesquisas mostrarem um cenário acirrado entre Trump e Kamala, o republicano via, justamente, na área econômica a sua margem de manobra. Os levantamentos, que foram questionados em 2016, desta vez mostraram que os norte-americanos confiavam mais no candidato para conduzir a economia do país.
O voto latino
Estima-se que existam mais de 62 milhões de pessoas de origem hispânica nos EUA, segundo o US Census Bureau. Esse grupo, composto por pessoas de origem cubana, mexicana ou venezuelana, é heterogêneo.
Ao longo de toda a campanha, Trump fez questão de inflamar o seu discurso anti-imigração. Medidas contrárias à imigração também foram citadas no discurso de vitória de Trump, sendo bem recebidas pelos seus apoiadores.
Esse público, tradicionalmente, apoia o Partido Democrata. Mas esse apoio vem perdendo força nos últimos anos, especialmente pela presença de Trump no cenário político norte-americano.
Segundo a média das pesquisas boca de urna de 2016, Trump foi eleito naquele ano tendo cerca de um terço dos votos latinos nos EUA. O número era baixo, mas maior do que em candidaturas republicanas anteriores. Em 2012, por exemplo, Mitt Romney obteve cerca de 27% dos votos desse eleitorado.
Mesmo em 2020, quando foi derrotado, Trump avançou sobre o eleitorado latino. Segundo dados do instituto de pesquisas Pew Research Center, Trump teve cerca de 38% dos votos desse eleitorado há quatro anos.
Para este ano, as principais pesquisas de intenção de voto mostravam que a candidatura republicana poderia igualar forças com os democratas nesse eleitorado.
No final do mês passado, o levantamento da Siena College publicado pelo jornal The New York Times mostrou que Trump teria 42% da preferência do eleitorado latino, contra 52% de Kamala. Já o jornal USA Today, que publicou um levantamento da Suffolk University, mostrou que Trump teria 49% das intenções de votos entre latinos, sendo um percentual superior ao da democrata.
Um dado mais consolidado deve vir a público após o fim da apuração, que apesar de já ter um resultado, ainda precisa contabilizar votos em diversas partes do país.
Parte do eleitorado latino pode se sentir na defensiva diante de um discurso tão radical contra imigração, mas o próprio apoio a Trump mostra que, substancialmente, os imigrantes já estabelecidos nos EUA concordam com políticas mais rígidas.
Nesse contexto, é preciso levar em conta, também, que o número de imigrantes irregulares no país superou 11,7 milhões de pessoas no ano passado, segundo dados do Departamento de Segurança Interna dos EUA. Em 2020, o número de imigrantes irregulares era 1,2 milhão menor do que o atual.
Não apenas um partido, um movimento
Trump era um aliado incômodo do Partido Republicano, em 2016. Aquele excêntrico empresário era uma ruptura por demais significativa na plataforma republicana. Antes do pleito, não foram poucas as lideranças republicanas que retiraram o apoio a Trump, incluindo o então senador e ex-candidato à Casa Branca (em 2008), John McCain.
Oito anos depois, Trump não apenas tomou as rédeas do Partido Republicano, como transformou as suas ideias na cena norte-americana em um movimento. O “Make America Great Again”, movimento conhecido como MAGA e traduzido para o português em algo como “Faça a América Grande de novo”, virou uma referência direta à própria personalidade de Trump, ganhando a adesão de trabalhadores do país, afetados pelas crises na indústria.
Isso fez parte do Partido Republicano se distanciar das suas próprias origens, em um movimento de reconhecimento da força política de Trump. Essa mudança, cujo segundo mandato trumpista deverá mostrar ou não o verdadeiro valor, ratifica uma a vitória de um certo culto ao personalismo, que, apesar de presente, é raro na história da institucionalidade democrática dos EUA.
A política externa
Não foi apenas o contexto interno dos EUA que mudou. O mundo, nesses oito anos que separam as duas vitórias, passou por transformações de grande relevância. Um ambiente mais conflituoso, revelador de uma crise no multilateralismo, se formou no Oriente e no Ocidente.
Em 2016, a grande questão externa da eleição Trump x Hillary foi a suposta influência russa no pleito. Relatórios do Departamento de Justiça dos EUA mostraram contatos entre o governo Vladimir Putin e membros da campanha republicana. Segundo o documento, porém, não há provas de uma interferência direta, mas o tema ganhou o debate da época.
Agora, Trump chegou a disputa ciente de que, se chegasse ao poder, teria que lidar com as guerras no Leste Europeu e no Oriente Médio, com a guerra comercial com a China, entre outros pontos cruciais da geopolítica global.
Já no ano passado, poucos meses após o início do conflito entre Israel e o Hamas, uma pesquisa do NYT mostrou que 57% dos norte-americanos desaprovam a conduta de Biden no conflito. Mais que isso: quase 50% acreditavam que Trump, ainda pré-candidato, daria uma resposta melhor à crise.
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