Fashion Revolution
Transparência e descarbonização: o compromisso da moda com a justiça climática
Com metas mais claras, colaboração, transparência e o apoio de diferentes setores, a moda pode (e deve) intensificar seus esforços para se alinhar ao Acordo de Paris


Novembro é um mês decisivo para a agenda climática global: saímos da COP16 de biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e seguimos para a reunião do G20 no Rio de Janeiro, a COP 29 em Baku, Azerbaijão, e a reunião final do tratado internacional contra a poluição plástica, em Busan, Coreia do Sul. São grandes eventos que enfrentam as três grandes crises ambientais do nosso tempo: a mudança climática, a perda de biodiversidade e a poluição plástica. E, acredite, o setor da moda tem muito a contribuir nestes compromissões
Estamos falando muito além de tendências e passarelas: trata-se do terceiro maior setor de manufatura do mundo, cuja transformação estrutural é essencial para que os países atinjam a meta do Acordo de Paris — limitar o aquecimento global a no máximo 1,5ºC. O relatório Qual o combustível da Moda?, produzido pelo Fashion Revolution, aponta com clareza a principal estratégia para reduzir as emissões de carbono: a transição para energias renováveis. E lembra ainda que a Agência Internacional de Energia (AIE) pede que a produção de energia limpa seja triplicada para que o setor, e o planeta, avancem na direção certa.
Transparência e descarbonização são metas-chave para impulsionar a transformação sistêmica do setor. No caso da transparência, a ONU define o conceito como “a medição confiável, a produção de relatórios acessíveis e a revisão especializada do progresso rumo ao cumprimento das metas e compromissos climáticos de cada país”. Mas como aplicar essa transparência na moda?
Um exemplo prático está nas metas climáticas: a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e a eletrificação da cadeia de suprimentos com energia renovável. Hoje, nenhuma grande marca de moda do mundo faz isso. Como garantir, portanto, a veracidade das alegações de busca por emissões zero? Sem transparência e ações concretas, essas promessas podem criar uma falsa sensação de progresso em relação ao impacto climático.
A transparência é crucial também na questão da superprodução. A maioria das grandes marcas de moda, 89%, não divulga quantas peças produzem anualmente, e quase metade delas, 45%, não informa nem a quantidade de itens fabricados nem a pegada de emissões das matérias-primas utilizadas, aponta o relatório Qual o combustível da Moda?. Abordar as metas climáticas no setor exige uma análise cuidadosa tanto das matérias-primas quanto do volume de produção. Ignorar esses dados é incompatível com qualquer compromisso sério em relação à sustentabilidade.
As grandes marcas de moda precisam se comprometer de forma mais clara com a descarbonização, incluindo o financiamento da transição do carvão para a energia limpa — atualmente, apenas 6% delas divulgam o investimento anual em descarbonização. Essa falta de compromisso se reflete também na tendência de transferir os custos dessa transição para as fábricas que compõem suas cadeias de produção, onerando trabalhadores e comunidades que já enfrentam condições socioeconômicas desfavoráveis e têm menos poder de negociação.
No Brasil, o recém-lançado Índice de Transparência da Moda Brasil – edição comparativa mostrou que, entre 2018 e 2023, as 60 maiores marcas de moda presentes no país avançaram na divulgação de emissões de gases de efeito estufa. A porcentagem de marcas que reportam emissões dos Escopos 1 e 2 aumentou de 17% em 2019 para 45% em 2023, enquanto na cadeia de fornecimento (Escopo 3) esse índice subiu de 10% para 40% no mesmo período. No entanto, os avanços em relação ao desmatamento ainda são limitados: apenas 10% das empresas possuem um compromisso mensurável e com prazo definido para o desmatamento zero.
Com menos de 5 anos para reduzir pela metade as emissões globais até 2030, está claro que a indústria está se afastando cada vez mais dessa linha de vida crítica à medida que as emissões aumentam.
Demandas
Em diversas ações, o movimento global Fashion Revolution deixa claro quais são as reivindicações para o setor da moda. O relatório “Qual o combustível da Moda?” é um deles. Em setembro, o Fashion Revolution Brasil esteve presente na Semana do Clima de Nova Iorque, com uma mensagem clara: as grandes marcas de moda devem investir urgentemente onde estão suas emissões. O colapso climático é evitável porque temos a solução – e a grande moda certamente pode pagar por isso.
Foram reivindicados, por exemplo: que os responsáveis pela formulação de políticas melhorem a regulamentação para a descarbonização e que investidores financiem e cofinanciem projetos de energia renovável e descarbonização. Na COP29, o instituto brasileiro também estará presente e continuará a cobrar transparência das marcas para impulsionar a agenda climática da moda.
Além disso, o movimento global pontua que os cidadãos devem usar a sua voz para enviar e-mails às principais marcas e retalhistas e pedir-lhes que invistam pelo menos 2% das suas receitas anuais nos seus esforços de descarbonização e de transição justa.
A transição justa – hoje ainda esquecida por 96% das grandes marcas – é também fundamental para que trabalhadores da indústria possam se realocar em empregos mais sustentáveis sem perder sua renda.
O cuidado com falsas soluções também é outro ponto destacado pelo movimento. “Greenwashing” ou “lavagem verde” são práticas bem comuns em diversos setores e a moda não escapa delas. “Enquanto 58% das marcas divulgam metas de materiais sustentáveis, apenas 11% revelam as fontes de energia de sua cadeia de suprimentos, o que significa que roupas “sustentáveis” ainda podem ser feitas em fábricas movidas a combustíveis fósseis”, informa o relatório.
Por meio de metas mais claras, colaboração, compartilhamento de informações e apoio de diversos setores, incluindo público e privado, o setor da moda pode – e deve – alavancar esforços para seguir a agenda do 1.5ºC do Acordo de Paris.
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