Entrevistas
Luiz Eduardo Soares: PEC da Segurança de Lula tem limitações, mas está na direção correta
Para o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, a proposta é feliz em romper o silêncio federal sobre segurança, mas mantém divisão problemática entre policiamento e investigação


A PEC da Segurança Pública, apresentada pelo governo Lula (PT) em reunião com governadores nesta quinta-feira, possui arestas a aparar, mas aponta na direção correta para fazer frente ao avanço do crime organizado no Brasil. A avaliação é de Luiz Eduardo Soares, antropólogo e ex-Secretário Nacional de Segurança Pública.
O texto elaborado pelo Ministério da Justiça, sob a batuta de Ricardo Lewandowski, propõe mudanças constitucionais para dar à União maior poder de coordenação sobre políticas da área. Na prática, estabelece uma base legal para emitir diretrizes em todo o sistema de segurança, integrando dados e promovendo a atuação conjunta entre as polícias estaduais e a Polícia Federal.
Atualmente, cabe aos Estados gerenciar as políticas de segurança pública e coordenar as polícias civil e militar. Pela proposta, a Polícia Rodoviária Federal também passaria por mudanças: deixaria de atuar apenas nas rodovias, expandindo sua presença para portos, aeroportos, terras indígenas e fronteiras, transformando-se na Polícia Ostensiva Federal (POF).
Em entrevista ao programa Poder em Pauta, de CartaCapital, nesta sexta-feira, Soares apontou que a iniciativa revela uma disposição do governo em compartilhar responsabilidades no contexto da expansão das facções pelo território nacional.
A possibilidade de a PF atuar no combate às milícias, de acordo com Soares, é um dos pontos positivos da proposta. “Tem policial matando e executando extrajudicialmente. Não todos, evidentemente, mas há segmentos numerosos fazendo isso. Com a PF, poderíamos começar a lidar com nichos policiais que atuam como crime organizado”, pontua.
Ele critica, entretanto, a reformulação da PRF – que, segundo ele, reforça uma divisão “nefasta” que remonta ao modelo de segurança da ditadura militar. “Tende a reiterar o modelo dual estadual: de um lado a ostensividade, e de outro, a investigação. Preservar essa divisão é muito negativo.”
Na reunião com Lula, os governadores expuseram suas percepções sobre o texto e se comprometeram a enviar sugestões de alterações à proposta. Líderes ligados à direita, como Ronaldo Caiado (Goiás) e Jorginho Melo (Santa Catarina), criticaram a proposta, alegando que ela representa uma “interferência federal” nas prerrogativas estaduais.
“Os governadores estão propondo o quê? Manter o status quo? Estão satisfeitos com a situação atual? Reconhecem que o crime é transnacional, mas sugerem o quê para mudar? Que se continue com essa fragmentação?”, questiona Soares.
O modelo atual de segurança, descreve, é uma espécie de arquipélago: polícias isoladas, operando com seus próprios dados e critérios: “É como se ainda estivéssemos no século XIX.”
Diante das controvérsias, o pesquisador duvida que o texto avance no Congresso, mas reiteira que a iniciativa do governo é importante. “Sinaliza ao país: queremos dividir responsabilidade, contribuir, participar, mas precisamos de instrumentos que nos deem a autoridade para isso. Se há oposição que se nega, depois não se cobre do governo federal.”
Confira a entrevista na íntegra:
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