Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Polêmica exacerbada sobre ‘intervalo bíblico’ em escolas só beneficia fundamentalistas
É absolutamente razoável que alunos tenham o direito de organizar seus intervalos religiosos. A questão está nos limites que garantam o equilíbrio e o respeito


Em meio ao crescente debate sobre manifestações religiosas em espaços públicos, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) fará uma audiência pública para debater a presença de manifestações religiosas em escolas estaduais, respondendo a denúncias sobre a realização dos chamados “intervalos bíblicos” no ambiente escolar.
Os relatos envolvem encontros promovidos por estudantes, sobretudo em áreas comuns e reacenderam a questão da laicidade na educação pública e expuseram tensões sobre os limites da expressão religiosa no ambiente escolar. A polêmica, contudo, parece desnecessária e exacerbada – e acaba, ironicamente, beneficiando líderes fundamentalistas e suas agendas políticas.
Em Pernambuco, a superexposição do tema tem servido de vitrine para políticos ligados a igrejas, que manipulam a discussão e tentam transformar a defesa da educação laica em um ataque à liberdade religiosa.
É absolutamente razoável que os alunos tenham o direito de organizar seus intervalos religiosos, seja para um momento bíblico ou qualquer outra prática de fé. Permitir essa liberdade é um reconhecimento do direito de expressão dos alunos, legitimando sua vivência como parte do espaço democrático da escola – desde que, é claro, o exercício de sua fé não interfira nas atividades educacionais nem se transforme em uma imposição direta ou indireta aos demais.
A questão, portanto, são limites que assegurem equilíbrio. Esses momentos de reflexão devem acontecer exclusivamente nos horários de intervalo, sem jamais invadir o tempo destinado ao ensino, respeitando, assim, a missão educacional da instituição. Além disso, é importante que esses momentos não monopolizem todos os horários de intervalo, diariamente, o que colocaria em risco o convívio saudável entre alunos de crenças diversas, comprometendo a pluralidade que a escola pública deve promover e proteger.
Além disso, o uso de instrumentos musicais e caixas de som transforma o encontro em um evento de grande visibilidade, o que pode gerar desconforto entre os que não participam. Estes intervalos devem ter um caráter íntimo e de reflexão, sem buscar reproduzir o formato de um culto tradicional, qualquer que seja a crença.
Outro ponto que merece atenção são os relatos de que pessoas externas, incluindo músicos e pastores, têm acessado as escolas para participar dos intervalos bíblicos — algo que não é justificável sob nenhuma perspectiva razoável. Limitar a participação exclusivamente aos alunos é fundamental para que o ambiente escolar não se transforme em um espaço explorado por grupos com o objetivo de promover suas visões religiosas. A prática precisa manter-se simples e discreta, respeitando a diversidade e evitando a monopolização do espaço.
A escola é, antes de tudo, um lugar de aprendizado, e é também onde temas como sexualidade, prevenção ao uso de drogas, política e religião devem ser discutidos de forma plural e diversa, sem imposições ou opressões.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.