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Falta de transparência da Anatel impede Conselho Consultivo de exercer papel institucional na migração das concessões
Reunião nesta terça será uma oportunidade essencial para fortalecer a governança institucional e garantir que o interesse público prevaleça


Em meio ao controverso processo de migração da concessão da Oi para o regime de autorização, envolvendo a venda de bens-reversíveis pela empresa de telecomunicações, mais um fato veio à tona reforçando a ausência de transparência. O processo, conduzido pela Anatel ao longo dos últimos cinco anos, tem sido alvo de críticas por falta de acesso a informações fundamentais e condução negligente dos órgãos governamentais envolvidos na aprovação do acordo.
O Conselho Consultivo da Anatel (CC), responsável por opinar e acompanhar questões estratégicas de telecomunicações, não teve acesso às informações essenciais durante as fases mais relevantes do processo de migração. Estudos fundamentais, como o da AXON, indispensáveis para o cálculo dos saldos de migração, não foram apresentados ao CC.
Desde 2018, houve apenas uma apresentação geral sobre o processo de migração, durante a 215ª reunião do CC, em 5 de fevereiro de 2024. Na ata dessa reunião, ficou registrado que, após a finalização do processo no TCU, o tema seria apresentado novamente ao CC para análise e eventual emissão de parecer. Contudo, essa atualização nunca ocorreu, e a Anatel seguiu com a condução do processo sem nova consulta ao Conselho. Uma reunião extraordinária, inicialmente agendada para 25 de outubro de 2024, com o objetivo de firmar o acordo de migração, foi cancelada mais uma vez, adiando a deliberação.
Inclusão do tema na pauta da reunião do Conselho Consultivo
Em resposta ao ofício encaminhado pela conselheira do CC Cristiana Gonzalez solicitando a abertura de processo administrativo para análise e debate sobre a migração da concessão da Oi pelo Conselho Consultivo, a Anatel se manifestou por meio do Ofício nº 169/2024/PR-ANATEL. Segundo Gonzalez, “a presidência afirmou que o processo já havia sido legitimado por órgãos governamentais (AGU, TCU e MCOM) e estaria pronto para deliberação”. Essa resposta evidencia a desconsideração da necessidade de consulta formal ao Conselho Consultivo ao longo das diversas fases de revisão do processo.
Entretanto, o tema foi incluído na pauta da 222ª reunião do Conselho Consultivo, marcada para esta terça-feira 29, às 14h, quando se espera que finalmente receba a análise devida e seja discutida à luz das atribuições legais do CC.
TCU e a falta de reavaliação de bens
O processo de migração foi aprovado pelo TCU por meio do Acórdão nº 1315/2024. No entanto, os itens 9.2 e 9.4 do Acórdão nº 516/2023 exigiam a reavaliação dos bens da Oi com base nos preços de mercado, uma etapa que não foi concluída antes da votação. A ausência dessa reavaliação compromete a integridade do processo e gera dúvidas quanto à conformidade das etapas realizadas até o momento.
Pressão sobre a AGU e riscos jurídicos
Em reunião oficial realizada em 23 de setembro, a AGU admitiu não ter analisado o mérito das questões técnicas e jurídicas envolvidas no processo, mencionando a falta de corpo técnico especializado. Além disso, a AGU relatou ter recebido pedido enfático e pressão de Ministério das Comunicações, Anatel e Oi para que o acordo fosse assinado até o final de setembro, com o argumento de que a concessionária correria o risco de não cumprir suas obrigações junto à Anatel.
A sociedade civil vem ressaltando que a legislação não pode retroagir em benefício da Oi, sob pena de violar o Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Legalidade. A modificação unilateral das condições contratuais para favorecer a concessionária traz alto risco de judicialização e compromete o equilíbrio econômico dos contratos de concessão.
Transparência e participação social como princípios essenciais
A sociedade civil reforça a necessidade da consulta efetiva ao Conselho Consultivo no processo deliberativo da Anatel. O envolvimento do CC é fundamental para assegurar que as decisões que impactam o setor de telecomunicações sejam claras, acessíveis e alinhadas ao interesse público, evitando questionamentos futuros. O parecer qualificado desse colegiado é essencial para subsidiar a tomada de decisão do Conselho Diretor, prezando pela transparência e pela participação social.
Com a inclusão da discussão na reunião do CC marcada esta terça-feira 29, a sociedade civil espera que as deliberações possam ocorrer em conformidade com os princípios administrativos e legais. A reunião será uma oportunidade essencial para fortalecer a governança institucional e garantir que o interesse público prevaleça.
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