Política
‘Achar que basta a economia é não compreender por que a direita tem sucesso’
A esquerda sente o baque das urnas em 2024 e começa, mais uma vez, a discutir erros. A disputa presidencial e legado de longo prazo dependem de um diagnóstico preciso


Após sofrer o baque das eleições municipais, a esquerda precisa repensar sua base social e refletir sobre a construção de lideranças, sem aderir a supostas respostas prontas como reduzir o chamado ‘identitarismo’ em suas bandeiras, afirmou a CartaCapital o cientista político Jorge Chaloub, professor da UFRJ.
Os resultados do pleito deste ano confiram a dificuldade do campo progressista em disputas municipais. No topo do ranking dos partidos que mais elegeram prefeitos estão PSD, MDB, PP, União Brasil, PL e Republicanos — todos entre a centro-direita e a direita.
O PT até avançou – de 184 prefeitos em 2020 para 252 neste ano – mas o baixo crescimento, a dificuldade em grandes cidades e apenas um triunfo em capitais impedem a caracterização de uma grande vitória.
O PSB fez 312 prefeitos (leve aumento frente a 2020), o PDT elegeu 151 (uma queda brutal de 259 prefeitos em comparação com quatro anos atrás) e o PCdoB conquistou 19 vitórias. O PSOL, por sua vez, não conseguiu eleger qualquer candidato no Executivo municipal.
Algumas derrotas da esquerda são particularmente expressivas, como em São Paulo, onde Guilherme Boulos (PSOL) teve o maior volume de recursos do Fundo Eleitoral e cresceu apenas 7% no número de votos em relação ao segundo turno de 2020, quando não teve o apoio do PT desde o início.
Nas últimas horas, as redes sociais foram tomadas por “sugestões” sobre como a esquerda deve lidar com o chacoalhão nas urnas e se preparar não apenas para 2026, mas para turbinar sua relevância nas cidades.
Uma das avaliações corriqueiras é a suposta necessidade de “suavizar” o discurso a fim de atrair eleitores de centro. Inegavelmente, Boulos apostou nessa tática e fez uma campanha muito menos à esquerda que a de 2020. Os resultados, como se viu, foram muito semelhantes.
Em Cuiabá, o petista Lúdio Cabral também adotou uma plataforma projetada para cativar conservadores, mas perdeu para Abilio Brunini (PL), um dos bolsonaristas mais caricatos na Câmara dos Deputados.
“A esquerda precisa repensar sua base e não acho que seja só moderar, como não acho que o problema seja o identitarismo”, afirmou Jorge Chaloub ao programa Direto das Eleições, transmitido por CartaCapital no YouTube. “É uma coisa superficial, porque a direita disputa essas pautas. Tirar o identitarismo e achar que é só economia é não compreender por que a direita tem tanto sucesso, seja pela economia, seja pelas identidades.”
Também não se trata, segundo ele, de acreditar que a radicalização levaria obrigatoriamente a vitórias. “Não há respostas fáceis. É construir base, pensar base social e construir lideranças. Por vezes perder e recuar, mas construir uma base importante a médio prazo.”
Para Chaloub, é infantilidade supor que os principais atores da esquerda não perceberam as mudanças no mundo do trabalho e os novos valores, inclusive morais, latentes na sociedade. A dificuldade está em reagir a isso com a formação de novas lideranças e sem abrir mão de bandeiras que, se descartadas, inviabilizariam a própria esquerda.
“A identidade de esquerda pressupõe um certo quantum de não pragmatismo, porque tem um certo compromisso com a mudança e com horizontes.”
Isso ajuda a explicar por que Boulos, apesar da moderação presente em sua campanha — especialmente no segundo turno — amargou uma derrota incontestável.
“É ingenuidade achar que basta dizer que é de esquerda, porque isso ignora limitações estruturais. Mas também me incomoda a ideia de que só falta moderar e dialogar”, enfatiza o cientista político. “Tem coisas que estão além da estratégia política em uma eleição. São movimentos da sociedade, e vai demorar para a esquerda conseguir reagir a eles.”
Também seria equivocado analisar o Brasil que emergiu das urnas neste mês sem considerar a captura do Orçamento por um Congresso Nacional cada vez mais voraz, com uma forte bancada de direita — e de extrema-direita — e sob o predomínio de partidos que, embora estejam formalmente na base do governo, com frequência agem como oposição. São os casos de PSD, MDB, Republicanos, PP e União Brasil.
“Espero que a vitória dos partidos que compõem a base, que está sendo computada como vitória do governo, possa se traduzir em apoio em 2026, para além do que já havia em 2022”, disse a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, ao jornal Folha de S.Paulo.
Da cobrança de Gleisi à exaltação de Tarcísio de Freitas (Republicanos) pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), passando pelo fenômeno Pablo Marçal (PRTB), a política fecha as urnas em 2024 e começa a calcular o impacto de cada movimento sobre as próximas disputas nacionais.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Congresso retoma atividades após eleições; confira agenda
Por André Lucena
Os partidos que mais venceram capitais nas eleições de 2024
Por CartaCapital
PSD de Kassab lidera o ranking de prefeituras após o 2º turno; MDB é o vice-líder
Por CartaCapital