Política
A sorte está lançada
Desta vez com maior presença de Lula, o campo progressista luta para conter avanço da direita nas capitais


Ausência sentida nos palanques no primeiro turno, Lula fez a diferença neste segundo e turbinou a campanha em capitais e grandes cidades nas quais o PT tem chances reais de vitória. Com isso, pode ajudar o campo progressista a conquistar prefeituras importantes no próximo domingo 27. O partido do presidente aposta todas as fichas em Fortaleza, onde o cenário parece mais promissor, mas também em Natal, Cuiabá, Camaçari e Olinda, onde tem candidaturas competitivas. Em São Paulo, o aliado Guilherme Boulos, do PSOL, tem o desafio de reverter a grande desvantagem nas pesquisas para o prefeito Ricardo Nunes, candidato à reeleição pelo MDB, ou pelo menos garantir que significativa parcela do eleitorado continue ao lado da esquerda em um importante colégio eleitoral para a disputa de 2026.
Neste segundo turno, Lula esteve em Fortaleza, Natal e Camaçari, polo industrial da Grande Salvador. Ao contrário do ocorrido na maioria dos municípios, onde o debate se concentrou em questões locais, a disputa na capital cearense também expressou a polarização política vista no cenário nacional. O PT enfrenta o deputado federal André Fernandes, candidato do PL e representante da nova geração do bolsonarismo, ainda mais radical que a precursora. Com apenas 26 anos, Fernandes consolida-se como expoente do ultraconservadorismo no Ceará, desbancando o veterano Capitão Wagner, do União Brasil, representante da direita tradicional com fama de cavalo paraguaio. Investigado pelo STF por envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Fernandes está tecnicamente empatado com Evandro Leitão, do PT, atual presidente da Assembleia Legislativa.
Em Fortaleza, o PT testará a sua força em um confronto direto com o PL de Jair Bolsonaro
Em pesquisa da Quaest divulgada na quarta-feira 23, o petista figurava com 44% das intenções de voto, seguido de perto pelo bolsonarista, com 42%. Na rodada anterior, divulgada pelo instituto no dia 17 de outubro, os dois apareciam com 43%. Diante do cenário imprevisível, é provável que o vencedor só seja conhecido nos momentos finais da apuração de votos. Nos últimos dias de campanha, os candidatos apostaram em eventos de rua e propaganda negativa, um contra o outro. Do lado de Leitão, o deputado federal José Guimarães, líder do PT na Câmara, divulgou um vídeo em que Fernandes aparece desdenhando do número de feminicídios no Brasil e chega a usar o termo “dane-se!” O bolsonarista, por sua vez, explorou um ato falho de Leitão, que afirmou, durante uma entrevista, que seria um “prefeito ausente”, quando, na verdade, queria dizer “presente”.
Para além da troca de farpas, o que pode realmente pesar nas urnas são as novas adesões que os dois palanques receberam. Derrotado em 6 de outubro, o PDT do prefeito José Sarto preferiu a neutralidade a apoiar Leitão, postura parecida com a de Ciro Gomes, principal líder do partido no Ceará. Já um de seus principais aliados, o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, não só declarou apoio a Fernandes como tem participado dos eventos de campanha, postura oposta à do presidente nacional do PDT, o deputado federal André Figueiredo, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi, que chegou a chamar Fernandes de “filhote da ditadura” nas redes sociais. Na reta final, Leitão também recebeu o reforço do vice-presidente Geraldo Alckmin, que participou, ao lado do petista, de um evento com empresários, e do prefeito do Recife, João Campos, reeleito no primeiro turno com mais de 78% dos votos válidos, que também marcou presença na campanha.
Padrinho. O petista Evandro Leitão teve Camilo Santana como seu principal fiador político. Se conseguir vencer, o ministro da Educação também sairá fortalecido – Imagem: Redes Sociais
“Para o PT, eleger Leitão representa uma vitória considerável, porque Fortaleza é uma das capitais mais importantes do Nordeste e um colégio eleitoral de peso. Seria uma vitrine para o partido, pensando nas eleições de 2026”, analisa a socióloga Monalisa Torres, professora da Uece e integrante do Observatório das Eleições, acrescentando que o ministro da Educação, Camilo Santana, também sairia fortalecido, por ter sido o principal fiador do candidato. “Independentemente do resultado, vemos uma reorganização da direita em torno de uma liderança mais estridente e radical. Fernandes é um representante dessa nova geração do bolsonarismo.”
Em Natal, a deputada federal Natália Bonavides está atrás de Paulinho Freire, do União Brasil, mas ainda pode surpreender nas urnas. Na pesquisa AtlasIntel da segunda-feira 21, a petista tinha 44,9% dos votos válidos, contra 55,1% do adversário. “Natal vive um longo período de marasmo administrativo, onde problemas históricos da cidade não são enfrentados. O PT nunca teve a oportunidade de administrar a capital, mas agora temos uma chance única de fazer uma prefeitura alinhada com os governos estadual e federal e que vai priorizar o povo de Natal na gestão”, salienta Bonavides.
Natal. Nas pesquisas, a candidata do PT ainda figura atrás de Paulinho Freire, do União Brasil, mas pode surpreender – Imagem: Redes Sociais
Para o cientista político Anderson Santos, professor da UFRN, a campanha está indefinida, apesar de Freire aparecer numericamente à frente. “Se Natália vencer, será a renovação e oxigenação do PT, um quadro jovem do partido que chegará à prefeitura pela primeira vez. O governo de Fátima Bezerra está mal avaliado e não se vislumbra, no atual momento, que ela faça o sucessor. Uma vitória de Natália fortalece o PT junto a seus aliados”, diz.
Em Camaçari, o petista e ex-prefeito Luiz Caetano lidera a disputa, mas é seguido de perto, muito perto, por Flávio Matos, do União Brasil. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Potencial na segunda-feira 21, o petista tem 46,7% das intenções de voto, ante 44,8% de Matos, com uma margem de erro de 4 pontos porcentuais. Esta é a primeira vez que Camaçari terá segundo turno numa eleição municipal. Por pouco não houve uma definição logo na primeira votação. Os dois candidatos saíram das urnas com uma diferença ínfima: Caetano teve 49,52% e Matos, 49,17%, menos de 600 votos de diferença. “O cenário está bastante equilibrado, mas penso que o viés lulista pode influenciar Caetano nesta reta final e o desgaste da gestão do atual prefeito pode ser um fator decisivo. Seguramente, será uma disputa acirrada entre dois grupos, um do União Brasil, que governa Salvador, e outro do PT, à frente do governo baiano”, avalia Carlos André de Souza, cientista político e professor da Unilab.
Em Pernambuco, o petista Vinícius Castelo tem grande chance de se eleger prefeito de Olinda, na região metropolitana do Recife. Castelo surpreendeu no primeiro turno ao liderar, com 38,75% dos votos, à frente de Mirela Almeida, do PSD, candidata do atual prefeito e favorita até então, com 30,02%. Fora do Nordeste, o PT ainda pode surpreender em Cuiabá, capital de Mato Grosso. O médico Lúdio Cabral aparece na pesquisa Percent, divulgada na terça-feira 22, com 53,2% dos votos válidos, enquanto Abílio Brunini, do PL de Bolsonaro, tem 46,8%. Na pesquisa do Instituto AtlasIntel, divulgada também no dia 22, o candidato bolsonarista aparece na frente, com 53,5%, enquanto o petista marca 46,5%. Definição mesmo, só nas urnas.
Na capital potiguar, Natália Bonavides emerge como uma nova liderança do campo progressista
Em Porto Alegre e São Paulo, o cenário é bem mais complicado. Sebastião Melo, do MDB, lidera com folga as pesquisas na capital gaúcha, muito à frente da petista Maria do Rosário. Após as inundações que devastaram a cidade em maio, agravadas pela falta de manutenção do sistema municipal antienchentes, muitos acreditaram que o prefeito estaria liquidado. Melo conseguiu, porém, reconquistar a confiança dos eleitores ao prestar auxílio às famílias atingidas e liderar os esforços de reconstrução na cidade, com fartos recursos federais.
Na capital paulista, Guilherme Boulos conseguiu reduzir um pouco a distância em relação a Nunes, mas ainda falta muito para escalar. Se perder, não será por falta de empenho. “Vou passar 24 horas por dia conversando com as pessoas e virando voto”, anunciou o candidato do PSOL na segunda-feira 21. O deputado nem volta mais para casa, tem dormido todas as noites no lar de um apoiador diferente. A ideia é se aproximar dos eleitores e aproveitar o tempo ao máximo. A ação, que ele batizou de “Caravana da Virada”, é exibida em lives em tempo real. Na tentativa de diminuir a rejeição, Boulos também leu uma “Carta ao Povo de São Paulo”, na qual se compromete a governar pautado pelo diálogo e “sem amarras ideológicas”, reeditando a estratégia de Lula em 2002, quando o líder petista lançou sua “Carta ao Povo Brasileiro” para diminuir as resistências de empresários e do setor financeiro ao seu nome.
O deputado conta com o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Márcio França, ambos do PSB de Tabata Amaral, para reforçar o seu palanque. Na terça-feira 22, eles participaram de um grande evento no Teatro Gazeta, na Avenida Paulista, com a presença da petista Marta Suplicy, vice na chapa de Boulos, e dezenas de intelectuais, artistas e dirigentes políticos. Alckmin chegou a vestir meias estampadas com o número “50”, do PSOL. Boulos também tem procurado lideranças evangélicas fora dos grandes templos, em sua maioria fechados com Bolsonaro e Nunes. É o caso do pastor Ariovaldo Ramos, da Comunidade Cristã Reformada, que integra a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e declarou apoio ao psolista.
Cuiabá. Na capital de um estado voltado ao agronegócio, o petista Cabral disputa voto a voto com o bolsonarista Brunini – Imagem: Redes Sociais
Já Nunes conta com o envergonhado apoio de Jair Bolsonaro, que finalmente participou de um evento de campanha, após mais de dois meses sem dar as caras, e confia que os eleitores de Pablo Marçal, em sua maioria bolsonaristas, jamais apoiariam um candidato progressista.
O cientista político Cláudio Couto, acredita que a dificuldade de Boulos em virar o jogo é muito mais um problema “estrutural da esquerda” que do próprio candidato. “A campanha foi bem conduzida, ele procurou fazer críticas sérias à atual gestão, mostrou as falhas, e teve oportunidade de crescimento com esse episódio da falha da Enel”, elenca o professor da FGV.
Na avaliação do especialista, mesmo que Boulos não consiga vencer este pleito, ele não sairá “menor do que entrou”. Ao contrário, consolida-se como uma competitiva liderança do campo progressista. “Boulos tem uma rejeição maior que candidatos de perfil moderado do próprio PT e, ainda assim, conseguiu manter uma certa coesão do eleitorado em torno dele”, explica. “A questão agora é saber qual o tamanho desse eleitorado.” •
Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A sorte está lançada’
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