Política
Fresta aberta
O Sínodo dos Bispos alimenta a esperança de maior reconhecimento do protagonismo feminino na Igreja Católica


A 16ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos tem um significado especial para as mulheres católicas. Pela primeira vez na história da reunião episcopal, concebida pelo papa Paulo VI em 1965, elas têm direito a voto em um dos principais eventos de consulta do Vaticano para definir os rumos da Igreja Romana. O documento final deverá ser votado no próximo sábado 26. Temas controversos, como a inclusão de pessoas LGBTQIA+, a ordenação de padres casados e o acesso das mulheres ao diaconato, com poder de celebrar batismos e casamentos, devem ficar de fora do texto, graças à firme reação da ala conservadora. Ainda assim, representantes do laicato feminino vislumbram uma abertura na decisão do papa Francisco de ampliar a participação das mulheres em esferas decisórias.
“Esse papado vem dando uma força importante para a inclusão das mulheres nos espaços de decisão da Igreja. No próprio Vaticano, existem várias assumindo cargos importantes, antes reservados apenas a bispos ou padres”, observa Maria Cristina dos Anjos, assessora de migração da Cáritas Brasileira e uma das 54 convidadas para participar do histórico encontro sinodal. “Antes, as mulheres só participavam como ouvintes ou para secretariar as reuniões. Agora, elas têm direito a voz e voto. Estamos fazendo história. São sinais de que a Igreja, com a contribuição inegável do papa Francisco, está reconhecendo o protagonismo feminino.”
De fato, em 2022, Francisco nomeou três mulheres para integrar o poderoso Dicastério para os Bispos, responsável pela eleição dos novos pastores diocesanos: as irmãs Raffaella Petrini, secretária-geral do Governorato do Estado da Cidade do Vaticano, e Yvonne Reungoat, ex-superiora-geral das Filhas de Maria Auxiliadora, além da doutora Maria Lia Zervino, presidente da União Mundial de Organizações Femininas Católicas. Entre as leigas que já ocupavam cargos de alto nível no Vaticano, figuram Barbara Jatta, a primeira diretora dos Museus Vaticanos, Nataša Govekar, chefe do departamento teológico-pastoral do Dicastério para a Comunicação, e Cristiane Murray, vice-diretora da Sala de Imprensa Vaticana. Todas elas foram nomeadas no atual pontificado.
Mulher negra e oriunda de uma comunidade simples em Pirapora, no norte de Minas Gerais, Cristina dos Anjos cresceu vendo a mãe fazendo pregações e tomando a frente de diversos serviços da paróquia local. Ainda hoje, acrescenta, são as mulheres que asseguram a presença da Igreja em comunidades pobres e distantes dos grandes centros urbanos. “Vemos isso claramente na Amazônia, mas não só lá. Podemos dizer que, de maneira geral, as igrejas católicas no Brasil estão vivas graças ao trabalho das mulheres. O papa criou, inclusive, um grupo de trabalho para discutir essa temática no Sínodo. Está ficando cada vez mais evidente que a experiência prática deve guiar as decisões. Vivemos um tempo de mudanças, é um momento muito rico e importante para a Igreja. Não há como retroceder.”
Pela primeira vez, as mulheres têm direito a voto em um dos mais importantes eventos da Santa Sé
A assistente social Sônia Gomes de Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, é outra brasileira que viajou ao Vaticano para participar da assembleia do Sínodo. Recentemente, ela esteve na Amazônia e viu de perto o protagonismo exercido pelas mulheres nas comunidades ribeirinhas.
“Devido à escassez de sacerdotes na região, há lugares que ficam meses, até um ano, sem receber um padre. Com essa realidade, de locais que só são acessíveis após muitas horas de viagem de barco, são as mulheres que asseguram a presença da Igreja. Elas pregam a Palavra de Deus, atendem quem está morrendo e, mesmo sem ter o ministério, fazem até batismos. O próprio arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, observa que muitas dessas mulheres já são diaconisas na prática, só não têm esse ministério reconhecido.”
Em recente entrevista na Sala de Imprensa do Vaticano, Dom Leonardo defendeu o acesso das mulheres ao diaconato, hoje só ocupado por sacerdotes em formação ou por homens casados. “As mulheres na Amazônia têm um papel fundamental. Nós todos sabemos que, na nossa região, por mais de cem anos, as comunidades viveram sem a presença do presbítero, do padre. E as comunidades continuaram vivas, organizadas, rezando, celebrando e tendo os seus modos de oração. Nesse sentido, foram as mulheres que levaram adiante as comunidades, e hoje também estão levando à frente as nossas comunidades.” O cardeal observa que várias mulheres na sua arquidiocese já receberam os ministérios da Eucaristia e da Palavra de Deus. “E nós estamos agora propondo para algumas comunidades, mais distantes, que elas também possam receber algum sacramento (das mulheres), como, por exemplo, o batismo, sem a presença do padre.”
Oliveira enfatiza que o diaconato feminino não é uma panaceia nem uma pauta de todas as mulheres que participam do encontro, mas seria, na sua avaliação, um reconhecimento do trabalho que desenvolvem. “Hoje, quem mais anima as comunidades são as mulheres, mas elas também querem ser protagonistas nas decisões tomadas nas paróquias, nas dioceses”, diz, enfatizando que um dos maiores desafios dos católicos, hoje, é tornar a Igreja mais inclusiva e diversa. A percepção é partilhada por Cristina dos Anjos: “Não tem como negar a discussão sobre a presença e o papel das mulheres e dos leigos na Igreja hoje, entendendo que o laicato, de modo geral, é uma ponte com o mundo, é quem está no cotidiano”. •
Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fresta aberta’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.