Sustentabilidade
Treino para Belém
O Brasil chega à conferência do clima no Azerbaijão com o peso de sediar a reunião do próximo ano


Em menos de três semanas, autoridades, empresários e ativistas se reunirão em Baku, capital do Azerbaijão, para a 29ª conferência do clima das Nações Unidas. Em meio à continuidade da guerra na Ucrânia, ao massacre promovido por Israel em Gaza e no Líbano e à indecifrável eleição presidencial nos Estados Unidos, o encontro na antiga república soviética tende a chamar menos atenção do que as plenárias anteriores. Ainda assim, a cúpula merecerá atenção especial do Brasil, que chega com o peso de sediar, em Belém, o evento no próximo ano.
Uma das metas do governo brasileiro durante a COP-29 será destravar as negociações em torno do financiamento a projetos de adaptação ou mitigação dos efeitos das mudanças climáticas nas nações mais pobres e vulneráveis. A discussão, espinhosa, arrasta-se desde 2001, quando foi concebido o Protocolo de Kyoto, embrião do Acordo de Paris, assinado em 2015, no qual os países ricos voltaram a se comprometer com um repasse anual de 100 bilhões de dólares aos Estados em desenvolvimento. Até agora, o fundo criado em 2020 arrecadou cerca de um quarto do valor, muito aquém dos compromissos bastante modestos do mundo rico. Neste meio-tempo, o mundo enfrentou a pandemia da Covid-19 e assistiu à explosão de conflitos bélicos de monta.
Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o financiamento solidário é o pilar de confiança do Acordo de Paris, por isso é essencial um “acordo razoável” sobre o tema no Azerbaijão. “Trata-se de um ponto-chave para que os países em desenvolvimento implementem suas metas climáticas e eliminem a dependência de suas economias dos combustíveis fósseis.”
Garantir o financiamento aos países em desenvolvimento é um dos objetivos de Brasília
As diretrizes da atuação do governo brasileiro na COP-29 foram apresentadas em 17 de outubro pela secretária nacional de Mudança do Clima do ministério, Ana Toni, e pelo embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Ambiente e Energia do Itamaraty. O principal tema de negociação proposto pelo governo brasileiro será a Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento (NCQG, na sigla em inglês), que determinará um novo valor a ser direcionado anualmente aos emergentes e oficialmente decretará a falência do acordo anterior. “Há temas em discussão no âmbito na NCQG, como a transparência no cumprimento da meta de financiamento, o que permitirá monitorar como os recursos estão chegando aos países em desenvolvimento. Garantir transparência será uma das grandes bandeiras do Brasil em Baku”, diz Toni.
De acordo com a equipe técnica do ministério, outro ponto importante é a definição a respeito da divisão dos novos recursos e de quais tipos de projeto serão financiados entre um vasto leque de possibilidades de ações de mitigação, adaptação ou redução de emissões. Faltam ser definidos ainda alguns “detalhes”: quem vai pagar a conta, quando e quanto. Os países em desenvolvimento, reunidos no bloco G77+China propõem que o financiamento caiba às nações mais desenvolvidas, por serem as maiores emissoras históricas de gases de efeito estufa. A possibilidade de alguns emergentes financiarem voluntariamente a ação climática em outros Estados do Sul Global, como ocorre em vários casos, não está descartada. Outro ponto em aberto é a duração da NCQG, com uma proposta de cinco anos, até 2030, como a meta anterior, e outra de dez anos, o que permitirá que o compromisso seja renegociado em 2035 durante a terceira rodada das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para a redução das emissões pelos países signatários do Acordo de Paris.
Além do governo, o Congresso mobilizou-se antes da viagem ao Azerbaijão. Na quinta-feira 24, foi lançado um documento com posicionamentos e recomendações para a COP-29 elaborado pela Frente Parlamentar Ambientalista, em parceria com o Observatório do Código Florestal. O texto elenca orientações para a atuação da delegação brasileira na COP-29 e enfatiza a relevância de seu “caráter preparatório” à COP-30 do próximo ano. “O Brasil deve posicionar-se como uma potência climática por meio de uma NDC sólida e ambiciosa que possa servir de exemplo para outras nações”, destaca o documento.
Hora da verdade. Preservar os biomas é essencial, mas não se pode escapar do debate sobre o consumo de combustíveis fósseis – Imagem: Stuart Conway/BP Images e iStockphoto
Coordenador da frente parlamentar, o deputado federal Nilto Tatto, do PT, afirma que o Brasil defenderá em Baku que os recursos da nova NCQG sejam elevados dos atuais – e não cumpridos – 100 bilhões de dólares anuais para 1 trilhão, levando-se em consideração as responsabilidades diferentes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. “A COP-29 ocorre em um cenário de eventos climáticos extremos e busca aumentar os compromissos internacionais contra a crise climática.” Outro debate crucial, diz o parlamentar, trata do capítulo de Transição Energética Justa. “A COP-29 focará em mecanismos para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. O Brasil deve liderar esse debate sobre a transição, assegurando justiça social e inclusão de grupos vulneráveis.”
A transição energética e o financiamento a medidas de preservação são discussões que se arrastam ao longo do tempo. Grande produtor de petróleo e gás, o Azerbaijão anunciou a criação de um fundo para o combate às mudanças climáticas. Os recursos virão da indústria petroleira, o que repete um vício de origem que explica a paralisia das COPs sobre o clima e também simboliza a cegueira – ou hipocrisia – dos principais líderes mundiais. Oriundo do setor, o presidente da conferência, Mukhtar Babayev, ministro da Ecologia e Recursos Naturais do Azerbaijão, fez na quarta-feira 23 um apelo para os países endossarem as medidas propostas. “As declarações e promessas feitas durante a preparação da COP-29 são ferramentas vitais para impulsionar o progresso das ações climáticas. Elas enviam fortes sinais ao mercado, ajudam a direcionar os fluxos financeiros e promovem um senso de responsabilidade compartilhada.”
A sociedade civil estará presente em Baku, mas aposta na COP-30, em Belém, como o ponto de virada na política ambiental global. “Os olhos do mundo estarão sobre o Brasil porque o País é a próxima presidência de uma COP muito aguardada, por ser a primeira em uma democracia em quatro anos, após as autocracias de Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão. Teremos uma COP democrática, finalmente, com direito de manifestação. E muita expectativa sobre a agenda”, afirma Cláudio Ângelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. O ambientalista diz esperar que o governo brasileiro consiga um lugar na agenda da COP-29 para fazer a discussão sobre combustíveis fósseis. “A maioria dos países não quer travar esse debate, mas não temos outra opção. Se quisermos estabilizar o aquecimento global em 1,5 grau, temos de começar a debater a sério qual o calendário da eliminação gradual dos combustíveis fósseis discutida na COP de Dubai.”
A transição ecológica justa é outro tema central da conferência
O Brasil, apesar dos últimos percalços e do cenário político interno desfavorável, terá, avalia Ângelo, coisas boas para mostrar no Azerbaijão. “Estamos vendo uma situação de queimadas gravíssima, mas o desmatamento na Amazônia continua a cair e a gente espera para este ano uma queda em torno de 20%, bastante coisa, e que resulta na redução das emissões.” O ambientalista cobra, porém, um “posicionamento forte” do governo na reafirmação do compromisso presidencial de zerar o desmatamento geral no País até 2030, e não apenas o ilegal. As COPs, prossegue, “nunca foram libertadas das garras da indústria do petróleo e menos ainda neste ano”, mas diz esperar que, mesmo nesse contexto e com a “presença maciça de lobistas”, os compromissos com a eliminação dos combustíveis fósseis avancem. “Tivemos em Dubai uma sinalização política nesse sentido, foi a primeira vez que isso constou numa decisão de conferência do clima. Não foi, evidentemente, um trabalho dos petroleiros nas presidências das COPs, mas fruto de uma pressão gigante da sociedade para que os líderes globais acordem para a realidade de que o mundo está tostando muito mais rápido do que qualquer cientista imaginava.”
Coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs pelo Meio Ambiente, o ambientalista Rubens Born aposta que o Brasil vai comportar-se mais como o anfitrião que pretende ser em 2025 do que, eventualmente, como líder de posições arrojadas em alguns dos temas. “Quando um país se assume como anfitrião e mediador de eventuais conflitos, os interesses e as possibilidades de ser mais arrojado ficam limitados. O Itamaraty vai tentar, nesse papel, evitar questões polêmicas da pauta doméstica como a expansão da exploração de petróleo na margem equatorial ao longo da costa do Amapá.”
Outro tema sensível, diz Born, é a continuidade da expansão do uso de combustíveis fósseis, a proposta de exploração do gás de fracking em alguns estados brasileiros e as tentativas do Parlamento de derrubar as metas de desmatamento zero. “O Brasil vai ter de enfrentar esses desafios internos que podem criar constrangimentos internacionais. E criarão.” O veterano das conferências ressalta que a reunião de Belém não pode ser tratada como a “COP da Amazônia” ou a “COP da Floresta”, como se diz em alguns setores. “Embora as emissões do Brasil sejam em grande parte ligadas ao desmatamento e às mudanças no solo, a COP do Clima é um evento internacional e seu grande desafio é a redução das emissões de gases de efeito estufa, especialmente pelo uso de combustíveis.” •
Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Treino para Belém’
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