Beta Boechat

Criadora de conteúdo, publicitária e empreendedora. Sócia- fundadora do Movimento Corpo Livre e integrante do Conselho Jovem do Pacto Global da ONU.

Opinião

A Victoria’s Secret voltou, mas realmente evoluiu?

Desfile da marca que consagrou o padrão ultramagro trouxe também corpos mais diversos. Há alguns anos, seria pouco. Em 2024, talvez tenha sido aceitável

A Victoria’s Secret voltou, mas realmente evoluiu?
A Victoria’s Secret voltou, mas realmente evoluiu?
A modelo Bella Hadid desfila no Victoria's Secret Fashion Show 2024. Foto: Reprodução/Instagram
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Modelos famosas, shows badalados, estrutura de espetáculo e um dos assentos mais disputados da indústria da moda. Os fãs do mundo fashion puderam sentir o gostinho nostálgico de rever um dos espetáculos mais tradicionais da cultura pop dos anos 2000. O Victoria’s Secret Fashion Show sempre foi mais que um desfile: um espetáculo de dimensões faraônicas, com as modelos mais bem pagas do mercado, ostentando asas de anjo e lingeries sensuais. Nessa passarela, o vestuário era o que menos importava. As “angels” – nome dado ao time de celebridades da marca – marcaram tanto a cultura quanto os padrões estéticos das últimas décadas, que acabaram se tornando símbolos centrais a serem combatidos quando a sociedade começou a olhar mais atentamente para os prejuízos do que ficou conhecido como a “ditadura da beleza”.

Corpos esquálidos, mantidos a base de dietas absurdas. O que hoje passaria como escândalo, na época, era visto não só como normal, mas como desejável. Quem nunca ouviu, até com certa indiferença, que meninas estavam se alimentando de gelo e algodão para enganar a fome e não engordar? Que blogs de “ana” e “mia” (os apelidos que as jovens davam para anorexia e bulimia) se espalhavam pela internet com manuais, incentivos e até orações para se chegar ao “corpo perfeito”? Marcas estabelecidas, como a Abercrombie e a própria Victoria’s Secret, se vangloriavam de não fazer peças além do G, pois não queriam associar suas roupas a corpos que fossem “menos que o ideal”. Então tudo mudou.

Os anos 2010 foram marcados pela explosão de vários movimentos sociais. Novas ondas feministas, os direitos LGBTQIAPN+, os movimentos raciais. E ali no meio, como uma derivação americana do movimento feminista, se consolidava o body positive. Uma visão de mundo que questionava os padrões de beleza estabelecidos pela mídia, pela indústria, pela moda e pela sociedade como um todo. Se antes era aceitável um empresário dizer que não contratava pessoas gordas, negras, com deficiência, os ventos mudaram como um tornado. E os estragos não foram poucos. Em 2014, o CEO da Abercrombie caiu após denúncias de discriminação racial, sexual e assédio. A própria Victoria’s Secret quase foi à falência. O desfile, que acontecia anualmente desde 1995, foi cancelado em 2019. Tudo porque a marca se recusava a abandonar o padrão magérrimo de suas modelos, sendo pressionada a incluir corpos mais diversos e aumentar a diversidade racial e sexual de suas passarelas. De ícone fashion, a Victoria’s Secret se tornou sinônimo de um tempo que ficou para trás. Até esta última terça-feira.

O ‘heroin chic’, ou seja, o corpo tão magro que parece ser resultado de abuso de heroína, voltou como um desejo de consumo

A estrutura era a mesma. A agitação também. As modelos, nem tanto. Quem assistiu ao show pode ter percebido uma volta ao passado, mas houve passos em direção ao futuro, ainda que tímidos e vacilantes. A volta do VSFS se dá num momento curioso. Desde sua saída de cena em 2019, a moda se viu impelida a mudar. Novos corpos começaram a invadir as maiores passarelas do mundo, de Milão a Paris e até São Paulo. Aqueles que até então eram completamente ignorados, pareciam, pela primeira vez, estar sendo vistos como seres humanos também. No entanto, o que parecia uma revolução permanente não foi tão duradouro assim. 2024 marcou o ano do sumiço. Assim como uma saia plissada que sai de moda, também saíram esses outros corpos.

Não são poucos os relatos de modelos curve ou plus size que não fecharam um trabalho sequer nesta última temporada. Algumas marcas, que chegaram a abraçar as mudanças, desfilam agora como se nada tivesse acontecido, como se tudo não tivesse passado de um sonho bastante selvagem. Em paralelo, os TikTok e o Instagram estão cada vez mais repletos de uma sanha nostálgica de quando o mundo parecia mais “simples” – a expressão que costumamos usar para nos referir a uma época em que a maioria das pessoas só podia aceitar a realidade calada. O “heroin chic”, ou seja, o corpo tão magro que parece ser resultado de abuso de heroína, voltou como um desejo de consumo. Nessas horas, é difícil entender quem veio primeiro: o ovo ou a galinha. Mas o omelete já estava mais que servido.

Sou otimista. Em um momento tão favorável ao retorno de padrões excludentes, me pergunto se o desfile teria sido criticado caso trouxesse exatamente os mesmos corpos do passado. Felizmente, não foi o que aconteceu. No elenco, também havia corpos mais próximos da realidade: mulheres mais velhas, maiores, trans, negras. Alguns anos atrás, isso seria insuficiente. Em 2024, talvez seja aceitável. Houve uma evolução, mesmo que tímida. O verdadeiro desafio agora é continuar avançando nos próximos anos. Que os anjos digam amém.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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