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São Paulo/ A Enel deita e rola

Novo apagão expõe o cinismo dos privatistas e a omissão das autoridades

São Paulo/ A Enel deita e rola
São Paulo/ A Enel deita e rola
Em debate na Band, Boulos questionou o aval de Nunes à privatização da Sabesp e a negligência da prefeitura na poda preventiva de árvores. O emedebista tentou jogar a batata quente no colo de Lula – Imagem: Renato Pizzutto/Band e Renato Luiz Ferreira
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A mesma praça, o mesmo banco, o mesmo jardim na escuridão. Um temporal com fortes rajadas de vento deixou 3,1 milhões de domicílios paulistas sem luz na sexta-feira 11. Passados quatro dias, 250 mil consumidores continuavam às escuras na manhã da terça-feira 15, segundo um balanço da Enel, a concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica na Grande São Paulo. Somente para os setores do varejo e de serviços, o prejuízo ultrapassa a cifra de 1,65 bilhão de reais, estima a Federação do Comércio.

Desde que assumiu o controle da privatizada Eletropaulo em 1998, a empresa italiana coleciona episódios de descaso com os consumidores. Em novembro de 2023, cerca de 3,7 milhões de habitantes ficaram sem luz após uma tempestade. À época, a companhia demorou até seis dias para restabelecer a energia em certas localidades da região metropolitana.

No auge da recente crise, a Enel recusou-se até a estabelecer uma data para normalizar a operação. Atribuindo o enésimo fiasco às mudanças climáticas, como se elas fossem uma grande surpresa, a empresa precisou mobilizar trabalhadores de outros estados para consertar o estrago. Não seria preciso tamanho esforço se a concessionária não fosse negligente com a manutenção da rede elétrica, repleta de cabos suspensos ou soltos, que vez por outra provocam a eletrocussão de pedestres.

Para maximizar os lucros, a Enel reduziu drasticamente o seu quadro de funcionários. Em 2020, a empresa tinha quase 27 mil trabalhadores. O número despencou para 15.366 empregados no terceiro trimestre de 2023, pouco antes do primeiro apagão. Os investimentos também estão em queda. Em 2023, eles somaram 1,6 bilhão de reais, recuo de 16,1% na comparação com o ano anterior.

Silveira acusa o prefeito de São Paulo de semear fake news – Imagem: Tauan Alencar/Ministério de Minas e Energia

Com a repetição dos apagões prolongados, a concessionária conseguiu o feito de atrair as críticas até de notórios privatistas, como o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos. Menos de três meses após rifar a Sabesp, ele afirmou que a Enel “não se preparou para fazer investimentos” e deve “sair do Brasil”. Parceiro de Freitas na entrega da maior companhia de saneamento básico da América Latina para a iniciativa privada, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), ingressou na Justiça com uma ação contra a Enel, para exigir o restabelecimento integral dos serviços de energia elétrica na capital, sob pena de multa diária de 200 mil reais. Candidato à reeleição, o alcaide teme os impactos do apagão sobre os humores dos eleitores paulistanos.

O tema ganhou destaque no primeiro debate do segundo turno na capital. “Nunes não fez o básico, o elementar, a lição de casa. Poda de árvore na cidade de São Paulo, manejo arbóreo, e olha que a gente teve um apagão há menos de um ano”, criticou o adversário Guilherme Boulos, do PSOL. De fato, a cidade tinha uma fila de 13,9 mil pedidos de poda ou remoção de árvores pendentes ao fim do primeiro semestre. O prefeito alega, porém, que 6 mil ordens de serviço estão paradas por estarem próximas da fiação elétrica e dependerem da atuação da Enel. Acuado, Nunes tentou jogar a batata quente no colo de Lula: “É inaceitável que o governo federal, que detém a concessão, regulação e fiscalização, não tenha feito nada”.

Antes disso, Nunes havia acusado o ministro das Minas e Energia, Alexandre da Silveira, de estar negociando a renovação do contrato da Enel momentos antes do apagão. “O prefeito de São Paulo aprendeu rápido com seu concorrente, Pablo Marçal, que era o campeão das fake news e da falsificação de documentos públicos. A Enel vence seu contrato em 2028, e ela tem até 2026 para se manifestar sobre a sua renovação”, rebateu Silveira.

O ministro acrescentou que a quebra de contrato com a Enel depende de aval da Agência Nacional de Energia Elétrica e tem sérias repercussões econômicas. “Não é uma prerrogativa de alguém que acordou de manhã e tomou uma decisão irresponsável.” O enrosco é que são raríssimos os casos em que a Aneel recomenda a caducidade de um contrato por descumprimento das obrigações. Nos últimos 15 anos, isso aconteceu uma única vez, com a Amazonas Energia, em novembro de 2023. A pasta comandada por Silveira estimou um custo de 2,7 bilhões de reais para encampar a companhia e não levou o processo adiante.

Transplantes com HIV

A Justiça do Rio de Janeiro autorizou a quebra do sigilo de dados eletrônicos e de mensagens dos envolvidos no caso de infecção por HIV em seis pacientes que receberam transplantes na rede de saúde estadual. A decisão foi tomada neste domingo 13, durante o Plantão Judiciário. A medida atinge sócios e funcionários do laboratório PCS Lab Saleme, de Nova Iguaçu, responsável pelos laudos que diziam que dois doadores de órgãos não tinham HIV, quando, na verdade, eram positivos para o vírus da Aids. Responsável pela investigação, o delegado André Neves aponta negligência na checagem da validade dos reagentes usados nos exames, o que explicaria os falsos negativos. A suspeita é de que os insumos não foram descartados para reduzir custos e preservar os lucros da empresa.

Crimes ambientais punidos com prisão

O governo federal enviou ao Congresso, na terça-feira 15, um Projeto de Lei que endurece as penas para quem comete crimes ambientais. A proposta aumenta para 4 a 6 anos de reclusão a pena para delitos como o de atear fogo em vegetação, além de estabelecer que ela seja inicialmente cumprida em regime fechado. Atualmente, essa pena varia de 2 a 3 anos e pode ser cumprida por meios alternativos à prisão. Trata-se de uma resposta à onda de incêndios florestais que devastou o País nos últimos meses. Até o fim de setembro, o Brasil já havia registrado cerca de 200 mil focos de queimadas desde o início do ano. “A elevação da pena é fundamental para que aqueles que cometem os crimes ambientais não venham na expectativa de que terão penas alternativas, redução de pena, pois é isso que favorece a destruição”, explicou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Oriente Médio/ Indignação seletiva

De repente, a Europa espanta-se com a brutalidade de Israel

Seriam os capacetes azuis mais humanos que os palestinos? – Imagem: AFP

Em um ano de massacre, raras lideranças da Europa, sempre de forma isolada, aos sussurros, quase a pedir desculpas pela ousadia, foram capazes de usar os termos corretos para definir as atrocidades cometidas por Israel na Faixa de Gaza. As cenas de horror nunca foram suficientes para aguçar as consciências, muito menos os relatórios de ativistas dos direitos humanos ou as denúncias de quem assiste de perto, diariamente, ao uso da fome como tática, o tiro ao alvo contra civis indefesos, a destruição de escolas e campos de refugiados ou os corpos a arder em um hospital em chamas, para citar o mais recente ato de brutalidade. A indignação só aflorou após os ataques das tropas sob o comando de Benjamin Netanyahu a uma missão de paz das Nações Unidas no Líbano. Na segunda-feira 14, Itália, Reino Unido, França e Alemanha saíram da letargia, da confortável posição de conivência, e se apressaram em definir a ação contra os capacetes azuis, que deixou 15 feridos leves, como um desrespeito ao direito humanitário internacional. Josep Borrell, chanceler da União Europeia, acusou Tel-Aviv de cruzar mais “uma linha vermelha”. Se assim é, qual a definição para o que se passa nos territórios palestino e libanês? Netanyahu pediu desculpas, deu uma de Chaves, o humorista (“foi sem querer querendo”), mas aproveitou para aconselhar a ONU a sair da região. No mesmo dia da manifestação “firme” das quatro maiores economias europeias, os ataques israelitas ao Líbano deixaram um saldo de 41 mortos e 124 feridos. Na terça-feira 15, mais de 50 morreram em um bombardeio no norte de Gaza. Neste caso, reina o silêncio ensurdecedor.

Universo paralelo

Kim Jong-Un, líder supremo da Coreia da Norte, decidiu privar os vizinhos do sul da possibilidade de visitar seu país. Na terça-feira 15, as forças armadas explodiram as estradas em direção a Seul, sinal do avanço da animosidade entre as duas nações e da opção pelo isolamento. Pyongyang acusa o governo sul-coreano de lançar em seu território, por meio de drones, panfletos contra o regime. Em resposta, Jong-Un ordenou o despejo de sacolas de lixo do outro lado. Oxalá o conflito se limite a esta fase “quinta série”.

Publicado na edição n° 1333 de CartaCapital, em 23 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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