Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Horizonte promissor?

A inconstância da Seleção tem sido mencionada por Dorival Júnior como algo inevitável em um conjunto em início de formação

Horizonte promissor?
Horizonte promissor?
A seleção brasileira. Foto: Rafael Ribeiro/CBF
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Vivemos tempos nebulosos em todos os sentidos: da crise climática aos tropeços do futebol. E a Seleção Brasileira não poderia ficar fora disso. Na quinta-feira 10, assisti “revoltado” ao jogo Brasil x Chile, pelas Eliminatórias da Copa 2026.

Me incomoda profundamente ver a forma como o futebol brasileiro tem sido negativamente atingido por uma série de contextos. Acho que esse sentimento também reflete este momento do mundo, em que ninguém parece ter paciência com ninguém.

Em relação à Seleção, fica todo mundo com os nervos à flor da pele. Gera certo inconformismo, em parte dos torcedores, o fato de a expressão “país do futebol” – que carrega um quê de megalomania – parecer não ter mais pé na realidade.

Nesse desespero de causa, muitas vezes atira-se para todo lado – nem sempre com boas intenções. Uma das possibilidades que passaram a ser aventadas foi, por exemplo, a de montarmos uma Seleção só com quem joga no Brasil.

Chegamos, inclusive, ao pecado mortal do desrespeito com relação aos adversários. A mim parece irresponsabilidade máxima de um profissional de mídia dizer a seguinte frase: “Tá em crise, tá ruim, chama o Chile”. Por essas e outras, cheguei “invocado” ao Brasil x Chile.

Aprendi, com os reveses da dura carreira de jogador, que não existe jogo ganho de véspera, não importa quem seja o adversário.

Sabemos muito bem que a responsabilidade pelo trabalho está nas mãos de quem dirige a equipe administrativamente, no vestiário e na beira do campo. É sobre o treinador que cai o raio da tempestade, mas daí a faltar com a dignidade é outra coisa.

Nesse sentido, o jogo Brasil x Chile foi o ponto de fervura da Seleção: daquele resultado dependia a cabeça de Dorival Júnior. Embora ainda não tivesse iniciado uma daquelas ondas que, em geral, terminam com a queda dos técnicos, estava na cara que o desfecho da partida, em caso de mau resultado, geraria um clima bastante negativo.

Dorival estava escudado por todos os trabalhos e títulos conquistados, mas sabemos também que isso não segura ninguém. Assim como sabemos que o respeito profissional não é o ponto forte da cartolagem. Pois bem, levamos um gol com menos de um minuto de jogo.

Pior: depois disso, o time continuou como se não houvesse ocorrido aquecimento anterior, jogo desencontrado, jogadores errando passes simples, enfim um cenário espantoso. Mas aquilo que, na aparência, seria o começo de uma catástrofe, não se desenrolou assim.

O correr do jogo foi mostrando o valor do trabalho de Dorival Júnior, baseado em um projeto completo, anunciado, detalhado e colocado às claras desde a sua posse até o próximo mundial.

Dorival sabe que uma campanha vencedora se baseia na qualidade técnica-artística dos jogadores, mas também se baseia, sobretudo, no ambiente entre os jogadores, a comissão e os funcionários no dia a dia.

E, nesse aspecto, ele prima pelo tratamento leal, sem medo de valorizar os jogadores, mesmo os mais jovens, e gozar da confiança dos mais velhos – tão acostumados às “trairagens” comuns.

O símbolo disso é o apoio dado a Danilo, capitão do time, que, há algum tempo, não atravessa um bom momento.

Dorival, ao mesmo tempo que seguiu apoiando o atleta, não nega que, se necessário for, recorreria a Casemiro, que pode vir a ser chamado, caso seja necessário contar com outro jogador com grande bagagem acumulada.

Diante disso tudo, a vitória sobre o Chile, no Estádio Nacional de Santiago, teve o papel de mudar o estado emocional da Seleção.

Ela foi conquistada com dois gols marcados por jogadores que estão iniciando sua participação:  Igor Jesus e Luiz Henrique. A vitória por 2 a 1, de virada, além da importância decisiva em relação aos pontos conquistados, abriu um horizonte promissor.

A inconstância da equipe tem sido sempre mencionada por Dorival Júnior como algo inevitável em um conjunto em início de formação. A palavra “oscilação” tem sido, inclusive, uma das mais empregadas por ele em sua busca por demonstrar a consciência de um processo de transição.

A partir do resultado do jogo da quinta-feira 10, a equipe, uma semana depois, estava em melhores condições emocionais para enfrentar o Peru, em Brasília.

Na terça-feira 15, ao vencer o Peru por 4 a 0, um placar significativo, a Seleção confirmou que, sim, a irregularidade faz parte de um time em formação.

E que o técnico tem plena consciência do que está fazendo. •

Publicado na edição n° 1333 de CartaCapital, em 23 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Horizonte promissor?’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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