Saúde

Universidade não reconhece diploma de ‘biomédica’ que assinou laudos de órgãos infectados com HIV

Ao menos seis pessoas testaram positivo para o vírus após receberem órgãos doados com laudo negativo emitido pelo PCS Lab Saleme

Universidade não reconhece diploma de ‘biomédica’ que assinou laudos de órgãos infectados com HIV
Universidade não reconhece diploma de ‘biomédica’ que assinou laudos de órgãos infectados com HIV
Jacqueline Iris Bacellar de Assis em entrevista ao jornal Globo. Foto: Reprodução
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O diploma de biomédica apresentado pela auxiliar laboratorial que trabalhava no PCS Lab Saleme, Jacqueline Iris Barcellar de Assis, cuja assinatura consta em um dos laudos que atestou a falsa testagem negativa para órgãos infectados com HIV transplantados em pacientes não portadores, não foi reconhecido pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera.

A formação seria necessária para credenciar e assinar o laudo de testagem de órgãos a serem doados, realizada pelo laboratório particular credenciado pela Secretaria do Estado do Rio de Janeiro após vencer licitação.

Jacqueline teria apresentado o suposto diploma de bacharel em Biomedicina, datado de abril de 2022, para ingressar no PCS Lab, mas a faculdade afirma que não a reconhece como aluna em nenhuma graduação ofertada pela instituição.

Em nota, o laboratório afirma que a funcionária teria induzido a empresa a crer que ela tinha competência para assinar os laudos ao apresentar a documentação necessária – neste caso, o diploma de biomédica e uma carteira profissional com a habilitação em patologia. O registro profissional apresentado na carteira diz respeito a outra pessoa, que não exerce mais a profissão e não reside no Rio de Janeiro.

Em entrevista ao jornal O Globo, Jacqueline chegou a afirmar que não é biomédica e o registro no Conselho Regional de Biomedicina que consta na documentação é de outra pessoa. Embora a auxiliar reconheça que as assinaturas no documento sejam sua, ela destaca que as assinaturas eletrônicas foram coletadas pela empresa no ato da contratação.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro realiza, desde a segunda-feira 14, a Operação Verum para cumprir mandatos de busca e apreensão e de prisão, um deles contra Jacqueline, em endereços de Nova Iguaçu e na capital fluminense. Ontem, Walter Vieira, apontado como sócio do laboratório, e Ivanilson Fernandes dos Santos, outro responsável técnico pelos laudos, foram presos.

Em paralelo a operação, o Ministério Público do Rio de Janeiro, o Ministério da Saúde e o Conselho Regional de Medicina conduzem investigações desde a notificação do ocorrido. O PCS Lab Saleme também foi interditado na semana passada.

Entenda o caso

Em um caso sem precedentes na história da saúde pública brasileira, seis pacientes que esperavam por transplantes no Rio de Janeiro testaram positivo para o vírus do HIV após receberem órgãos de dois doadores soropositivos.

Os exames que atestaram a higidez dos órgãos foram realizados pelo PCS Lab Saleme, um laboratório privado contratado em uma licitação emergencial em dezembro de 2023. O contrato, no valor de 11 milhões de reais, foi firmado para que a empresa realizasse testes sorológicos nos órgãos doados.

O PCS Lab Saleme, localizado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, pertence a Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo do ex-secretário de Saúde e atual deputado federal Doutor Luizinho (PP-RJ). Durante a licitação, Luizinho ainda era o responsável pela pasta.

O primeiro caso foi descoberto em 10 de setembro, quando um paciente transplantado apresentou sintomas neurológicos e, após exames de sangue, foi diagnosticado com HIV. Ele havia recebido um coração em janeiro deste ano.

Com a suspeita, as autoridades revisitaram os exames do órgão doado e solicitaram uma contraprova. A coleta realizada pelo laboratório em janeiro incluía rins, fígado, coração e córnea de um mesmo doador, todos supostamente negativos para o vírus. No entanto, outros receptores, com exceção de uma paciente que recebeu a córnea, testaram positivo para HIV. Um dos pacientes veio a falecer pouco após o transplante, mas sua morte foi atribuída a complicações pré-existentes.

No dia 3 de outubro, outro transplantado apresentou sintomas e também testou positivo para HIV. Esse paciente havia recebido um órgão de outro doador, cujo exame, realizado em 25 de maio, também não indicava a presença do vírus.

A Coordenadoria Estadual de Transplantes e a Vigilância Sanitária Estadual já interditaram o laboratório. A inspeção revelou que o PCS Lab não possuía kits para a realização dos exames e não apresentou documentos que comprovassem a compra dos materiais necessários

Em resposta imediata, a SES-RJ transferiu todos os exames realizados pelo PCS Lab para nova testagem no Hemorio. Além disso, material genético armazenado de 286 doadores será reanalisado, o que permitirá uma nova verificação dos dados.

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