Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Progressistas devem mostrar que seu projeto é o que realmente protege e valoriza as famílias
Enquanto a extrema-direita manipula o conceito de família com moralismos, a esquerda precisa resgatar sua verdadeira defesa: dignidade, segurança e direitos sociais


O segundo turno começou, após um primeiro turno marcado por pouca discussão de propostas e muita baixaria na maioria das cidades brasileiras. A polarização, tão característica das eleições desde 2018, permanece viva nessas eleições. Embora analistas políticos apontem que as disputas de 2024 estejam menos impactadas pela dinâmica presidencial de 2022, as narrativas políticas ainda reproduzem essa polarização.
Nas narrativas, a família tem sido monopolizada pela extrema-direita. “Tudo pela família”: ataques às religiões de matriz africana, ataques à população LGBTQIAPN+, ataques aos professores, aos movimentos sociais, e por aí vai. Para a direita, todas essas pessoas são percebidas como uma ameaça à família. Prefere-se que os jovens sejam privados de educação sexual, fiquem expostos a ISTs, gravidezes indesejadas e ao abuso sexual, do que “prejudicar a família”.
Acontece que essa família, defendida pela extrema-direita, é uma família abstrata: uma entidade que vive da defesa de uma moralidade patriarcal cristã. O que, nessa narrativa, coloca as famílias em risco é justamente o respeito a uma sociedade plural e diversa, um Estado Laico e o estabelecimento de limites ao poder das religiões.
A pergunta que a esquerda precisa se fazer é: qual a defesa da família que queremos? Para mim, toda a pauta da esquerda, que elege os direitos sociais e humanos como o centro do nosso programa, representa a verdadeira defesa das famílias brasileiras. E precisamos comunicar isso claramente às nossas bases populares.
A mãe preta de família periférica não quer que decidam por sua família. Ela quer condições reais de cuidar de sua família com dignidade. Apresentar políticas públicas estruturadas, tendo a família como eixo central, é uma ferramenta poderosa que ainda não aprendemos a dominar. Quando a direita fala da família de maneira abstrata, mães e pais imaginam suas próprias famílias sendo incluídas nesse discurso.
Quando nós, progressistas, trazemos nossas propostas, segmentamos demais. Fazemos parecer que nossas soluções estão distantes do cotidiano e das angústias de cada pai e mãe. Políticas para jovens só funcionam se os irmãos mais velhos tiverem onde deixar os menores, já que muitas vezes são eles que cuidam dos pequenos para que os pais possam trabalhar.
O direito da mulher ao trabalho e à renda só se concretiza se houver creches, espaços de convivência para idosos e pessoas com limitações que precisem de cuidados constantes. Moradia é essencial para a defesa da família. Como garantir segurança para uma família sem um lar seguro? Segurança alimentar também é fundamental para o nosso programa! Como garantir que crianças, gestantes e bebês estejam saudáveis se estão desnutridos?
Enquanto a direita defende a família com um discurso vazio, nas palavras do próprio apóstolo Paulo, “como um sino vazio que ressoa”, nós precisamos nos conectar às famílias brasileiras através das cicatrizes que compartilhamos. Essas pessoas não precisam ser salvas de suas religiões ou pastores. Elas precisam ver em nós a mesma humanidade que enxergam nos líderes religiosos que seguem.
Em uma comunidade religiosa, o pastor não cuida diretamente da família; ele dá suporte para que as mães cuidem de suas famílias da maneira que acham melhor. Esse é o ponto central: temos que apresentar nosso programa como um suporte, para que essas pessoas cuidem de suas famílias. Criar essa identificação, sem manipular medos e ameaças, não é tarefa fácil. Mas é essencial.
Precisamos mostrar que as pessoas que mais amam estão no centro do nosso programa — não de forma oportunista, mas com propostas que, de fato, melhorem a vida das famílias brasileiras. Família, para nós, não pode ser apenas uma categoria moral. Tem que ser uma categoria política, com a qual faremos nosso programa fazer sentido.
Uma família segura é uma família sem fome, com trabalho, com casa, escola, saúde, lazer. Uma família segura é uma família sem violência doméstica, com programas de proteção à infância que funcionem. Uma família segura é uma gestante com o pré-natal em dia e bebês bem nutridos.
A família, para mim, é a principal categoria a ser disputada. É através dessa disputa que conquistaremos mentes e corações. Não basta dizer “família, família” — precisamos mostrar que nosso programa é o melhor para as famílias brasileiras, porque garante condições dignas de vida. Vida que vale a pena ser vivida, com esperança e alegria.
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