Política
O que explica a ascensão de Cristina Graeml, fenômeno eleitoral em Curitiba
Com virada surpreendente na reta final da campanha, a jornalista foi ao 2º turno e ameaça desbancar o bolsonarismo institucional no Paraná


As expressões “estar no lugar certo na hora certa” e “um alinhamento de planetas” podem soar clichês à primeira vista – mas, segundo analistas políticos do Paraná ouvidos por CartaCapital, são a síntese perfeita da ascensão eleitoral de Cristina Graeml (PMB) em Curitiba.
Autointitulada “única candidata conservadora da cidade”, a jornalista tinha apenas 5% das intenções de voto em pesquisas realizadas ao final de agosto; não tinha tempo de rádio e TV; somava recursos modestos na comparação com os principais adversários; e teve uma única aparição em debates. Ainda assim, contra todas as probabilidades, recebeu 291.523 votos, abocanhando 31,17% do eleitorado e garantindo uma vaga no 2º turno. Disputará o comando da maior cidade do sul do País com o atual vice-prefeito, Eduardo Pimentel (PSD).
É preciso, neste ponto, abrir um parênteses para tratar de Pimentel. Não há como explicar o sucesso de Cristina nas urnas, defendem os analistas ouvidos por CartaCapital, sem passar pelos erros da campanha do vice-prefeito. “Ele fez alianças frágeis com setores importantes para o eleitor curitibano”, aponta o cientista político Mateus de Albuquerque, pós-doutorando do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Representação e Legitimidade Democrática (INCT/ReDem), da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Pimentel representa uma transição da tradição ‘lernista’ [políticos ligados a Jaime Lerner] que governa Curitiba por décadas, representada hoje pelo prefeito Rafael Greca, para uma gestão ‘ratinista’ [apadrinhados por Ratinho Jr.], que quer, nos próximos anos, aumentar sua influência na cidade”, explica o pesquisador.
Em tese, aponta Albuquerque, Pimentel teria tudo a seu favor para um vitória tranquila: é vice de um político com alta aprovação, que foi reeleito com folga no primeiro turno em 2020; tem o apoio do governador, que também soma altos índices de popularidade; e faz parte do PSD, transformado em uma “verdadeira máquina eleitoral” no Paraná.
Pimentel, ao centro, posa ao lado de Rafael Greca, popular prefeito de Curitiba, e do governador Ratinho Jr., que também concentra índice significativo de aprovação na gestão estadual.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Para completar, Pimentel atraiu um apoio considerado essencial na campanha: o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na cidade, o ex-capitão recebeu 64,78% dos votos no 2º turno em 2022. No acerto, a sigla e o ex-presidente indicaram o vice de Pimentel, Paulo Martins. Nesse ponto, porém, a coisa pode ter começado a desandar, salienta Albuquerque.
“Ratinho é um bolsonarista, mas com certa autonomia em relação a suas políticas públicas. A vacina é um bom exemplo: diferentemente do ex-capitão, ele não assumiu uma postura negacionista. O Greca foi outro, que sempre mostrou grande desconforto em se associar a Bolsonaro”, lembra.
“Isso fica visível para o eleitor. Esse bolsonarista se olha no espelho e até se vê refletido, mas é uma imagem distorcida. É um reflexo que não representa exatamente o que ele é”, explica.
Por fim, Pimentel não conseguiu se aliar ao lavatismo, representado na cidade pelo União Brasil. A sigla lançou seu próprio candidato, Ney Leprevost, que teve Rosângela Moro, ‘a conja’, como vice. O senador Sergio Moro, por inércia, foi cabo eleitoral. A chapa recebeu 6,49% votos.
A aliança com o PSDB, de Beto Richa, foi outra montada às pressas. O tucano, que é deputado e já governou a cidade e o estado, chegou a se lançar pré-candidato e apareceu bem cotado em pesquisas de pré-campanha. Os tucanos se aliaram a Ratinho e Pimentel “aos 45 do segundo tempo”.
“Não conseguir atrair o União e Moro e ter dificuldades em atrair Beto Richa faz esse mastodonte, esse arrasa-quarteirões que estava se desenhando, entrar na eleição fragilizado. Pimentel foi obrigado a se explicar mais do que estava pronto para se explicar”, resume o cientista político.
Emerson Cervi, cientista político e professor da UFPR, também explica o fenômeno eleitoral Cristina Graeml iniciando a avaliação com Pimentel:
“O cenário eleitoral de Curitiba durante a campanha só seria modificado por uma catástrofe e essa catástrofe aconteceu: uma denúncia na última semana do primeiro turno sobre a exigência de que servidores municipais fizessem uma espécie de doação para a campanha de Pimentel”, relembra. “Isso foi uma bomba para a campanha, teve um impacto gigantesco”, avalia.
O áudio trazia um servidor chorando pela obrigação de fazer a compra de um convite para um jantar, sob a ameaça de ser desligado do cargo, e estimulou a migração de eleitores que já não estavam tão convictos do voto.
“Ela basicamente cresceu na reta final incorporando aqueles indecisos que no meio da campanha já conheciam os candidatos que estavam à frente e não queriam votar neles. E, principalmente, o voto da direita institucional, do bolsonarismo, que votaria no Pimentel a contragosto e decidiu que tinha uma outra opção”, destaca.
A abstenção, mais alta do que nos últimos pleitos na cidade, reforça esse argumento do descontentamento com o indicado da atual gestão. “Desde 2000 a média de abstenção é de 14% e nós tivemos quase 28% nessa eleição. Isso mostra um eleitor descontente com as opções apresentadas e o eleitor descontente que decidiu votar, os números indicam, escolheu a Cristina”, destaca o professor.
‘Bolsonarista raiz’ x ‘bolsonarismo Nutella’
Voltando a Cristina, a campanha da jornalista soube justamente aproveitar essa pilha de erros do candidato favorito. Novamente, é o “estar no lugar certo na hora certa”.
Abertamente negacionista, ela assumiu a postura de se colocar com uma figura “bolsonarista raiz” e flertar a todo momento com a imagem de anti-sistema – à la Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo. Ela foi a única, por exemplo, que afirmou, sem meias palavras, duvidar da vacinação.
“Um dos principais investigados na CPI da Covid, o empresário Otávio Fakhoury, foi seu grande doador na campanha [ele também doou a Marçal em SP]. Essa aproximação com o negacionismo foi uma chave importante para a Cristina”, destaca Albuquerque. “Ela era a única candidata com ‘coragem’, se é que dá para usar esse termo, de dizer publicamente que duvidava das vacinas. Isso soou para o eleitor extremista como: ‘rapaz, essa aí se comporta como Bolsonaro’”, completa.
Pimentel, por exemplo, fez mediações e preferiu tergiversar ao ser questionado sobre esse ponto, ainda que sua trajetória política também indicasse que ele era contrário à imunização. Favorito, preferiu não arriscar perder votos do eleitor de centro-direita, desagradando o ‘eleitor raiz’ do ex-capitão. “É, como dizem, um bolsonarismo Nutella”, uma classificação que também pesa contra Ricardo Nunes (MDB) em SP.
Cristina Graeml usou diversas pautas caras à extrema-direita, como um apoio irrestrito a Israel, para reafirmar sua proximidade com Bolsonaro.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Para destacar essa diferença, Cristina fez bom proveito do último debate, outra chave importante para entender seu surpreendente salto de 5% das intenções de voto para os mais de 30% que a levaram ao segundo turno. “Quando a RPC [a TV Globo do Paraná] convida Cristina para o último debate, sem ser obrigada pela legislação eleitoral, o eleitor curitibano é ‘apresentado’ ao seu Pablo Marçal”, resume Albuquerque.
“A presença dela ali mostra ao eleitor que existe esse candidato em Curitiba [que Bolsonaro não pôde apoiar por questões partidárias mas], que representa um bolsonarismo social raiz. Ela atrai o eleitor que queria muito votar em Pablo Marçal mas mora em Curitiba. E hoje existe esse eleitor no Brasil inteiro”, completa.
Cervi também aponta essa base eleitoral como decisiva para o crescimento de Cristina, ainda que ela não use os métodos do ex-coach de “bagunçar a campanha”.
“Do ponto de vista da base eleitoral, o voto em Cristina e o voto no Marçal saem do mesmo lugar. É o lugar da antipolítica, do eleitor alienado, do eleitor que quer destruir tudo que está aí”, destaca. “Mas é só essa comparação possível, ela não entrou para bagunçar a campanha e não parece ter os mesmo interesses comerciais que o Marçal”.
Após a participação no debate, o próprio ex-coach gravou um vídeo para as redes sociais pedindo voto em Cristina. Bolsonaro, assim como em SP, deu sinais dúbios: não entrou de cabeça na campanha de Pimentel e confirmou a amizade e admiração por Cristina.
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Indecisão tirou a esquerda do 2º turno
Outro “planeta alinhado” que Cristina Graeml contou neste primeiro turno foi a escolha do candidato do campo progressista na cidade. O deputado federal Luciano Ducci (PSB) foi o escolhido para aglutinar uma espécie de frente ampla, que reunia, além do seu próprio partido, o PDT e a Federação PT/PV/PCdoB. Ele terminou em terceiro lugar com 181.770 votos, abocanhando apenas 19,44%.
“O Ducci não é um bom candidato em uma eleição majoritária”, avalia Cervi. “Ele era vice-prefeito do Beto Richa, assumiu o lugar dele por 2 anos em 2011 e 2012, foi o candidato à reeleição naquela ocasião e não foi sequer ao segundo turno”, lembra o cientista político.
Albuquerque faz avaliação parecida e acrescenta, ainda, a tentativa de descolamento de Ducci da imagem de Lula (PT), o que pode ter resultado em um apoio ainda menor do que já teria na esquerda na cidade.
“O Ducci evitava mencionar o nome do Lula. Ele falava em governo federal: ‘o governo federal vai nos apoiar’, ‘o governo federal vai trazer recursos’…fora a própria trajetória do Ducci que não encantava os petistas. Ele é um sujeito que votou a favor do impeachment da Dilma e que, recentemente, votou a favor do Marco Temporal”, lembrou.
“O Lula fez 36% no segundo turno em Curitiba. Não quer dizer que uma outra candidatura de esquerda faria os mesmos 36%, mas era esses 36% que deveriam ser o objetivo da candidatura apoiada pelo PT”, avalia.
Vitória, independentemente do resultado
O saldo político para Cristina, aponta Cervi, será positivo independentemente do resultado nas urnas no dia 27 de outubro. Ela, caso não vença a disputa municipal, certamente será alçada ao posto de grande candidata ao Senado pelo Paraná em 2026, ameaçando, novamente, a direita institucionalizada liderada por Ratinho Jr.
“Esse é um grande problema para a direita institucional. Eles não contavam com esse crescimento da Cristina e esperavam que para 2026 já estava tudo mais ou menos tranquilo e definido dentro da direita. Ela apagou tudo e será a grande líder da extrema-direita”, destaca.
Projeções para o segundo turno
A nova disputa eleitoral em Curitiba foi monitorada pelo instituto AtlasIntel nesta quarta-feira 16, em um levantamento que aponta um empate técnico. São 49% de indicações de votos para Pimentel e 44,9% para Cristina. Outros levantamentos sobre este segundo turno devem ser publicados a partir do dia 19 de outubro.
Pimentel tem explorado ainda mais um mote de “time que não está ganhando não se mexe” e aposta na atração de eleitores de Ducci em uma tática de “voto no menos pior”. Não por acaso, o pessebista se manteve neutro nesse segundo turno: a leitura é de que um apoio escancarado só atrairia rejeição e ajudaria a candidatura de Cristina, considerada internamente nas siglas progressistas a de maior potencial de destruição na cidade.
Nos bastidores, porém, Pimentel é pressionado pela ala bolsonarista que o apoia a radicalizar. O movimento, por enquanto, é considerado delicado para a campanha, com potencial de ampliar a faixa de abstenções. Na conta política, no entanto, pesa o temor de que, sem a radicalização, ainda mais eleitores com baixa convicção possam migrar para Cristina.
Por enquanto, segundo a Atlas, 14,9% que dizem ter votado em Pimentel no primeiro turno pretendem migrar para a candidatura da jornalista. Cristina atraí, também, 70% dos eleitores que votaram em branco ou nulo.
Os dois candidatos também têm olhares atentos para o eleitor lavajatista. O União Brasil ainda não indicou quem pretende apoiar neste segundo turno. O partido é pressionado por Ratinho Jr. a apoiar Pimentel. O governador tem certa influência na legenda e deve abrir, novamente, espaço para que a sigla volte a ocupar cadeiras no seu secretariado. Moro e sua esposa, porém, já sinalizaram que devem se aliar com Cristina ainda que precisem contrariar o próprio partido. Deltan Dallagnol, que integra o Novo, já apoia o Pimentel, mas não tem se mostrado ser um cabo eleitoral efetivo e parece ter menor potencial do que a dupla de ex-aliados para atrair votos.
Segundo a Atlas, o percentual dos eleitores de Leprevost que pretendem votar em Cristina é significativamente maior do que o percentual daqueles que escolhem Pimentel. O vice-prefeito herda, de acordo com o levantamento, apenas 29,5% dos votos do lavajatista, enquanto a jornalista herdaria 70%.
Atlas: Eleições para Prefeito da Cidade de Curitiba – 2º turno | segmentação por voto no 1º turno
Albuquerque chama a atenção, por fim, para a postura que Marçal pode adotar nessa disputa. O ex-coach, derrotado em SP e rejeitado no palanque de Nunes, teria tempo de sobra para se dedicar à campanha da nova aliada, que, ao que se sabe, já costura os detalhes de como poderá se dar essa participação.
“Isso [participação de Marçal] é um perigo real para o Pimentel. Então acredito que virá uma pressão maior em cima do PL de Paulo Martins para que Bolsonaro, Michelle e os filhos…o núcleo duro do bolsonarismo…estejam no palanque com Pimentel”, comenta. “Esse cenário, se confirmado, torna a disputa bastante imprevisível”, finaliza Albuquerque.
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