Política
Campo minado
O que está por trás da campanha para tentar derrubar Marcio Pochmann do comando do IBGE?


Na terça-feira 8, cerca de 30 funcionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aproveitaram a divulgação da Pesquisa de Orçamentos Familiares para protestar contra o presidente da instituição, o economista Marcio Pochmann. “IBGE é órgão de Estado” e “IBGE, nem mais nem menos” eram algumas das frases exibidas em cartazes empunhados pelos manifestantes. O alvo principal da chiadeira era a Fundação IBGE+, criada em julho para facilitar a captação de recursos direcionados a pesquisas e projetos e à modernização do tratamento dos dados nacionais. Segundo os críticos, a fundação representa um risco de desvirtuamento das funções primordiais do instituto, ao abrir a porteira a dinheiro privado que, em tese, poderia exercer alguma influência sobre a autarquia.
Diretor da associação dos servidores do IBGE, Antonio da Matta anunciou uma ação judicial contra a criação do IBGE+. “Já contratamos um escritório de advocacia especializado na questão.” Em nota, a Assibge afirma que a crise enfrentada pelo instituto acontece devido à “reiterada recusa” de Pochmann em “estabelecer qualquer canal de diálogo real com os servidores e agir com transparência em relação às suas ações nos últimos meses”. A presidência do IBGE, exige o sindicato, deve “suspender as medidas em curso, apresentar com clareza suas motivações e ouvir o que a casa tem a dizer a respeito”. Ainda sem data confirmada, foi acertada para este mês uma reunião entre a direção da entidade e Pochmann. Nas quatro vezes em que o atual presidente do IBGE recebeu a entidade representativa dos servidores, afirma a Assibge, “as mudanças estratégicas em curso jamais foram apresentadas”.
Divulgado no fim de setembro, um manifesto anônimo, redigido supostamente “em nome dos trabalhadores”, ataca o presidente da instituição. A carta apócrifa acusa a fundação de ser um IBGE “paralelo” e define Pochmann como “autoritário” e “megalomaníaco”.
No centro do debate, a criação de uma fundação para captar recursos extras. Mas há mais…
Um dos poucos rostos a aparecer publicamente na oposição à proposta, a economista Wasmália Bivar afirma que “o IBGE+ pode tornar o IBGE menor”. Presidente do Instituto de 2011 a 2016, Bivar afirmou em artigo publicado no jornal O Globo que a alegada dificuldade de internalizar recursos de emendas parlamentares, ministérios, bancos públicos e agências de fomento internacionais não existe. “No caso das instituições gestoras de orçamento público, o IBGE fez várias pesquisas com financiamento praticamente integral de convênios que transferiram orçamento ao instituto como contrapartida de um plano de trabalho. Com as agências internacionais, as dificuldades são maiores, mas exequíveis.” Procurada, Bivar não respondeu aos pedidos de entrevista.
Ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, Pochmann é um acadêmico reconhecido e de posições firmes. Nunca se rendeu a modismos, não se curva aos interesses do pensamento neoliberal e tem uma ideia clara a respeito de um projeto nacional autônomo. Suas posições, como era de se imaginar, causam calafrios na turma da Faria Lima e nas viúvas do tucanato, que não esconderam a insatisfação com a indicação do professor da Unicamp ao comando do IBGE. Edmar Bacha, um dos porta-vozes da ortodoxia nativa, fez cobranças públicas à ministra do Planejamento, Simone Tebet, pasta à qual a instituição está vinculada. Tebet apressou-se a esclarecer: a nomeação havia sido uma decisão pessoal do presidente Lula. O petista, por sua vez, diz a interlocutores saber que a implicância de alguns setores com o economista deriva mais dos acertos de sua visão progressista do que de eventuais erros cometidos. No caso do IBGE+, o apoio do Palácio do Planalto tem sido fundamental para o projeto resistir à artilharia dos críticos.
A CartaCapital Pochmann diz que sua gestão busca preparar o IBGE para atender ao atual momento do Brasil e aos desafios impostos pela era digital. “Estamos dando um passo fundamental para recuperar o tempo perdido e programar a instituição para o novo tempo. A partir de 2025, o IBGE terá 17 novas pesquisas para tentar entender o País e as transformações em curso.” A Fundação IBGE+, defende, é parte importante da transformação da autarquia em uma instituição de ciência e tecnologia que reconecta as políticas públicas. “O Brasil precisa de pesquisas que ajudem o Estado a entender o que é esse mundo do trabalho, a informalidade. O IBGE fazia uma pesquisa muito importante no passado sobre a economia informal urbana, mas deixou de fazer, não tem recursos. Vamos fazer de novo.”
A capacidade de captação de recursos trazida pela nova fundação, acrescenta, vai permitir ao instituto recuperar o vazamento de receitas. “Fazemos trabalhos e não recebemos pelos trabalhos realizados. O IBGE+ vai reforçar o orçamento e permitir a execução do trabalho. A fundação é um apoio para sustentar um IBGE mais forte.” Pochmann lembra a vocação da instituição para a inovação e seu papel no lançamento dos computadores em 1960. “Era a primeira vez que o Brasil tinha computador.” O instituto, diz, introduziu a inovação tecnológica quando fazia o Censo demográfico, mas só tinha recursos a cada dez anos. “Na era digital em que vivemos, a revolução tecnológica e informacional é muito rápida. Não dá para esperar dez anos. Em 2030, as mudanças tecnológicas serão muito grandes, não podemos esperar por elas, é preciso atualizar.”
Crítica. Ex-presidente do IBGE, Wasmália Bivar teme que a nova estrutura reduza a importância do instituto – Imagem: Elza Fiúza/Agência Brasil e Tânia Rêgo/Agência Brasil
O presidente do IBGE classifica as críticas como “dissonância cognitiva”. “Talvez não estejam acompanhando o IBGE e os seus desafios. Uma instituição como a Fiocruz, pública, só conseguiu responder aos problemas da pandemia, produzindo vacinas, por meio da Fiotec, que permitiu que ela recebesse recursos. Só com o orçamento próprio não teria condições de realizar o que realizou.” O papel da fundação, insiste, é apoiar a autarquia. “Ela é constituída somente por servidores ativos e inativos do IBGE. Nos conselhos fiscal e de curadores, além da comissão técnica que assessora esses conselhos, não tem ninguém de fora, basicamente é gente do IBGE. Não vejo como o IBGE+ possa comprometer a instituição.”
O suposto medo do conflito entre interesses públicos e privados, sugere, é um argumento utilizado pela elite econômica para combater a criação das fundações de universidades públicas. “Essas fundações têm sido fundamentais para as universidades exercerem as funções para as quais foram criadas. No mesmo sentido, a Fundação IBGE+ deve executar esse trabalho inovador, valorizando e apoiando o IBGE nas questões de tecnologia.”
De acordo com servidores ouvidos pela reportagem, talvez tenha faltado maior participação interna na elaboração da proposta, o que gera críticas a Pochmann até de petistas. Ao mesmo tempo, desde que chegou em 2023, o atual presidente tem causado incômodo por sua disposição em trazer de volta ao expediente presencial quem trabalha em casa desde a pandemia. O IBGE tem pouco mais de 10 mil trabalhadores e, desde 2021, quando a pandemia começou a arrefecer, há uma volta gradual ao trabalho presencial na direção, nas coordenações e gerências e no trabalho dos coletadores. “Temos mais de 6 mil trabalhadores, em 576 agências, que fazem coleta presencial cinco dias por semana, oito horas por dia. Quando chegamos, no ano passado, havia ainda 3,8 mil colegas no trabalho remoto, há quase cinco anos sem estar na instituição”, diz Pochmann.
“A fundação é um apoio para sustentar um IBGE mais forte”, defende Pochmann
A meta é até janeiro, quando está prevista a chegada de mil novos servidores concursados, trazer de volta ao presencial praticamente todos os funcionários em home office. “Devemos receber um conjunto de colegas novos e temos um plano de trabalho a executar”, afirma o presidente da instituição. O trabalho presencial, diz, é fundamental do ponto de vista do fortalecimento da cultura institucional. “É mais criativo que o trabalho em casa, que é muito repetitivo e em vias de ser substituído pela Inteligência Artificial. Vai nesse sentido o nosso empenho para que o IBGE passe a ter o trabalho presencial. É fundamental que haja interação com esses colegas que virão para fortalecer ainda mais a atividade.” Para a Assibge, é uma “atitude leviana e desrespeitosa associar a resistência ao IBGE+ ao retorno do teletrabalho”.
Pochmann ressalta: assumiu a direção após um período de instabilidade que durou de 2015 até 2022, com os governos Temer e Bolsonaro. “Não apenas pela rotatividade dos presidentes, mas por ter sido um período de ausência de concursos públicos, queda profunda nos salários dos trabalhadores e escassez orçamentária para realizar pesquisas.” Ele cita alguns exemplos. “Em 2015, era para ter sido feita a contagem nacional da população, o que seria fundamental para que não houvesse problemas na posterior realização do Censo demográfico. Outras pesquisas programadas deixaram de ser realizadas. Desde 2023 atuamos para construir um marco de estabilidade na instituição.”
O IBGE+, imagina, será também fundamental no esforço do governo Lula para construir um sistema nacional soberano de dados e informações geocientíficas e estatísticas. “As big techs capturam dados pessoais e os utilizam como modelo de negócio. O IBGE é uma instituição que entra na casa dos brasileiros, faz questionário, perguntas. As empresas também nos recebem. Não há razão de o IBGE não poder colher, só para citar um exemplo, informações de empresas de telefonia que operam no plano da concessão pública.” A instituição deverá coordenar as informações e os dados obtidos com a entrada em vigor do novo sistema, e o IBGE+ é um apoio a essa construção. “Tem aí toda uma arquitetura, não dá para pensar a fundação por si só. Ela, na verdade, compreende um complexo maior de transformação do IBGE para dar conta dessa nova era digital.” •
Publicado na edição n° 1332 de CartaCapital, em 16 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Campo minado ‘
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