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Pé nas costas

Habilidoso, Gabriel Galípolo é aprovado com folga no Senado para a presidência do Banco Central

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Além dos números. O futuro presidente do BC falou em renda e bem-estar dos brasileiros – Imagem: Alessandro Dantas/PT no Senado
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Com respostas que combinaram excelência técnica e ­reafirmação do compromisso com a democracia e com o “bem-estar do povo brasileiro”, o economista Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do Banco Central indicado pelo presidente Lula para comandar a instituição a partir de janeiro, foi sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na terça-feira 8, e alcançou feito inédito. Após a aprovação unânime na CAE, teve seu nome sancionado também pelo plenário do Senado, com quórum recorde. Foram 66 votos a favor da nomeação e 5 contra. A reação do mercado financeiro foi marcada pela estabilidade das taxas de juro e leve alta do dólar, provocada por causas externas.

Em resposta ao questionamento recorrente, na CAE, de que sua afinidade com o presidente Lula tenderia a comprometer a sua independência, Galípolo foi direto: “Toda vez que me foi concedida a oportunidade de encontrar o presidente Lula, eu escutei de forma enfática e clara a garantia da liberdade na tomada de decisões e que o desempenho da função deve ser orientado exclusivamente pelo compromisso com o povo. Que cada ação e decisão deve ater-se unicamente ao interesse e bem-estar de cada brasileiro”.

O economista sublinhou a importância de exercer o cargo de presidente do BC em condições coerentes com as convicções que o levaram, há mais de 25 anos, a estudar Economia. “Eu sempre encontrei sentido e motivação para estudar Economia na afirmação de um economista inglês do começo do século passado, que dizia que a Economia é a ciência que cuida de melhorar a vida da mulher e do homem comuns. Este é o sentido da Economia”, ressaltou Galípolo, em referência a uma frase de Alfred Marshall.

Em relação à autonomia do BC, disse tratar-se de uma “daquelas palavras-gatilho, que desata debates acalorados”, mas observou que a literatura econômica e técnica essencial situa que a autonomia dos Bancos Centrais deve ser “operacional, para buscar as metas definidas pelo poder democraticamente eleito” e que “cabe aos Bancos Centrais, daí em diante, persegui-las”. O BC, acrescentou, “não deveria nem votar a meta, é estranho, para quem terá de cumpri-la, participar da decisão da sua definição”.

Foram 66 votos a favor e 5 contra. Juros, Bolsa e dólar permaneceram comportados

Já foi dito, afirmou o sabatinado, que o banqueiro central deve ser o último dos otimistas e o primeiro dos pessimistas, mas declarou estar no setor público por acreditar que muitos dos desafios que a história coloca para a humanidade passam pelo Brasil e a sua inserção na economia mundial. O País tem a oportunidade histórica para se apresentar como destino atrativo ao empreendedorismo e à inovação voltados para a economia sustentável, consolidando-se como polo global na erradicação da pobreza e crescimento da produção e da produtividade com redução da emissão de poluentes, ressaltou.

Em vez de professar fé na eficiência do mercado, Galípolo expôs sua confiança no Brasil, com abundância de dados. Durante a década de 1970 e 1980, a economia foi assombrada pelo fantasma da hiperinflação. Em março de 1990, a inflação disparou para surpreendentes 6.821% ao ano. Em 2024, o Plano ­Real completa 30 anos e o sistema de metas de inflação comemora 25 anos. “Hoje, o Brasil é reconhecido por sua estabilidade monetária e financeira. Durante os últimos 12 meses, os núcleos de inflação se mantiveram em patamares equivalentes aos das economias mais estáveis e desenvolvidas do mundo, como as dos Estados Unidos e Reino Unido”, ressaltou, em contraposição àqueles que, encastelados nos ganhos financeiros e no rentismo, veem o Brasil sempre à beira do abismo.

No que pareceu ser uma resposta ao chamado fogo amigo, Galípolo destacou o fato de que “às vezes, como sociedade, a gente se frustra com avanços mais lentos e em trajetória menos linear do que a gente deseja. Mas eu penso que os avanços e bloqueios observados correspondem aos pesos e contrapesos próprios do processo democrático e ao mesmo ­tempo necessários para o debate público e a construção de consensos. E eu prefiro sempre as dores do processo democrático do que as falsas promessas de atalho.”

A conjuntura complexa, que não confirma a correspondência, na história recente, entre os avanços de um governo na economia e seu êxito eleitoral, foi tema de análise de Galípolo, em resposta a perguntas de senadores. Na pandemia, relembrou, os bens industriais estavam com as cadeias produtivas e logísticas desarticuladas. Importar ficou mais caro e os serviços tiveram uma redução abrupta da demanda, ninguém podia sair de casa. O resultado foi que os serviços despencaram, e os bens industriais subiram. A partir da saída da pandemia e, em seguida, da invasão da Ucrânia, que remete a um segundo choque, esses preços relativos têm tentado restabelecer a distância original. Diversos estudos no mundo mostram que o que ficou um pouco defasado foi a remuneração do trabalho ou da mão de obra.

“A sensação é, muitas vezes, de que está melhor do que no ano passado, mas que já teve maior poder de compra dez ou cinco anos atrás. Se for permitido um ambiente para que esta tentativa de correção da remuneração do trabalho repasse, enquanto custo, para quem contrata o trabalho e consiga encontrar um ambiente de ­demanda aquecida o suficiente para repassar isso para preços ao consumidor final, o poder aquisitivo do trabalhador não vai ser reposto, porque ele também vai pagar um preço mais caro, e você pode inaugurar uma espiral inflacionária de repasse de custo de mão de obra para preços, e assim sucessivamente”, alertou. O papel dos BCs, enfatizou, é conseguir permitir esse rearranjo dos preços relativos perseguindo a meta de inflação. Criar esse ambiente para tentar controlar e fazer com que esse processo ocorra de maneira ordenada, sem que a economia esteja aquecida excessivamente, “é muito relevante”.  •

Publicado na edição n° 1332 de CartaCapital, em 16 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pé nas costas’

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