Economia
Além do comércio
O futuro das relações entre Brasil e China é promissor, mas demanda ajustes em diferentes frentes


Nos últimos anos, as relações entre Brasil e China se consolidaram em várias frentes, fortalecendo um eixo estratégico tanto no comércio quanto na diplomacia e cultura. Essa parceria, que se destaca no cenário global, tende a ganhar ainda mais relevância nas próximas décadas, com novos investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia, além de um diálogo cultural cada vez mais estreito. Para entender o futuro dessa relação, é essencial observar como os dois países podem avançar em temas que vão além do comércio, abrangendo educação, cultura e inovação. Esses fatores serão fundamentais para sustentar a cooperação bilateral no longo prazo.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, uma posição que só se fortalece. Em 2023, o comércio entre os dois países superou 150 bilhões de dólares, com o Brasil exportando principalmente commodities como soja, minério de ferro e carne. A Confederação Nacional da Indústria aponta que a China absorve cerca de 30% das exportações brasileiras. Contudo, o futuro exige que o Brasil diversifique suas exportações e reduza a dependência de produtos primários, investindo em itens de maior valor agregado. Setores como biotecnologia, energias renováveis e tecnologia agrícola são promissores. O mercado chinês está em rápida transição para uma economia verde, com metas ambiciosas de neutralidade de carbono até 2060, criando oportunidades para produtos e soluções sustentáveis do Brasil. Segundo a Fundação Getulio Vargas, a crescente demanda chinesa por alimentos e tecnologias agrícolas abre um campo fértil para a inovação.
Além do comércio, a China é um dos maiores investidores estrangeiros no Brasil, especialmente em infraestrutura, energia e telecomunicações. Empresas como a State Grid e a China Three Gorges têm investido fortemente em projetos de energia elétrica, incluindo fontes renováveis como a solar e a eólica. Entre 2007 e 2022, os investimentos chineses no Brasil totalizaram mais de 66 bilhões de dólares, de acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China, com foco crescente em projetos que promovem o desenvolvimento sustentável.
Nos próximos anos, áreas como mobilidade elétrica e 5G se tornarão cruciais à cooperação econômica. A expertise chinesa em veículos elétricos pode acelerar a transição para uma frota mais verde no Brasil. Parcerias nesse setor não apenas fortalecem os laços comerciais, como também impulsionam a infraestrutura tecnológica necessária para o crescimento econômico de longo prazo.
Um dos aspectos mais promissores nas relações Brasil–China é a infraestrutura logística. Embora o Brasil não faça parte oficialmente da Iniciativa Belt and Road, há crescente interesse em projetos que conectem o País a novos mercados. A Rota Bioceânica, que ligará o Brasil ao Oceano Pacífico por meio de Paraguai, Argentina e Chile, é um exemplo dessa conexão, permitindo uma rota de exportação mais rápida para a China e outros mercados asiáticos. A modernização de portos e ferrovias no Brasil, impulsionada por investimentos chineses, pode melhorar significativamente a competitividade brasileira no comércio global. Projetos como esses facilitam o escoamento de commodities brasileiras e reforçam a presença do Brasil no mercado asiático.
Além dos investimentos e do comércio, a dimensão cultural desempenha um papel vital no aprofundamento das relações. Entidades como o Instituto Sociocultural Brasil–China (Ibrachina) são fundamentais para promover o intercâmbio cultural e educacional entre os dois países. Eventos culturais, cursos de mandarim e parcerias acadêmicas ajudam a construir uma compreensão mútua mais profunda. Em 2022, mais de 50 mil chineses estudaram no Brasil, e o governo do país asiático aumentou o número de bolsas de estudo para brasileiros em universidades chinesas. Essa troca não apenas favorece a diplomacia, mas prepara as futuras gerações para os desafios e oportunidades dessa relação.
Apesar dos avanços, as relações Brasil–China enfrentam desafios geopolíticos. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, por exemplo, pode impactar o comércio global, afetando indiretamente o Brasil. Outro desafio crítico é o equilíbrio entre produção agrícola e proteção ambiental. O Brasil, um dos maiores fornecedores de alimentos para a China, precisará adotar práticas mais sustentáveis para atender à crescente exigência global por responsabilidade ambiental. A China, por sua vez, com sua meta de neutralidade de carbono, apresenta uma oportunidade para o Brasil posicionar-se como um parceiro estratégico na transição para uma economia verde.
Inovação, cultura e sustentabilidade são temas que unem os dois países
A diplomacia é um pilar central no futuro das relações Brasil-China. Fóruns multilaterais como os BRICS, com seu “New Development Bank”, e a Organização Mundial do Comércio têm sido espaços importantes para a cooperação entre os dois países em temas como comércio internacional e mudanças climáticas. A realização do G-20 no Brasil em 2024 será mais uma oportunidade para discutir a colaboração em pautas globais de interesse comum.
Além disso, em 2025, o Brasil sediará a COP-30, evento de extrema importância para o debate sobre mudanças climáticas. Este será um marco para reforçar o papel do Brasil e da China na liderança global sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável, criando um espaço para que as duas potências fortaleçam ainda mais sua cooperação no enfrentamento das mudanças climáticas.
O fortalecimento dos laços em questões globais, como a reforma da governança e o apoio mútuo em temas ambientais, indica que a relação vai além da economia. A cooperação diplomática será determinante para navegar os desafios geopolíticos e fortalecer a parceria. O futuro das relações Brasil-China é promissor, mas exigirá adaptação em múltiplas frentes. O comércio continuará a ser o pilar da parceria, mas há uma necessidade clara de diversificar as áreas de colaboração, com foco em inovação, sustentabilidade e cultura.
A China seguirá como um parceiro estratégico, impulsionada por sua crescente demanda por alimentos e recursos naturais. Contudo, o Brasil precisa agregar valor às suas exportações e fortalecer sua posição em setores de alta tecnologia. Da mesma forma, o fortalecimento de laços acadêmicos e culturais, promovido por instituições como o Ibrachina, será crucial para construir uma base sólida para o futuro da parceria.
Em um mundo interconectado, Brasil e China têm a oportunidade de liderar iniciativas que promovam desenvolvimento sustentável, comércio justo e inovação. O sucesso dessa parceria dependerá da capacidade de ambos os países de equilibrar seus interesses econômicos e diplomáticos, enquanto constroem um futuro pautado pela cooperação e pelo respeito mútuo. •
*Advogado, doutor em Direito Comercial pela PUC–SP, presidente do Instituto SocioCultural Brasil China (Ibrachina), Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ) e fundador do Ibrawork, hub de open innovation.
Publicado na edição n° 1332 de CartaCapital, em 16 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Além do comércio’
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