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Breve intervalo
A Frente Ampla lidera as intenções de voto e tem tudo para retomar o poder


Após cinco anos afastada do poder, a esquerda uruguaia é a favorita para vencer as eleições presidenciais, cujo primeiro turno acontece em 27 de outubro. Segundo as pesquisas, a Frente Ampla leva uma vantagem de 15 a 20 pontos porcentuais em relação ao Partido Nacional, representado na disputa por Álvaro Delgado, ex-chefe de gabinete do atual mandatário, o liberal Luis Lacalle Pou. “A frente definiu uma fórmula potente ao reunir os dois principais prefeitos do país. O candidato Yamandú Orsi governou Canelones e é reconhecido pelo perfil negociador, enquanto a vice, Carolina Cosse, administrou Montevidéu e é mais combativa. Ambos foram aprovados em seus mandatos e estão qualificados para este momento”, afirma o jornalista Sebastian Torterolla.
A escolha de nomes populares e a forte campanha no interior são consideradas cruciais para garantir que o favoritismo se traduza em vitória em 27 de outubro. O aumento da pobreza infantil, que atinge um em cada cinco uruguaios em determinadas regiões, da desigualdade e dos moradores de rua, segundo números do Instituto Nacional de Estatística, impulsiona a insatisfação popular e aumenta as chances de vitória da oposição de esquerda, derrotada em 2019 depois de três mandatos consecutivos. “A ideia de que os empresários iriam mover o país mostrou-se excludente e elitista. A teoria do derrame, de um vazamento da riqueza do topo da pirâmide para as camadas mais pobres, definitivamente não aconteceu. A classe média e as frações populares perderam oportunidades”, argumenta Monica Xavier, secretária-geral do Partido Socialista, uma das legendas da Frente Ampla.
Os governistas, por sua vez, destacam a estabilidade econômica e social em meio às crises sanitária e hídrica vivenciadas no período, e as polêmicas reformas educacional, realizada sem o devido diálogo com os docentes, segundo as críticas, e da seguridade social, que elevou a idade mínima para a aposentadoria de 60 para 65 anos. O tema, aliás, é objeto de plebiscito no também domingo 27 – os eleitores terão a oportunidade de decidir se a nova idade mínima permanece ou cai.
“Na pandemia, aumentamos os leitos, evitamos quarentenas, recorrendo à liberdade e responsabilidade dos cidadãos, juntamente com campanhas para inibir os contatos massivos. Nossa vacinação foi das mais eficazes do mundo. Depois, criamos 80 mil empregos, com ganhos reais de salário e menor inflação. No interior, houve um choque de infraestrutura, com investimentos em 8 de cada 10 quilômetros nas rodovias e construção de 329 pontes”, defende Sebastián Gutierrez, assessor do Ministério de Indústria e dirigente dos blancos (Nacional), ao mesmo tempo que reconhece dificuldades na capital. “Há algumas décadas, a frente tem um piso eleitoral alto, em torno dos 40%, sustentado em uma base política cultural urbanizada com a qual se sente muito identificada. Por outro lado, a imagem e a avaliação do governo e do presidente são superiores às intenções de voto de nossos candidatos, ou seja, podemos crescer.”
O candidato de esquerda aparece bem à frente do nome governista
Corre por fora o colorado Andrés Ojeda, que aparece como espécie de terceira via, cuja campanha se concentra em enaltecer virtudes pessoais e mostrar cenas do cotidiano, na tentativa de atrair um público jovem e mais despolitizado, segundo o assessor do Ministério de Desenvolvimento Social e candidato a deputado Leonardo Manzi. “Integramos o governo, mas nos posicionamos como renovação, agregando bandeiras como a saúde mental e o cuidado animal, tendo como essência a social-democracia”, pontua.
Outro postulante é o ex-comandante do exército Guido Manini Rios, do Cabildo Abierto, representante da extrema-direita, alçado à fama em 2019 ao perder o cargo por críticas à reforma da previdência dos militares. A legenda enfrenta, porém, um momento de baixa e aparece com menos de 5% nas sondagens. “Somos os únicos a defender a vida desde a concepção até a morte natural e a família, muito atacada por ideologias dissolventes”, acredita o militante e porta-voz Marcos Sastre.
Independentemente do espectro ideológico, há consenso sobre o tema prioritário da campanha, a segurança pública. Ainda que em comparação com os vizinhos da América Latina os índices de criminalidade possam ser considerados baixos, o sentimento de insegurança prospera diante do aumento das mortes violentas, o poder crescente do narcotráfico e as péssimas condições carcerárias. Em setembro, seis presos morreram queimados por causa de um incêndio ocorrido no Presídio Santiago Vázquez. O caso está sob investigação. As propostas dos principais candidatos convergem, em geral: ampliação do efetivo policial e incorporação de novas tecnologias. A permissão para a polícia invadir casas sem mandado durante a noite é outro tema a ser decidido em plebiscito pelos eleitores.
Com o debate dominado pela segurança, a crise climática acabou em segundo plano, embora o país faça fronteira com o Rio Grande do Sul, palco de enchentes recordes, cujas imagens rodaram o mundo. O Uruguai enfrentou a pior seca em cem anos, com grande impacto na produção agropecuária, essencial à economia local. No período mais agudo da escassez hídrica, a água saía insalubre das torneiras de mais da metade da população. No início do mandato, Lacalle Pou criou o Ministério do Meio Ambiente, mas a gestão tem sido pouco efetiva. “As questões ambientais historicamente são tratadas por um setor da esquerda, mas nunca foram capazes de mobilizar as massas”, lamenta a professora Selva Chirico, de Rivera, cidade ao norte do país.
Mais de 2,5 milhões de uruguaios irão às urnas para escolher, além do novo presidente, 99 deputados e 30 senadores. O segundo turno, se necessário, está marcado para 24 de novembro. •
Publicado na edição n° 1332 de CartaCapital, em 16 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Breve intervalo’
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