Política

Derrota acachapante é o bastante para desarticular o bolsonarismo no Rio?

A aliança ampla de Paes e a ausência de figuras importantes do PL foram decisivas no revés do ex-capitão em seu berço político

Derrota acachapante é o bastante para desarticular o bolsonarismo no Rio?
Derrota acachapante é o bastante para desarticular o bolsonarismo no Rio?
Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem, em 18 de julho de 2024. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Rio de Janeiro – Derrotado inapelavelmente por Eduardo Paes, do PSD, ainda no primeiro turno, Alexandre Ramagem enfrentou um revés significativo em sua candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro. Com 60% contra 30%, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, viu suas chances de conquistar a capital fluminense evaporarem, mesmo sob o apadrinhamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Apesar do resultado expressivo em favor de Paes, Ramagem e Bolsonaro tentaram minimizar o impacto da derrota na cidade, historicamente considerada o berço do bolsonarismo.

Bolsonaro e seu filho Carlos, vereador reeleito, ladeavam Ramagem no comitê de campanha do PL quando ficou definida a vitória de Paes. O ex-presidente afirmou que o favoritismo do adversário era uma realidade com a qual a campanha já trabalhava e que o resultado não foi uma surpresa: “Os demais candidatos não eram competitivos e foi como se o segundo turno tivesse sido disputado no primeiro”.

Já o candidato derrotado ressaltou o fato de ter obtido mais de 900 mil votos e disse que essa votação o credencia como “uma nova figura importante” na política regional: “Foi uma vitória política. Tivemos um percentual de votos superior ao candidato de São Paulo. Não conseguimos ganhar essa eleição, mas estamos formando um bloco de oposição que há muito tempo não se via”, disse.

Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-RJ, o resultado no Rio pode ser interpretado de duas maneiras. Por um lado, Ramagem e o PL conseguiram consolidar uma base de votos significativa, o que fortalece o partido na oposição. Por outro, a derrota foi dura para Bolsonaro, que é o principal fiador do bolsonarismo na cidade: “Bolsonaro saiu derrotado no Rio porque a cidade é seu domicílio eleitoral e um reduto onde o bolsonarismo historicamente teve grande força, principalmente entre evangélicos e eleitores de maior renda”.

Ainda segundo o especialista, a estratégia de Paes pode ser um modelo para enfrentar o bolsonarismo no futuro. “Paes, além de ter o apoio da maior parte da esquerda, contou com setores da direita e até de lideranças evangélicas. Ele conseguiu atrair uma parcela do eleitorado que, em 2018 e 2022, votou em Bolsonaro, mas não migrou para Ramagem.”

Luiz Eduardo Motta, diretor do Laboratório de Estudos sobre Estado e Ideologia da UFRJ, observa que o resultado no Rio revela que o bolsonarismo não é tão sólido quanto se pensava: “O bolsonarismo no Rio se mostrou menos forte do que em São Paulo, se compararmos o somatório de votos de candidatos conservadores como Ricardo Nunes e Pablo Marçal”. Motta afirma que Paes conseguiu construir uma barreira sólida contra a extrema-direita ao não se identificar com o programa bolsonarista, apesar de parte do eleitorado fiel a Bolsonaro.

Na mesma linha, Mayra Goulart, coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada da UFRJ, considera a derrota do bolsonarismo no Rio inequívoca. “Paes conseguiu articular uma frente ampla que uniu votos da esquerda moderada, da centro-esquerda e da esquerda propriamente dita, ainda no primeiro turno”. Esse movimento explica a baixa votação de Tarcísio Motta, do PSOL, que terminou com apenas 4,2% dos votos. “Os eleitores cariocas quiseram passar uma mensagem para o País: a união da esquerda e da centro-esquerda pode derrotar a extrema-direita.”

O esforço final do PL e de Bolsonaro para alavancar Ramagem, incluindo a presença constante do ex-capitão nos últimos dias de campanha, não conseguiu repetir o sucesso de outras candidaturas do partido, como Bruno Engler em Belo Horizonte. Apesar de um investimento significativo — o PL gastou 21,9 milhões de reais, mais do que o dobro do valor investido pela candidatura de Paes — Ramagem não obteve o retorno esperado.

Outro ponto de impacto foi a adesão de parte dos líderes evangélicos à candidatura de Paes. De acordo com uma pesquisa da Quaest, 54% dos eleitores evangélicos votaram em Paes, enquanto apenas 11% apoiaram Ramagem. Além disso, a baixa popularidade do governador Cláudio Castro, que participou apenas de um ato da campanha de Ramagem, também pesou contra o ex-diretor da Abin. No último debate, Ramagem chegou a criticar a gestão de Castro, classificando-a como “medíocre”, o que gerou tensões internas no partido.

Pessoalmente, entretanto, Ramagem tem motivos para comemorar. Ele enfrentou um prefeito popular, que buscava a reeleição e liderava as pesquisas desde o final do ano passado, e ainda conseguiu quase um milhão de votos em sua primeira candidatura a um cargo majoritário. “É um resultado expressivo para quem se lança pela primeira vez em uma cidade tão complexa como o Rio”, ressalta Ismael. Além disso, o PL aumentou sua bancada na Câmara Municipal de três para sete vereadores, o que coloca Ramagem em uma posição de destaque para futuras disputas, seja em 2026 ou em uma possível candidatura à prefeitura em 2028.

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