Opinião

O momento da esquerda exige a coragem de propor a utopia como sonho realizável

Movimentos sociais integrados em processos políticos rebaixaram os horizontes utópicos, na medida em que tiveram de se ceder ao possibilismo político

O momento da esquerda exige a coragem de propor a utopia como sonho realizável
O momento da esquerda exige a coragem de propor a utopia como sonho realizável
Fotos: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados e Rovena Rosa/Agência Brasil
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“A política é talvez um dos maiores atos de caridade. Porque fazer política é elevar as pessoas” – Papa Francisco

Passamos pelo primeiro turno das eleições municipais.

Temos muita luta pela frente para que um projeto de nação solidária, justa e pacífica se consolide.

Em Porto Alegre, onde voto, tivemos vitória das mais difíceis: levamos duas mulheres para o segundo turno, Maria do Rosário e Tamyres, mulher negra.

A aliança entre o PT e o PSOL, que parecia improvável na capital gaúcha, se consolidou, permitindo a eleição de uma bancada progressista de 12 vereadores e vereadoras, sendo 5 do PT, 5 do PSOL e 2 do PC do B – uma delas, travesti, Natasha, eleita pelo PT.

A esquerda brasileira parece refém de um passado glorioso, mas que pouco atende às necessidades atuais: está de certa forma acuada pela extrema-direita e com grande dificuldade de sair das cordas.

Pior, movimentos sociais integrados em processos políticos rebaixaram os horizontes utópicos, na medida em que tiveram de se ceder ao possibilismo político.

O momento, portanto, parece exigir coragem: de propor a utopia, como sonho realizável, como fez, pelo avesso, o fraudador Pablo Marçal em São Paulo, cuja prisão deverá ser um sinal de alguma vitalidade dos tribunais eleitorais, tão desejada por todos.

Nesse sentido, a tarifa zero para o transporte urbano se afigura como uma das melhores alavancas de progresso social: ao permitir que a população se desloque sem custo não apenas para o trabalho, mas também para o lazer, a tarifa zero amplia a qualidade de vida da população, atualmente tristemente confinada às periferias, pelas limitações do transporte, principalmente nos fins de semana, tendo, assim, de praticamente abdicar do lazer, geralmente concentrado nos centros das cidades.

Em Roma, tem mais: transporte público para baladeiros – o ônibus circula nos bairros turísticos e boêmios, com música; a festa já começa ali mesmo, com venda de bebidas no próprio ônibus.

Ladislau Dowbor prova que a tarifa zero é investimento: toda a economia cresce com a maior circulação de pessoas.

Como termos eleitores mais conscientes se não lhes damos acesso à cultura, que também é educação?

Não é a cultura o centro da atividade política, como bem pontuou Antonio Gramsci?

Se não dermos acesso à cultura e à educação para a população, ela continuará presa de farsantes como Marçal, Melo, Bolsonaro etc.

Por exemplo, falamos muito dos progressos chineses, mas convém lembrar esta citação de Martyn Lyons: “No final do século XV, a China havia produzido mais livros do que o resto do mundo em seu conjunto.”

Portanto, nada vem do nada. Apesar do período tenebroso de dominação ocidental, a China tem um substrato cultural incomparável com o resto do mundo, que, enterrado sob a dominação das potências do Norte, iria florir como semente boa e dar fruto, qual árvore bem plantada.

Vale lembrar que a política é terreno fértil, como nos recorda São Paulo VI, ao afirmar: “Política é uma maneira nobre e exigente de servir ao próximo.”

Que tarefa bela e difícil!

Vale notar que todos somos agentes políticos: os médicos, os engenheiros, os advogados, todo e qualquer trabalhador e trabalhadora, por mais humilde que seja.

Os aposentados, também o somos e com mais responsabilidade, pois temos mais anos de reflexão e menos cerceamento, que nos leve a calar quando se fizer necessário falar.

De fato, com Viktor Frankl podemos pensar: “O ser humano precisa de uma porção de deserto a fim de poder reencontrar a si mesmo.”

Os anos da maturidade nos permitem olhar a vida de outra forma, como garimpeiros que veem, sempre com dor, eu creio, os diamantes sobre os quais pisamos, e os pedregulhos que nos pareciam joias.

Que difícil ter consciência e não poder mudar o passado!

Mas o presente e o futuro, podemos e devemos.

Somos um lindo país, mas quanto caminho ainda nos falta para a libertação do desconhecimento, da ignorância, dos preconceitos e dos horizontes tão limitados que a pobreza impõe.

Temos alguns dias até o segundo turno das eleições municipais, vamos nos empenhar ao máximo para que a luz ilumine as trevas, a sabedoria vença a ignorância e a utopia enterre na lama aqueles que tentaram soterrar cidades inteiras, como o atual prefeito de Porto Alegre.

Em São Paulo, vamos buscar a vitória também, cientes de que os empobrecidos têm direito aos CEUs, estruturas educacionais maravilhosas, que restituem às pessoas o direito à cultura, à educação e ao lazer.

Ao lado disso, Boulos e Marta prometem zerar as filas do SUS, mediante a ampliação em grande escala das policlínicas, restituindo assim, também, o direito à saúde.

O que temos pela frente é luta, mas nunca foi fácil e a hegemonia cultural da nossa oligarquia é uma das mais totalitárias e nefastas do mundo; entretanto, ela é apenas trevas e, como todos sabemos, as trevas não resistem à luz.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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