Diálogos da Fé
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Diálogos da Fé
Marçal é lobo que subestima fiel ao vestir-se de ovelha
O ex-coach não fala por todos os evangélicos, mas sim, principalmente, pelos que veem na política uma extensão de seus negócios


As pesquisas e as campanhas vêm revelando que as lideranças das “igrejas-shopping” — megatemplos evangélicos que operam com lógica empresarial — não necessariamente representam os fiéis em suas escolhas políticas. Dados recentes das pesquisas Datafolha mostram que Guilherme Boulos tem conseguido quase dobrar o número de votos provenientes de eleitores evangélicos, em comparação ao início da campanha. Enquanto isso, Pablo Marçal, recentemente recebido pelo pastor José Wellington, presidente da Assembleia de Deus Ministério do Belém, precisou intensificar os discursos de jejum e oração numa tentativa de conter a debandada de votos de fiéis que migrou para Ricardo Nunes, especialmente entre os eleitores mais pragmáticos que buscam continuidade administrativa.
Marçal, ao se aliar às igrejas-empresas, tenta vender uma imagem de representante legítimo da fé evangélica, mas essa aliança revela mais sobre os interesses das elites religiosas do que sobre a vontade dos fiéis. As igrejas-shopping não refletem a pluralidade e a autenticidade do movimento evangélico, que é vasto e profundamente diverso. Essas megacorporações religiosas se movem por interesses mercantilistas, buscando ampliar seu poder político e econômico. Marçal age como porta-voz de um pequeno grupo de líderes eclesiásticos que há muito tempo se distanciou das bases populares e dos princípios espirituais da fé. Ele não fala por todos os evangélicos, mas sim, principalmente, pelos que veem na política uma extensão de seus negócios.
A aliança do coach com as grandes denominações reforça uma lógica perversa que transforma a fé em mercadoria e legitima um modelo que coloca o lucro acima da espiritualidade. Essas lideranças, mais preocupadas com sua agenda corporativa, veem no voto evangélico apenas uma oportunidade de crescimento econômico. E os fiéis das bases entende que há candidaturas que são parte ativa de um sistema que enriquece poucos à custa de muitos, distanciando-se, assim, dos princípios fundamentais da fé que afirmam representar.
A fé evangélica autêntica tem suas raízes na inclusão, oferecendo acolhimento aos marginalizados, aos pobres e àqueles que muitas vezes não têm voz. Foi nessa base de solidariedade e compaixão que muitas comunidades pentecostais se consolidaram ao longo da história. O uso político da fé por líderes fundamentalistas e por candidatos como Pablo Marçal tem distorcido essa tradição. Ao transformar a fé em uma ferramenta de exclusão e perseguição, especialmente contra minorias, Marçal trai o verdadeiro espírito do Evangelho. A fé que deveria servir como uma ponte para unir e amparar os mais vulneráveis é utilizada como uma arma para polarizar e dividir, desvirtuando o legado das igrejas, que sempre foram um refúgio para os que buscavam esperança, não opressão.
Após semanas cuspindo desrespeito e desferindo ataques descontrolados contra seus opositores, Marçal agora tenta adotar um tom mais ameno, buscando não assustar os fiéis. Parece não conhecer que a Bíblia já alerta sobre os falsos profetas que se vestem como ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Nos últimos dias antes do pleito, o candidato corre para fazer caber nele próprio a fantasia de lã, mas a incoerência de sua mudança não passa despercebida. Ao apostar na agressividade desmedida durante os debates, calculou mal: sua rejeição disparou na semana decisiva, revelando sua verdadeira face aos olhos de quem ele esperava enganar.
As lideranças das igrejas-shopping e candidatos como Pablo Marçal cometem um erro fundamental ao não compreenderem que a verdadeira fé evangélica promove a autonomia espiritual, e não a subordinação a elites religiosas ou políticas. O pentecostalismo, em sua essência, acredita na experiência direta com Deus, no empoderamento do indivíduo por meio do Espírito Santo e na liberdade de cada fiel para viver sua fé de maneira pessoal e íntima. Ao tentarem submeter os fiéis a uma lógica de obediência cega a líderes empresariais travestidos de religiosos e a políticos que veem a religião como moeda de troca eleitoral, essas lideranças se distanciam dos princípios de autonomia e comunhão espiritual que fundamentam o evangelho. A tentativa de controlar o rebanho por meio de poder econômico e político desrespeita a fé e desonra a busca espiritual autêntica que a maioria dos evangélicos prezam.
No fim das contas, Pablo Marçal é apenas mais um representante de um projeto falido, que usa a fé como escada para o poder, mas esquece que o povo evangélico não é massa de manobra. Ele subestima a inteligência e a espiritualidade daqueles que, diariamente, constroem suas vidas com base na comunhão verdadeira e no relacionamento direto com Deus. Marçal, fazendo uso de uma retórica vazia e alianças oportunistas, não passa de um lobo perdido em meio ao rebanho, que, ao tentar vestir o disfarce de ovelha, acaba expondo ainda mais seus dentes afiados. A farsa não se sustenta. Enquanto ele tenta, sem sucesso, convencer os fiéis de que é um guardião dos valores cristãos, a verdade já está posta: sua candidatura não é sobre fé, é sobre lucro, poder e controle. E, para sua surpresa, o eleitor evangélico já o enxergou pelo que realmente é – um lobo disfarçado, que jamais terá lugar no verdadeiro coração da fé.
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