

Opinião
Marçal, a hiena do caos
Sociologicamente, o ex-coach é um pobre coitado produzido pela trituração psíquica do capitalismo. Jornalisticamente, é o ’tilt’ engendrado pela omissão permissiva e covarde


Pablo Marçal é a hiena do caos. Não se trata de um menino mimado. O seu nome é perversão e seus criadores são muitos.
Sociologicamente, Marçal é um pobre coitado produzido pela trituração psíquica do capitalismo avançado, um monstrengo aprisionado na miragem do dinheiro, um vazio de existência preenchido pela Teologia da Grana. “Em São Paulo”, escreveu Mano Brown, “Deus é uma nota de cem”. Eis aí um deus nu para os ritos paulistanos.
Mas os deuses são sempre inventados.
Economicamente, portanto, interessa saber quem opera suas hastes.
Follow the money.
Politicamente, Marçal é uma besta obscena e intratável. Seu acesso aos palanques está chancelado pela decrepitude formal do sistema partidário. Um zilhão de legendas nanicas com cretinos de manicômio, loucos de praça, ladrões psicóticos de tipo variado, gente inescrupulosa e cafajeste, inclusive ele mesmo, encenando para jovens idiotas o papel do imbecil limítrofe que vai revolucionar um sistema hipócrita. Jerry Lewis de camarilha.
Marçal não deixou os negócios para entrar na política, conforme bradou numa declaração calculada. Ele entra na política para ampliá-los. A política lhe abre – para si e seus capangas – um tipo de estelionato que os CNPJs de quintal não alcançam: o sequestro primitivo dos fundos públicos por interesses privados e a desregulação selvagem de tudo, explicada em dezenas de livros sobre o patrimonialismo brasileiro. Marionete bem paga.
Estamos sendo entretidos por palhaços deletérios que deviam ser apenas expulsos do jogo
Antropologicamente, Marçal é o elo perdido entre o bipedismo evolucionário e aquilo que lhe estava antes, o reto exposto dos quadrúpedes sem rabo, o seu incorrigível descuido na escolha do lugar onde defecam. Erro de cálculo. Gargalhadas escatológicas. Fase anal-expulsiva. Freud (ainda) explica.
Jornalisticamente, Marçal é, por fim, o tilt engendrado pela omissão permissiva e covarde. “Baixou no articulista um Mino Carta!”, dirão os leitores fieis deste site. É possível, mas não para copiar o fundador do veículo, apenas para homenagear a síntese limpa de uma frase sua, prefaciando o imortal Claudio Abramo: “A omissão é uma das formas mais sutis e eficientes de assalto à verdade. Omitida, ela vai ao fundo como um barco furado e ninguém a recupera mais”. Os bons modos das bancadas de entrevista são a máscara intelectualóide de uma ineficaz etiqueta.
Ainda dá tempo? Ou será que o desserviço está completo e as fichas cairão doravante em cascata, inutilmente. Relógio que atrasa não adianta. Alguém por favor acerte o ponteiro dessas consciências servas. Faz anos que um pueril jornalismo toca flauta para esse baile estulto, seja por conveniência, seja porque o(s) malandro(s) da vez batem lisos a carteira de sua imparcial fantasia. Veja-se: Pires, Roberto. “Diante do fascismo”: a geringonça midiática foi ali exposta, desde as suas internas.
Não há dois lados a serem ouvidos quando um de tais lados supostos é apenas pré-linguístico e opera o território da linguagem como pura disjunção entre as palavras e as coisas. Não importa se ele o faz pela incapacidade mental de ser outro ou se tudo em seu caso é pensado. O mais hábil dos cavalos, dissera Platão, é aquele que finge mancar. É o mais ardiloso. Estamos sendo entretidos por palhaços deletérios que deviam ser apenas expulsos do jogo, se os juízes exercessem a devida parcimônia que deles se espera, ou se as regras acordadas não fossem tão bobas, tão frágeis, tão funcionais ao Estado de Natureza.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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