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Em meio à escalada da tensão no Oriente Médio, o que Netanyahu tem a dizer à ONU?

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Primeiro-ministro israelense afirmou que vai avançar contra os iranianos – Foto: Kobi Gideon/GPO/Ministério da Defesa de Israel
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Um ano atrás, Benjamin ­Netanyahu apresentou à Assembleia-Geral das Nações Unidas a visão de um “novo Oriente Médio” ancorado pelos laços crescentes de Israel com seus parceiros árabes na região. Agora ele está à beira de lançar uma grande escalada contra o Hezbollah, ignorando os apelos de seus aliados por contenção na invasão de Gaza e desafiando as críticas de que tem prevaricado nas negociações de um cessar-fogo temporário.

O primeiro-ministro israelense ainda tem seu discurso marcado para a sexta-feira 27 em Nova York, num evento que certamente causará paralisações e protestos nas ruas centrais de ­Manhattan. Ele adiou sua chegada aos Estados ­Unidos por ao menos um dia, à medida que aumentam as tensões com o ­Líbano, após uma operação elaborada para detonar milhares de pagers e rádios de comunicação pessoal usados pelo Hezbollah, o que pode sinalizar o início de uma guerra mais ampla na região.

A viagem a Nova York pode oferecer a Netanyahu uma chance de avaliar o apoio a uma escalada no Líbano, ou de fazer Joe Biden e outros aliados saberem que ele havia tomado a decisão e não seria ­dissuadido de uma guerra mais ampla. A visita à ONU acontece depois de um ano de derramamento de sangue em Gaza, que deixou mais de 41 mil mortos e levou o Tribunal Penal Internacional a considerar a emissão de mandados de prisão para o chefe do governo israelense e o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar. Há rumores de que os juízes do TPI estão perto de aprovar um mandado que poderia acusar Netanyahu de crimes de guerra.

Entre os mortos durante o conflito em Gaza estavam 200 trabalhadores humanitários da ONU. Netanyahu e as Forças de Defesa de Israel alegaram que funcionários da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA) participaram dos ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro, e nove integrantes da organização tiveram seus contratos rescindidos após uma revisão interna das Nações Unidas. António Guterres, o secretário-geral da organização, disse que ele e Netanyahu não conversam desde o início da guerra, mas que estava pronto para encontrar o primeiro-ministro israelense à margem da cúpula, se ele pedisse. “Não conversei com ele porque não atendeu meus telefonemas, mas não tenho motivos para não falar com ele”, afirmou Guterres. O secretário criticou a “falta de responsabilização” pelas mortes dos trabalhadores humanitários, a maioria das quais ocorreu em ataques que a ONU criticou como indiscriminados. Questionado no início deste mês se Netanyahu se reuniria com Guterres, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, disse que a agenda do primeiro-ministro ainda não tinha sido fechada.

Correm rumores de que o Tribunal Penal Internacional pode acusar o premier israelense de crimes de guerra

A viagem mais recente de Netanyahu aos Estados Unidos ocorreu em julho, quando o premier discursou numa ruidosa sessão conjunta do Congresso, prometendo “vitória total” na guerra contra o Hamas e zombando daqueles que se manifestaram contra sua presença no Capitólio dos EUA, chamando-os de “idiotas”. Nas ruas ao redor, perto da Union Station, os manifestantes entraram em confronto com a polícia e picharam estátuas de mármore com tinta.

Resta saber se Netanyahu está pronto para dar um passo em direção ao abismo. Após um ataque aéreo, na sexta-feira 20, que matou um alto comandante do Hezbollah e ao menos 13 outros na área de Dahiyeh, em Beirute, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, garantiu que “mesmo em Dahiyeh, em Beirute, continuaremos a perseguir o nosso inimigo para proteger os nossos cidadãos”. A nova “série de operações na nova fase da guerra continuará até atingirmos nosso objetivo: garantir o retorno seguro das comunidades do norte de Israel para suas casas”, acrescentou.

Guterres disse considerar o ataque com pagers armados com explosivos contra o Hezbollah um potencial prelúdio de uma escalada militar de ­Israel no Líbano, e alertou que a região está à “beira da catástrofe”. Ainda não está claro se Netanyahu está pronto para escalar, inclusive lançando uma operação terrestre, e tanto o Hezbollah quanto seu benfeitor, o Irã, prometeram retaliação pelos ataques recentes. Mas o gabinete de Netanyahu anunciou na sexta 20 que ele atrasaria sua viagem a Nova York em um dia, devido à situação, e mais tarde ­Danon disse a repórteres que a data da chegada de Netanyahu dependerá dos acontecimentos em Israel.

Netanyahu discursou na ONU no ano passado, entusiasmado com os Acordos de Abraão recém-concluídos. O acordo normalizou as relações entre Israel e dois Estados árabes, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, com expectativas de que a Arábia Saudita também o assinasse em breve. “Quando os palestinos virem que a maior parte do mundo árabe se reconciliou com o Estado judeu, eles também estarão mais propensos a abandonar a fantasia de destruir Israel e, finalmente, abraçar um caminho de paz genuína com ele”, discursou na ocasião ­Netanyahu, segurando um mapa rudimentar com as palavras “O Novo Oriente Médio”. Mas o derramamento de sangue em Gaza após os ataques do Hamas aumentou as tensões e, mais recentemente, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, disse que seu país não reconheceria Israel sem um Estado palestino com Jerusalém Oriental como capital. Se o painel de juízes do TPI tomar uma decisão surpreendente de acusar Netanyahu de crimes de guerra em Gaza, será mais um constrangimento, pois ele passará de pária a fugitivo internacional. •


Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1330 de CartaCapital, em 02 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Provocação’

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