

Opinião
Todos exaustos
Os abusos no calendário do futebol começam a gerar reações mais fortes entre técnicos e jogadores, com possibilidades até de greve


Começam agora as fases decisivas dos campeonatos, copas e torneios por aqui enquanto, do lado de lá do Oceano Atlântico, a Champions League ensaia os primeiros passos com algumas mudanças e, ao mesmo tempo, os campeonatos nacionais vão aquecendo.
A Sul-Americana entrou nas quartas de final e a Libertadores vai se afunilando também.
O nosso principal campeonato interno, o Brasileirão, esquenta cada vez mais, apesar do criticado nível técnico destes tempos – que são a nossa dura realidade.
Surge daí a discussão frequente entre os que defendem uma Seleção com maioria de jogadores que atuam no Brasil e aqueles que não abrem mão dos “estrangeiros” mais bem cotados.
É, sem dúvida, bastante difícil a missão de colocar nos trilhos o futebol brasileiro e nossa Seleção.
Seria necessária uma direção administrativa de grande capacidade para botar a casa em ordem.
A série D já entra nas finais com a disputa entre Anápolis e Retrô pelo título e o acesso a outra série. A partir daí, o gargalo se estreita para os grandesvencedores e para os times que lutam para não cair em todas as séries.
Na série C, prensada entre a última e a penúltima, a resistência dos clubes é heroica. Eles tentam a todo custo a sobrevida no futebol brasileiro.
A série B, com a disputa para o acesso à divisão principal, fica cada vez mais difícil em decorrência da queda de equipes tradicionais que, ao cair, veem seu retorno se tornar cada vez mais complicado.
Na série A, o Internacional de Porto Alegre não só teve uma ascensão nos resultados na tabela de classificação como, no gramado, vem apresentando um futebol surpreendente em sua qualidade técnica – principalmente pela sintonia fina entre os jogadores.
Acima de tudo, o futebol que vem apresentando o “colorado” mostra-se distinto daquele da maioria dos times atuais, marcados pela força e pela correria – tudo isso sob o pretexto da “intensidade”, palavra de ordem do momento e, a meu ver, uma enganação.
No Internacional, vemos um entrosamento apurado nas tabelinhas, expressado pelo próprio treinador, Roger Machado, como sinal de uma equipe de “grande amadurecimento”.
Não sei se isso se deve apenas a ele, mas o fato é que o técnico tem demonstrado muito tato e merece maior reconhecimento.
O Inter parece ter acertado a mão depois de, seguindo a onda atual, ter apostado em alguns “gringos”.
Trata-se de uma mudança radical na escolha da forma de jogar. A opção não é nem aquela pelos passes curtos em todos os espaços do campo nem a de privilegiar a prevalência do preparo físico. A opção pela simplicidade e pela objetividade.
Mas a discussão mais interessante e aguda do momento é mesmo a situação dos calendários, que explode em todos os cantos.
Desta vez, aqui no Brasil, o “estrilo” veio nas palavras do Abel Ferreira em sua entrevista depois da goleada contundente de 5×0 sobre o Criciúma.
O técnico do Palmeiras destacou a importância dos dias de descanso depois da desclassificação do Palmeiras na Copa do Brasil e Libertadores.
A recuperação emocional “é uma coisa que o futebol brasileiro não dá a ninguém”. Abel ressaltou o quão fundamental é a recuperação mental, além da condição física.
E podemos entender sua manifestação como uma bronca em nível mundial.
Já citamos aqui neste espaço o alerta feito por Carlo Ancelotti, do Real Madri, o maioral dos treinadores.
Ancelotti afirmou dar férias intertemporada para seus atletas em razão de eles não suportarem a sequência de jogos e viagens.
Isso lá na Europa, no Real Madri e nas melhores condições possíveis. Imagina aqui.
É hora de se juntarem as lideranças de jogadores, treinadores, profissionais da saúde e demais interessados num movimento comum que se oponha a esse verdadeiro massacre do esporte profissional.
Foi, portanto, muito bem-vinda a declaração do presidente da LaLiga, Javier Tebas, de que apoiava as críticas de Rodri, do City, sobre o número excessivo de partidas do calendário europeu.
O dirigente, inclusive, se posicionou a favor de uma possível greve dos jogadores em busca por um calendário menos insano.
Vale, aqui, repetir a fala do João Saldanha: “Vão acabar matando a galinha dos ovos de ouro”. •
Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Todos exaustos’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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