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Como os pagers do Hezbollah explodiram no Líbano? O que se sabe sobre o ataque

Onda de explosões de eletrônicos no Oriente Médio, atribuída a Israel, feriu milhares de pessoas e fez 12 mortos

Como os pagers do Hezbollah explodiram no Líbano? O que se sabe sobre o ataque
Como os pagers do Hezbollah explodiram no Líbano? O que se sabe sobre o ataque
Registro de um pager após explosão no Líbano em 17 de setembro de 2024. Foto: Reprodução/Telegram
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Eram quase 4h da tarde no horário de Beirute, no Líbano, quando centenas de aparelhos pagers começaram a explodir simultaneamente nas mãos e nos bolsos de milhares de usuários, na última terça-feira 17. 

Naquele que já pode ser considerado um dos mais surpreendentes ataques ao Hezbollah desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em outubro do ano passado, ao menos doze pessoas morreram, milhares ficaram feridas e algumas centenas perderam a visão. Explosões também foram registradas na Síria.

O caso é cercado de mistério. Ainda não há certeza sobre quem teria sido responsável pelo ataque massivo, embora o Hezbollah e o governo libanês acusem Israel pelo atentado. Em meio às especulações sobre os efeitos que o ataque terá na tensa disputa geopolítica no Oriente Médio, uma pergunta ronda o mundo e inquieta especialistas: como é possível que o ataque tenha sido executado?

Ainda não há uma resposta definitiva sobre o caso, mas os primeiros indícios apontam que o sucesso do ataque se deve a uma série de fatores, das vulnerabilidades dos pagers até a maneira como o Hezbollah – que rejeita o uso de celulares por medo de interceptação – adquiriu os dispositivos.

O que se sabe sobre as explosões dos pagers do Hezbollah

Os pagers são aparelhos de comunicação sem fio. Eles recebem e exibem mensagens alfanuméricas e chegam até a reproduzir conteúdo de voz. No Brasil, os dispositivos eram conhecidos como ‘bips’ e até foram relativamente populares na década de 1990.

Os motivos para que o Hezbollah use pagers já são conhecidos – em comparação a celulares, eles são bem mais difíceis de serem rastreados –, mas o que não se sabia com profundidade, até o ataque de ontem, é que o grupo decidiu trocar recentemente o fabricante dos seus aparelhos. Membros do Hezbollah, sob a condição de anonimato, confirmaram a informação.

Segundo o New York Times, que ouviu oficiais norte-americanos sobre o ataque, o Hezbollah importou aparelhos da fabricante taiwanesa Gold Apollo. A empresa, porém, informou que os dispositivos, na verdade, foram produzidos pela empresa BAC Consulting KFT, sediada na Hungria.

A principal hipótese, segundo o Hezbollah, é que Israel teria inserido pequenas cargas de explosivos em cerca de 5 mil aparelhos. Fontes da segurança libanesa tratam a hipótese da mesma maneira. O governo de Benjamin Netanyahu teria orquestrado a operação por meio da agência de inteligência Mossad.

O uso de recursos tecnológicos por Israel para monitorar seus adversários não é novidade. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o país confirmou que usava ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para localizar túneis subterrâneos do Hamas. 

Antes mesmo da guerra começar, um relatório da Anistia Internacional mostrou em detalhes como o governo Netanyahu utilizava tecnologia de reconhecimento facial na Cisjordânia para rastrear palestinos.

Se a premissa estiver certa – e isso exigirá uma complexa investigação –, o Hezbollah e o Líbano estariam diante do que se convenciona chamar de ataque à cadeia de suprimentos. Ou seja, a execução do ataque só seria possível através de um artifício de alteração dos pagers. Objetivamente, que alguém teve acesso aos aparelhos e os adulterou, o que pode ter acontecido na fabricação ou mesmo no transporte da carga.

É a segunda onda de ataques a aparelhos usados pelo Hezbollah no Líbano. Foto: Mahmoud ZAYYAT / AFP)

O Hezbollah é especialmente vulnerável a isso. Considerado grupo terrorista por boa parte da comunidade internacional, sofre sanções de diversos países do Ocidente, o que faz com que empresas registradas na Europa ou nos Estados Unidos evitem, quando é o caso, fazer transações diretas com os agentes anti-Israel. 

Um meio de se conseguir vender produtos como os pagers é comercializá-los a terceiros, que repassam ao Hezbollah. Isso implica que remessas de aparelhos, necessariamente, esperam mais tempo do que o habitual em portos. Dessa maneira, o grupo suspeita que a hipotética adulteração de Israel tenha sido feita em algum ponto logístico onde os pagers estavam.

Outra aresta desse intrincado rascunho de pistas é saber sobre a carga de explosivos que estava nos pagers. A primeira hipótese é que ela tenha sido implantada na bateria dos dispositivos. 

Assim, dois pontos são importantes, neste quesito: primeiro, que os aparelhos tenham sido detonados de forma remota; e, segundo, que a diferença de tempo entre a recepção da mensagem e a explosão foi de poucos segundos, o que permite pensar que os dispositivos tenham sido programados para explodir.

Uma outra suposição é que os explosivos que mataram e feriram milhares de pessoas tenham sido implementados através de um chip, praticamente impossível de serem identificados. Esse argumento foi apresentado pela rede libanesa Al Mayadeen, que ouviu fontes da segurança do país.

Um novo aparelho, o mesmo ataque

O Hezbollah fala em retaliação, mas, até o momento, a chance de escalada no conflito ainda precisa ser testada. Personagem inevitável no jogo, os Estados Unidos tentaram acalmar o estado das coisas, alegando que não tinham conhecimento do que aconteceu.

Mas, nesta quarta-feira 18, cerca de 24h depois do ataque, uma outra onda de explosões tomou o Líbano. Dessa vez, os ataques foram feitos em ‘walkie-talkies’, os aparelhos de mensagem que reproduzem conteúdo de voz. 

Nove pessoas morreram no ataque, enquanto outras dezenas ficaram feridas, em uma ação que catapultou a já elevada tensão no Oriente Médio. Os eventos desta semana devem forçar o conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) a fazer uma reunião de emergência, que poderá acontecer na próxima sexta-feira 20.

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