José Dirceu

Advogado, ex-deputado federal, ex-ministro-chefe da Casa Civil e ex-presidente nacional do PT

Opinião

O crime organizado avança na política municipal

Para combater o crescimento do tráfico e seu espalhamento pelo país, o aparato de Estado precisa mobilizar a sociedade

O crime organizado avança na política municipal
O crime organizado avança na política municipal
Marçal e Leonardo Avalanche, candidato a prefeito de São Paulo pelo PRTB e presidente do partido - Foto: Reprodução/Instagram
Apoie Siga-nos no

A proximidade de pessoas do círculo íntimo de Pablo Marçal (PRTB) – um dos candidatos à prefeitura de São Paulo – com o crime organizado trouxe para o debate um tema que é motivo de preocupação crescente a cada nova eleição: o avanço das organizações criminosas na política.

Até muito recentemente, o palco privilegiado da ligação entre o crime organizado e a política era o Rio de Janeiro, pois foi lá que se instalaram as milícias, como herança dos grupos de extermínio da ditadura militar. Há cinco décadas, as milícias ocupam territórios, têm monopólio de alguns serviços prestados, cobram proteção dos moradores e desenvolveram intricados laços com as estruturas das polícias civil e militar.

Lá também foi assassinada a vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018, a mando de políticos (os irmãos Domingos Brazão, do Tribunal de Contas do Rio, e o deputado federal Chiquinho Brazão, expulso do União Brasil, presos em abril de 2024) envolvidos em disputa territorial para expansão de milícias.

Por isso, chamou atenção da imprens a informação de que o presidente do partido de Marçal, Leonardo Avalanche, tem relações com o PCC. Circula na internet um vídeo onde diz conhecer Piauí que, segundo ele, é a voz abaixo do chefe do PCC em São Paulo. O PCC – Primeiro Comando da Capital é uma organização com mais de 40 mil membros, que opera em 24 países nos cinco continentes.

Uma investigação da Polícia Civil acusa o influencer Renato Cariani, amigo de Pablo Marçal e a quem o ex-coach diz dever tudo o que sabe, de ter desviado, entre 2012 e 2019, 12 toneladas de produtos químicos da fábrica Anidrol, da qual era sócio, para o processamento de cocaína e crack. Em outra investigação, os alvos são Avalanche, o presidente do PRTB, e os assessores Tarcísio Escobar de Almeida e Julio Cesar Pereira, o Cordão – todos acusados de trocar carros de luxo por cocaína.

Nenhuma das investigações envolve diretamente Marçal, embora o ex-coach tenha sido condenado (a pena prescreveu) por participar de uma quadrilha que aplicava golpes digitais e tenha se envolvido em outros episódios polêmicos, como liderar uma expedição em região montanhosa sem respeitar as regras de segurança. No entanto, Marçal está sendo processado é por crime eleitoral: seus perfis nas redes sociais foram derrubados por decisão judicial pelo fato de o candidato trocar “likes” por vantagens financeiras, o que é proibido por lei.

Vantagens econômicas

Reportagens realizadas pelo Estadão e pelo UOL sobre o avanço do crime organizado na política, tendo como pano de fundo as eleições municipais de 2024, constatam que, diferentemente das milícias do Rio de Janeiro, o objetivo das facções criminosas não é o poder local, mas influir nas eleições para estabelecer novos negócios (participar das licitações públicas) e lavar dinheiro do tráfico de drogas.

Em uma frente, integrantes das facções, especialmente do PCC e Comando Vermelho, infiltram-se nos municípios para capturar contratos milionários nas prefeituras, o que vem ocorrendo em quase todo o país, mas muito especialmente, segundo investigação das polícias, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará. Em outra frente, já na pré-campanha eleitoral, definem candidatos a prefeito e a vereador que vão apoiar e que, se eleitos, irão facilitar seus negócios junto às prefeituras.

Uma investigação conduzida pela polícia de Mogi das Cruzes (SP), revelada pelo UOL, detectou um esquema criminoso que movimentou, nos últimos cinco anos, R$ 600 milhões por meio de um banco tipo fintech, o 4TBank, sem autorização do BC para funcionar. Segundo o delegado Fabricio Intelizano, do dinheiro movimentado R$ 100 milhões foram em espécie e o restante envolveu 19 empresas, e parte dos recursos foi usada para apoiar candidaturas em cidades do estado de São Paulo. Um celular apreendido, da esposa de um membro antigo do PCC, levou aos candidatos que receberam apoio financeiro e ao principal operador do banco. No total, são 32 investigados, dos quais seis têm relação direta com o “banco” do PCC.

Embora o papel das milícias ainda seja muito relevante no Rio, como mostra sua influência no atual governo Claudio Castro (PL), segundo afirmou o sociólogo José Cláudio Alves, especialista no tema, em entrevista ao UOL, já há alguns acordos entre a milícia e o tráfico. O mais representativo seria entre Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da maior milícia do Rio que domina os bairros da Zona Oeste – ele estava foragido desde 2018 e se entregou no final do ano passado – e o Comando Vermelho.

De acordo com o cientista político Fernando Luiz Abrucio, pesquisador e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), o crime organizado afeta as políticas públicas de quatro maneiras. Em primeiro lugar, embala atividades ilícitas com uma roupagem de legalidade para lavar dinheiro. Entre os alvos, estão as licitações públicas de obras e concessões de serviços (em abril deste ano, operação policial prendeu diretores de empresas de transporte da cidade de São Paulo por ligação com crime organizado; Transwolff e Upbus sofreram intervenção).

A segunda forma de intervenção é na provisão de serviços básicos à população, como fazem as milícias no Rio de Janeiro, prática que está se expandindo para várias partes do país. Em determinados territórios, o Estado e/ou concessionárias estão perdendo a batalha para as facções, que assumem a prestação do serviço (internet, água, gás, energia elétrica etc.) e impõem seu preço.

O terceiro front apontado por Abrucio é a questão socioambiental. Ele lembra que o Brasil tem, nesse tema, “um dos seus ativos econômicos e geopolíticos mais importantes”. Porém, atividades ilícitas extremamente violentas, como o tráfico de drogas, o garimpo ilegal e o desmatamento, são uma enorme barreira a uma boa política ambiental.

Esforço nacional

Por fim, as facções são o principal veículo da violência e insegurança que assola o Brasil – a segurança pública é, hoje, segundo diferentes pesquisas de opinião, a maior preocupação do brasileiro. É claro que, crimes individualizados violentos preocupam muito, assim como o crescimento da violência contra a mulher e o aumento contínuo da letalidade policial, mas nada se compara à expansão do crime organizado. Esta é a epidemia do nosso século.

Sem inteligência, não há como combater o tráfico, que já espalhou por todo o país e, nos últimos anos, deixou de ser um problema só das regiões metropolitanas e cidades médias para assustar as pequenas cidades, de 20 mil a 30 mil habitantes, que, até a virada do século, só conheciam os traficantes como personagens de ficção das telenovelas.

Esse poderio, no entanto, só foi consolidado porque parcela das forças policiais foi comprada pela corrupção. Assim, é cada vez mais difícil, em certos territórios, saber quem é polícia e quem é bandido. O que foi facilitado enormemente pela politização das forças policiais, em especial das PMs. Em artigo que escrevi sobre segurança pública, já disse que é preciso acabar com esse viés de politização das PMs, aliás proibido pelos regulamentos.

Militares da ativa não podem ser candidatos mas, de 6.600 candidatos militares ou alocados em forças de segurança nas eleições municipais deste ano, 2 mil estariam na ativa. Onde estão as chefias que não aplicam a disciplina militar?

Derrotar o crime organizado vai exigir uma mobilização nacional, não só do aparato de Estado, das forças policiais e de segurança, mas de todas as forças políticas democráticas, da esquerda à centro-direita. Esta é uma luta que só poderá ser vencida se for encarada como um combate a uma grande epidemia onde temos que estar todos juntos, não importam nossas diferenças.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo